O World Rugby (organismo internacional que tutela o râguebi) vai proibir homens que se identificam como mulheres de jogarem com mulheres verdadeiras, mesmo que estejam doze meses a baixar os níveis de testosterona, cumprindo as indicações do Comité Olímpico Internacional. Segundo o estudo encomendado pela WR, há um aumento de 20% a 30% nas hipóteses de uma mulher se lesionar ao ser placada por alguém que passou a puberdade como homem. Não tenho certeza se esses 20 a 30% já contam com o facto de a mulher placada ter seios que amortecem o impacto do ombro do placador.
É uma decisão surpreendente a vários níveis. Para já, surpreende que seja necessário tomá-la. Confesso que não sabia que homens, mesmo os que afirmam que não o são, podiam jogar contra mulheres. Se soubesse, talvez não tivesse abandonado o râguebi aos 24 anos, depois de ser operado a um ombro e perceber que não tinha corpo, nem capacidade atlética, para competir num desporto em que os jogadores começavam a ficar cada vez maiores, mais rápidos e mais fortes. Pelos vistos, podia ter-me mudado para o râguebi feminino e jogado até hoje, com grande glória. Média glória, vá. Alguma glória, talvez, que o jeito não era muito.
Depois, é surpreendente que o WR se tenha atrevido, não só a fazer o estudo, como também a publicitar as conclusões. Hoje em dia, é arriscado assumir publicamente que há diferenças entre homens e mulheres e que, para todos os efeitos, uma mulher transgénero não é igual a uma mulher. Arrisca-se a muita gritaria nos jornais e na internet, boicote de clientes, perda de patrocínios e opróbrio generalizado.
Foi o que sucedeu, por exemplo, à escritora JK Rowling que, em resposta a um artigo intitulado “Opinion: Creating a more equal post-Covid-19 world for people who menstruate”, resolveu dizer que “pessoas que menstruam” chamam-se mulheres. Isso foi encarado como um ataque transfóbico a todas as, lá está, pessoas que menstruam, mas não se consideram mulheres. JK Rowling, recorde-se, é a criadora de um mundo onde existem bruxos, feitiçaria, monstros e varinhas mágicas, mas nem ela tem imaginação para conceber um homem que, de 28 em 28 dias, expele, através da vagina dele, um corrimento de sangue e tecido mucoso do revestimento do seu útero.
(Curiosidade: será que um homem que menstrua também sincroniza o período com as mulheres que vivam na mesma casa? Aposto que não. Aposto que a competitividade masculina leva a que o homem que menstrua faça tudo para ser o primeiro a ter o período. Aliás, se levar o desafio mesmo a sério, o homem vai tentar ter dois ou três períodos enquanto a mulher tem apenas um).
Por fim, é surpreendente que seja preciso um estudo para concluir que uma pessoa que vive a puberdade masculina é mais forte, mais rápida e mais pesada do que uma pessoa que passa a puberdade feminina e que essas vantagens, num desporto de contacto, não são apenas injustas, são perigosas. Quem diria, que pode correr mal o choque entre uma mulher num corpo de homem e uma mulher num corpo todo partidinho? Se calhar também é necessário um estudo para saber se é boa ideia pôr um atleta de 27 anos a competir nos sub-12. A não ser, claro, que o estudo em questão tenha consistido em assistir a dois jogos de râguebi, um da selecção masculina da Nova Zelândia, outro da selecção feminina da Nova Zelândia, e a imaginar como seria se jogassem uma contra a outra. Em princípio isso terá sido suficiente.
A puberdade é significativa. Eu já assisti cá em casa à puberdade de dois adolescentes e sei que há marcas que ficam para sempre. Mesmo que, amanhã, os meus enteados venham anunciar que, afinal, se chamam Andreia e Valentina, não é por isso que o quarto deles, digo, delas, vai deixar de ter entranhado o cheiro a raposinho. Até posso pôr um papel de parede cor-de-rosa, mas o bedum de rapazola não vai sair. Nem os seus ossos e músculos vão deixar de ser maiores e mais fortes.