Não é novidade, sobretudo para os political junkies, que a política americana está sempre em permanente mutação, e as escolhas estratégicas dos candidatos podem influenciar substancialmente o resultado das eleições. Mais recentemente, a especulação de que Kamala Harris poderia escolher Tim Walz como seu vice-presidente para as eleições de 2024 acabou por gerar alguma surpresa, visto que outra forte possibilidade seria o popular Josh Shapiro, governador do Estado da Pensilvânia. Esta decisão, confirmada na terça-feira, 6 de agosto, poderá ser vista sob diversas lentes, tanto positivas quanto negativas.
Neste sentido, Tim Walz, atual governador do Minnesota – desde 2019 -, traz consigo uma bagagem política e uma experiência legislativa considerável. Foi membro da Câmara dos Representantes dos EUA desde 2007 até ser eleito governador. Granjeou notoriedade pela defesa das suas políticas progressistas e pelo trabalho em diversos dossiês, como educação, saúde e direitos laborais, tendo proximidade com o universo sindicalista. Para além disso, Walz possui um histórico de atrair eleitores tanto de áreas urbanas quanto rurais. A sua popularidade num designado swing state do Midwest pode consubstanciar um asset nevrálgico para o campo democrata na corrida presidencial.
Deste modo, a escolha de Walz como vice-presidente poderá verificar-se como sendo uma cartada estratégica para conquistar eleitores do Midwest e Rust Belt – cinta industrial -, que é uma região crucial para vencer a eleição. Estados como Michigan, Wisconsin e, naturalmente, Minnesota têm um histórico de serem verdadeiros campos de batalha eleitorais. Adicionalmente, com a paulatina polarização política dos últimos anos, ter um candidato que possa estabelecer uma relação de maior proximidade e maior identificação com os eleitores desses estados é vital. Walz, com as suas raízes e políticas focadas nas necessidades e anseios locais, pode conceder a Kamala Harris o apoio suficiente para ganhar terreno nesses Estado, que, em 2020, os democratas venceram por escassos milhares de votos.
Por um lado, Kamala Harris traz uma vasta experiência jurídica e legislativa, bem como uma forte presença nacional como sendo a primeira mulher e negra a ocupar o cargo de vice-presidente. No entanto, a sua imagem pública, por vezes e sendo da costa Oeste, pode ser percecionada como distante dos eleitores do Midwest e do interior norte americano. A parceria com Walz poderá efetivamente equilibrar essa percepção, apresentando uma dupla eleitoral que combina a experiência de Harris em questões de justiça e direitos civis com o enfoque de Walz em políticas económicas e sociais mais amplas, algo que pode agradar, quer a democratas, quer a independentes e republicanos moderados descontentes com Donald Trump.
Não obstante e de todo despiciendo, esta escolha não está isenta de desafios. Walz enfrentou críticas durante a pandemia de COVID-19 pelas suas políticas de confinamento que alguns consideraram excessivas. Além disso, a sua posição sobre o controlo de armas e questões policiais pode não apelar nem agradar a eleitores mais conservadores nestas matérias, o que poderia alienar parte da base democrata mais moderada. Mais, há que colocar a questão de como Harris e Walz irão trabalhar juntos numa campanha nacional, dado que são provenientes dum background cabalmente distinto.
Independentemente disso e retomando o ponto inicial, a escolha de Tim Walz para vice-presidente de Kamala Harris nas eleições de 2024 pode ser considerada uma jogada estratégica inteligente, com o propósito de reforçar o apelo do ticket presidencial no Midwest, bem como equilibrar a experiência e o posicionamento ideológico de ambos – Harris mais centrista, Walz mais progressista. No entanto, essa decisão deve ser escalpelizada e analisada à luz dos putativos desafios e dinâmicas políticas complexas do cenário eleitoral norte-americano. Como em qualquer eleição, o busílis da questão será comunicar efetivamente a visão conjunta e conectar-se de forma autêntica com as distintas estirpes de eleitores de todo o país, da Califórnia ao Maine, do Midwest ao Sunbelt (Estados do Sudeste).
De forma sucinta, se há um mês a vitória de Trump estava pré-anunciada, Harris foi chamada a jogo e atreveu-se a rolar os dados. Virou o tabuleiro de pernas para o ar. Calhou na casa da sorte da política, isto é, deter um semblante empático e dificilmente desagradável, assim como ser bem mais jovem que Trump e saiu-se bem, pelo menos nas sondagens. Veremos se está lançada para vencer o jogo em jeito de remontada.