O Douro é mais do que uma região e mais do que uma marca. É algo que se sente na pele, tão mais intensamente quanto mais ligados estivermos às suas raízes. E mesmo para quem não viajou ainda até essa raíz, e não conhece essa ligação, esta é ainda assim a mais dramática, bonita e historicamente marcante de todas as regiões vitivinícolas de Portugal. E é impossível falar da história do Douro sem falar de Vinho do Porto.

Apesar da primeira referência a “Vinho do Porto” ter sido encontrada num documento de exportação para a Holanda em 1675, este vinho era produzido na região do Douro séculos antes – com exportações de vinho já registadas no reinado de D. Dinis (1279-1325). A aguardentação surge como técnica de conservação do vinho, sujeito a longos transportes para fora da região do Douro (sem estradas pavimentadas ou rios facilmente navegáveis) e na exportação, para suportar longas viagens de barco. E permaneceu ao longo dos tempos, dando origem a este vinho “fortificado”.

As técnicas e os conhecimentos consolidados através de gerações permitem-nos fazer no Douro vinhos irrepetíveis no mundo. Únicos devido à diversidade genética de centenas de castas que temos espalhadas pela região, às condições de clima e solo tão inóspitas e exigentes, devido às técnicas de vinificação que se foram aperfeiçoando, e ainda mais devido à paciência de deixar o tempo fazer o seu trabalho. Hoje a época é outra, os acessos melhoraram, a tecnologia evoluiu. Mas o Douro permanece uma das regiões mais desafiantes para produzir vinho no mundo. E das mais apaixonantes também.

Para quem não conhece bem o Vinho do Porto, comecemos por dizer que não estamos a falar de um estilo de vinho apenas. Trata-se de um vinho fortificado, sim, mas acima de tudo de uma Denominação de Origem. O que significa que o Vinho do Porto apenas pode ser produzido na região do Douro. Qualquer outro vinho fortificado, produzido noutra região do mundo, não pode legalmente transportar o nome “Porto” ou mesmo “Port” no rótulo.

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Dentro do Vinho do Porto temos várias categorias: Rosé, White, Tawny e Ruby. E dentro de cada uma destas, as sub-categorias multiplicam-se, conforme o tipo de envelhecimento (com ou sem oxidação, em casco ou em garrafa) e o tempo de envelhecimento. Com a idade, os vinhos do Porto transformam-se. O açúcar, a acidez e os sabores concentram-se; a cor do vinho e a sua intensidade mudam – um processo fascinante.

Mas o meu desafio hoje é pensarmos na sua importância. Analisando os números, conseguimos ter uma primeira visão: em termos de faturação em exportações, o vinho do Porto representou, em 2021, mais de 330 milhões de euros e o vinho do Douro mais de 70 milhões. Isto representa, no caso do Vinho do Porto, cerca de 33% do total faturado pelas exportações de vinho português neste ano. E 44% se incluirmos a totalidade dos vinhos produzidos na Região Demarcada do Douro (Porto e Douro, com e sem denominação).

De acordo com dados da ViniPortugal, olhamos para uma evolução das exportações portuguesas de vinho em 2021 com um crescimento mais acentuado em valor, do que em volume, quando comparado com 2020. E para um aumento do preço médio por litro de Vinho do Porto de 8,1% em relação a 2019. Mesmo assim, não falamos de um valor elevado… estamos apenas em 5,35€ por litro.

Pergunta-se: o aumento de preço médio por litro é bom? Não deveríamos querer vender mais quantidade do que qualidade?

Em primeiro, é bom sim, porque significa que o consumidor está disposto a pagar um valor mais alto por estes vinhos. Em segundo, porque a produção de vinho – sobretudo no Douro – tem muito que se lhe diga… e quando olhamos para uma garrafa, temos de pensar não apenas na marca que tem, na adega de onde veio, ou no seu bonito rótulo. Temos de pensar que as uvas fermentadas e prensadas para dar origem a esse vinho exigiram um ano de dedicação intensa e de trabalho na vinha antes de chegar à adega. E a partir desse momento, há todo um processo de vinificação cuidado e de envelhecimento que tem os seus custos. Este trabalho – seja humano ou mecânico – tem de ser justamente pago. Queremos que o nosso vinho se difunda o mais possível pelo mundo? Sim. Mas queremos que o preço pago por esta garrafa de vinho cubra e valorize, de forma justa, tudo o que a antecede.

E porque é que no Douro o aumento de preço por litro representa uma particular conquista?

Porque é mais um passo dado no sentido de valorizar o produto e o produtor, na expectativa de que essa valorização se distribua por toda a cadeia. Nesta região em particular, a produtividade média por hectare é fantasticamente baixa, e o trabalho manual necessário é rigoroso e muitíssimo alto – razões que tornam a valorização mais urgente. Tomemos como comparação um exemplo familiar: Champagne. Em 2018, o preço médio por garrafa de Champagne era de 16,2€, quando o de Vinho do Porto era apenas de 3,77€. Apesar do rendimento por hectare em Champagne ser quase 4 vezes superior ao do rendimento por hectare no Douro, da irregularidade do terreno duriense tornar o seu granjeio muito mais caro e difícil, e do Champagne não pressupor um longo período de estágio antes de ser comercializado – ainda assim Champagne posiciona-se num preço médio por garrafa superior, com grande margem. E o consumidor está disposto a pagar esse preço. Não conseguiria o Vinho do Porto valorizar-se de igual forma ou ainda mais?

Na verdade, Champagne e Vinho do Porto têm desafios e prioridades semelhantes:

  1. A necessidade de apoiar a criação de valor por parte das Empresas produtoras de Vinho, que asseguram a qualidade dos seus produtos e os comercializam.
  2. Procurar atenuar a apropriação de valor – que consiste na retenção de uma parte do valor em determinado elemento da cadeia, em vez de se distribuir pelos elementos anteriores – através da mediação do preço de venda e procurando unir os principais stakeholders da região: viticultores e produtores (grandes e pequenos).
  3. Explorar a cocriação de valor – processo em que elementos externos às empresas (clientes ou concorrentes) são envolvidos na criação de valor. Estudos indicam que maiores níveis de cocriação estão na origem de uma maior satisfação do consumidor e numa relação de lealdade e proximidade, que permite às marcas aumentar os seus preços.
  4. E por fim o fortalecimento da marca territorial Porto, assente na coopetição entre empresas – uma relação simultaneamente amistosa e competitiva entre concorrentes que seja assumida e planeada. Isto oferece uma vantagem única: a de um posicionamento semelhante no sector, ajudando a compreender os clientes e consumidores dos vários segmentos e a partilhar conhecimentos técnicos e de gestão que impulsionariam a eficiência.

Quando mergulharem no Douro, façam-no com Vinho do Porto. É um bem histórico que temos, com desafios atuais. Seria tão atraente para as novas gerações, se não trouxesse desafios? Eu diria que não. E o caminho da sua dignificação e valorização começa por aqui mesmo.

Isabel Abreu Lima é Gestora de Relações Públicas na Aveleda S.A. e jovem agricultora. Licenciada em Biologia, Mestre em Viticultura e Enologia, trabalhou na produção de vinhos do Douro e da Califórnia, enveredando mais tarde pelo ramo da comunicação e estratégia de marcas. Com uma pós-graduação em Gestão de Marketing, aprofundou a sua experiência nesta área, sempre ligada ao sector dos vinhos. Hoje, para além das Relações Públicas, tem o seu próprio projeto agrícola na região do Douro e ajudou a fundar o Conselho Consultivo dos Jovens Agricultores da CAP. Faz parte do Global Shapers Lisbon Hub desde Junho de 2020.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.