Apesar da pandemia ter trazido desafios sem precedentes, os sistemas de saúde que já prioritizavam estratégias centradas em dados e pacientes estavam mais preparados para responder ao surto. Logo, conseguiram ir adaptando o atendimento ao paciente e o planeamento de emergência de acordo com essas mudanças e de acordo com a identificação de pacientes com maior risco de contrair Covid-19. Abraçar os avanços na estratificação de risco de populações e na vigilância desse risco, permite-nos estar mais aptos na prevenção de doença e promoção de saúde, elementos estes que são basilares na saúde pública e na sustentabilidade do sistema nacional de saúde. A genética permite perceber melhor correlações e risco de doenças, padrões de grupos populacionais de modo a avaliar a saúde pública de modo geral. São necessárias iniciativas a nível da genética populacional para precaver novas incidências de risco de saúde pública, para estratificar o risco populacional e para proteger a população de forma proativa. A genética tem o potencial de revolucionar os atuais sistemas de saúde!
Os dados de saúde começaram a ter valor económico em todo o ecossistema de saúde, especialmente em genética e na indústria farmacêutica, e começaram a ser vistos como uma estratégia com potencial. A genética populacional tornou-se intrigante, sendo os dados genéticos maioritariamente considerados para ajudar a prever, diagnosticar e a tratar da saúde de indivíduos de modo mais personalizado. Estratégias guiadas pela genética têm a capacidade de diminuir o risco de incisão de doenças, de melhorar a adoção de comportamentos saudáveis, assim como de espoletar a deteção precoce de doenças e opções de tratamento mais direcionados. A coleção de dados genéticos e de dados mais gerais a nível de saúde começaram como iniciativas isoladas, quer em laboratórios hospitalares, empresas ou outros. De momento, vários países estão a estabelecer iniciativas de coleção de dados populacionais para futura implementação de medicina personalizada nos serviços clínicos diários.
Nas últimas duas décadas foram implementados projetos de grande escala por toda a Europa, como é o caso da iniciativa Europeia de ‘1+ Million Genomes’, a qual consiste na cooperação de 24 países europeus para sequenciar pelo menos um milhão de genomas, com o intuito de disponibilizarem acesso à resultante base de dados genética até 2022. Esta coleção tem o potencial de melhorar a prevenção de doenças, permitir mais tratamentos personalizados e de providenciar investigação inovadora com impacto. Para além disso, países europeus como a Estónia e o Reino Unido foram pioneiros na coleção e gestão de grandes quantidades de dados genéticos, de modo a implementarem esforços de saúde pública melhorados com foco em medidas preventivas de saúde.
Tais iniciativas requerem infraestruturas técnicas apropriadas, requerem implicações legais e éticas claras, assim como a educação sobre genética da população e dos decisores políticos a fim de garantir a sua aceitação pelos sistemas de saúde e integração em cuidados de saúde personalizados. A genética populacional dá oportunidade de desenvolver medicamentos, terapias e intervenções mais personalizados e mais direcionados. Para além disso, pode também abrir portas para melhores diagnósticos, impulsionar a prevenção e fazer uso dos recursos existentes de modo mais eficiente. Desde o cancro a doenças raras, a doenças neurológicas, a novos surtos e prevenção, a genética pode melhorar imensamente a saúde dos cidadãos. A genética tem o potencial de melhorar a eficiência, acessibilidade, sustentabilidade e resiliência dos sistemas de saúde.
Consequentemente, é necessário haver uma iniciativa de coleção e agregação de dados genéticos a nível nacional em Portugal. Tal iniciativa não só incentivaria a investigação inovadora, como também promoveria inovação na indústria farmacêutica. Para além de que possibilitaria coordenar estratégias de saúde pública conforme os riscos identificados na população e adaptar a educação de profissionais para os anos futuros com esse mesmo propósito. O percurso do sistema nacional de saúde português mostra que é possível alcançar tal iniciativa a nível populacional, especialmente com os esforços a decorrerem com a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência em vista para 2021-2026. Devemos usar a crise pandémica atual para abraçar a transformação da saúde e colocar Portugal na frente da inovação em saúde a nível europeu. Mais crises virão e vamos querer estar mais preparados, não só na implementação de soluções digitais e equipamentos inovadores em saúde, mas principalmente na prevenção do risco de toda a população.
Maria Raimundo, 30 anos, é Engenheira Biomédica com mestrado em Empreendedorismo e Inovação em Saúde. Trabalha atualmente na Beta-i, consultora de inovação, como Senior Account Manager, promovendo inovação de soluções digitais em Saúde em todo o ecossistema. Para além disso, a Maria contribui para o grupo de trabalho do projeto Moving Genomics to the Clinic, do World Economic Forum. Ao frequentar o programa de doutoramento do MIT Portugal, a Maria focou-se nos desafios da utilização e partilha de dados genéticos. Os seus interesses em eHealth, medicina personalizada, genética, nutrição e inovação levaram-na às Nações Unidas, ao MIT, para além de startups. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub no final de 2019.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.