A profissão de enfermagem desempenha um papel fundamental no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal. Contudo, os enfermeiros enfrentam desvalorização salarial e condições de trabalho precárias. É imperativo que o governo e a sociedade reconheçam a contribuição essencial desses profissionais e tomem medidas concretas para melhorar sua situação.

Desde a implementação da licenciatura em enfermagem em 1998, os enfermeiros têm enfrentado uma série de desafios. A transformação dos hospitais em sociedades anónimas em 2002 introduziu discriminação com base nos vínculos contratuais. Além disso, a Lei 12-A/2008 reduziu significativamente as remunerações e complicou a progressão na carreira. Essas políticas resultaram em uma carreira mal remunerada e condições de trabalho difíceis, apesar da crescente responsabilidade e especialização técnica dos enfermeiros.

Nos últimos anos, os profissionais de saúde, particularmente médicos e enfermeiros, funcionam num regime de pluriemprego ineficaz e desgastante, de forma a conseguirem um vencimento digno. As consequências são claras: más condições dos cuidados de saúde a todos os níveis dos serviços de saúde do estado, gritantes assimetrias regionais em termos técnicos e humanos, desumanização das instituições de saúde, burocratização e ineficácia.

Essa situação favorece aqueles que têm interesse em promover a medicina do negócio à custa das deficiências dos serviços de saúde estatais. Para se concretizar uma boa saúde e medicina, é indispensável a profissionalização dos médicos, enfermeiros e outros técnicos. É necessário pôr fim ao pluriemprego anárquico, ineficaz e desgastante, dignificar o trabalho e oferecer boas condições de realização e segurança social. É fundamental garantir o trabalho em regime de equipa pluridisciplinar, de acordo com as necessidades da saúde moderna que o avanço da ciência exige. Também é essencial implementar o regime de trabalho em exclusividade no SNS, para todas as profissões, acabando com a dispersão de esforços e tempo.

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Uma questão particularmente preocupante é a disparidade em relação às férias. Atualmente, a maioria dos enfermeiros tem apenas 22 dias de férias anuais, uma quantidade significativamente menor do que outros licenciados da administração pública. No passado, os profissionais de saúde tinham a possibilidade de obter mais 5 dias de férias caso escolhessem gozá-las em época baixa, ajudando na gestão de recursos do SNS. Esta prática deveria ser retomada, pois beneficia tanto os profissionais quanto o sistema de saúde.

A avaliação do desempenho, com critérios subjetivos e quotas, também tem sido um obstáculo para a progressão na carreira dos enfermeiros. Essa prática dificulta a valorização do trabalho árduo e impede que eles alcancem remunerações justas. A escassez de enfermeiros no SNS é um problema crónico que afeta diretamente a qualidade dos cuidados prestados à população. A falta de profissionais compromete a eficiência dos serviços de saúde, aumenta a carga de trabalho para os enfermeiros existentes e coloca em risco a segurança dos pacientes.

Além disso, muitos enfermeiros são obrigados a trabalhar em condições de extremo desgaste físico e emocional. Eles enfrentam longas jornadas, lidam com situações de emergência e mantêm um alto nível de responsabilidade. No entanto, essa dedicação muitas vezes não é acompanhada por uma compensação adequada. António Arnaut, conhecido como o “pai do SNS”, defendeu a necessidade de acabar com o subfinanciamento do sistema de saúde e criar uma carreira para os profissionais da saúde dignas. Este acrescentou ainda que a discussão no SNS deve abranger todas as categorias profissionais, não se limitando apenas aos médicos.

A desvalorização dos enfermeiros não é apenas uma questão de justiça laboral; é um problema que afeta diretamente a qualidade dos serviços de saúde oferecidos à população. Num contexto em que a saúde é uma prioridade máxima, a precarização dessa classe profissional é inadmissível. A desconexão entre as políticas públicas e as necessidades reais do sistema de saúde é preocupante.

É imperativo que o governo e a sociedade como um todo reconheçam e valorizem a contribuição insubstituível dos enfermeiros, não apenas com palavras, mas com ações concretas que garantam uma remuneração justa e condições de trabalho dignas. Os enfermeiros são a espinha dorsal do SNS, e seu bem-estar é crucial para a saúde de toda a nação. Melhorias no SNS só serão notadas pela população se os profissionais forem devidamente motivados através de salários justos e aumento de férias. Ignorar suas necessidades é comprometer o futuro do sistema de saúde em Portugal.