A nossa Constituição elenca o Direito Fundamental à família, casamento e filiação, que estabelece que “todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”. O contrário já não se observa, isto é, não está elencado nas incumbências prioritárias do Estado controlar, em termos simples, as relações românticas dos cidadãos portugueses nem questionar as suas decisões de vida. Assim, deveria o legislador preocupar-se apenas em regular os aspetos principais do ramo de Direito da Família, mas veremos que isto não se verifica.

O Código Civil foi-nos deixado na herança salazarista, pelo que é bastante intrusivo ao legislar sobre a vida familiar dos portugueses. Em primeiro lugar, obriga, para que duas pessoas se possam casar, que não se verifiquem impedimentos matrimoniais, pelo que não pode contrair casamento quem tiver idade inferior a 16 anos; quem possuir demência notória; ou quem tiver contraído casamento anterior não dissolvido. Acresce que não podem casar avós com netos ou pais com filhos; quem tenha uma relação anterior de responsabilidades parentais; irmãos com irmãos; sogros com enteados; nem quem tenha sido condenado como “autor ou cúmplice, por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro”.

Em segundo lugar, relativamente ao conteúdo da relação de casamento, estabelece o diploma que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Assim, aos olhos do Direito Português, é ilícito ter um “casamento aberto” e viver noutra casa que não a de morada da família, mesmo que entre o casal isso seja aceite.  No entanto, apenas são fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a separação de facto; a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge; a ausência por tempo não inferior a 1 anos; ou quaisquer outros factos que mostrem a rutura definitiva do casamento. Ou seja, a quebra daquelas obrigações entre cônjuges não parece constituir motivo suficiente para justificar um divórcio. Neste sentido, não tenho porque duvidar dos motivos da existência destes deveres entre cônjuges, relativamente aos quais não foi atribuída nenhuma consequência pela sua violação.

Por fim, temos o Direito Penal, que existe para desincentivar o cometimento do mesmo crime; proteger a sociedade do infrator; reintegrar o arguido e proteger os bens jurídicos. Este ramo de direito é considerado a ultima ratio, o que significa que apenas se criminaliza uma conduta, quando se considera que ela é de extrema gravidade.

Não obstante, o Código Penal prescreve que “quem sendo casado, contrair outro casamento ou contrair casamento com pessoa casada é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”. Segundo este artigo, até Francisco Sá Carneiro poderia ir preso se tentasse casar com a sua namorada Snu, visto que ainda estava casado com a sua mulher. Não servindo esta tipo legal de crime para proteger nenhum dos fundamentos essenciais deste ramo de direito, não se consubstancia razoável servirmo-nos do Direito Penal para criminalizar esta prática.

Quase meio século após o 25 de abril, a legislação portuguesa evoluiu bastante na sua forma de olhar para aquilo que são as relações românticas, especialmente no tocante ao papel da mulher. No entanto, devido ao paternalismo estatal, ainda estão vigentes várias normas completamente desatualizadas e ambíguas, pelo que urge questionar até quando é que vamos permitir, não só que nos retirem a liberdade de fazermos as nossas escolhas livremente, como também a possibilidade de refletirmos sobre que modalidade de “amar” nos será adequada?

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