Durante quatro décadas, os sucessivos presidentes do clube conseguiram conciliar responsabilidade financeira com prestígio desportivo e institucional e, com isso, conseguiram que, num país pequeno, o Benfica tivesse uma das maiores massas adeptas da Europa e das mais apaixonadas.

A sua matriz de independência, genuinidade, transparência, verdade, humildade, sentido crítico interno e uma cultura própria de vitória muito forte  atraíram e apaixonaram milhões de portugueses que se reviam e confiavam inteiramente no seu clube.

Num desporto em que se passa a vida a falar de milhões para trás e para a frente, é preciso ter consciência que o valor mais importante para recuperar no Benfica é o valor da sua identidade. Ter contas saudáveis é importante, ter vitórias desportivas é fundamental, mas conseguir tudo isto com transparência e verdade é o que nos fez grandes e diferentes.

No entanto, no Benfica dos últimos anos, os inúmeros casos em tribunal, com o Clube sempre nas capas dos jornais pelas piores razões, o caso da amortização dos empréstimos ao NB no ano do penta, sem reforço da equipa de futebol, tudo muito mal explicado, o chumbo da OPA – sobretudo pela ausência total de explicação aos sócios dos reais motivos -, todo este processo da venda dos 25% supostamente sem conhecimento de ninguém, a sinistra reportagem do presidente do Porto na Luz – feita quase à socapa e sem explicação das razões e do interesse do SLB nessa reportagem -, tudo isto feito nas barbas de uma direção totalmente submissa, inexistente, complacente, com agenda própria, pacientemente à espera da sua vez, sustentada por uma comunicação interna de perpetuação de poder sempre pronta a branquear, a desresponsabilizar e a promover o grande “líder”, torna o Benfica num clube pequeno, minimiza-o, limita-o e envergonha os adeptos que aos poucos se reveem cada vez menos no clube.

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O atual Presidente Rui Costa, após 12 anos como dirigente da SAD e como vice-presidente do clube veio proclamar, em entrevista à TVI muito bem encenada, que a sua gestão ia ser transparente. Após 12 anos a pactuar com uma gestão que foi tudo menos transparente, sem nunca lhe termos conhecido qualquer ação a favor de uma gestão mais transparente, vem agora proclamar transparência.

Mais uma vez, é o departamento de comunicação a fazer aquilo em que se especializou nestes últimos anos:  desresponsabilizar, limpar, passar uma imagem diferente da realidade. Pondo o presidente Rui Costa a proclamar transparência, é desresponsabilizá-lo dessa gestão pouco transparente, de há anos, e pôr a responsabilidade total no ex-presidente detido.

E isto representa o atual Benfica, o que interessa é o “Parecer”, não é o “Ser”. Mas dentro do campo o “Parecer” não serve para nada, só o “Ser” ganha jogos e apaixona adeptos e, por isso, apesar dos enormes investimentos realizados, temos ganho pouco (futebol e modalidades ) e, sobretudo, temos vindo a perder de ano para ano a cultura de vitória que tínhamos fortemente enraizada no clube e que em tempos nos levou longe na Europa do futebol.

Essa cultura tem que ser transmitida e vivida no dia a dia  transversalmente no clube, com verdade e genuinidade e não com filmes a promover o grande “líder” após vitórias europeias, como foi o caso recente do filme realizado após o jogo com o PSV.

As estrelas do Clube têm de voltar a ser os jogadores e não os presidentes. Estão a imaginar um filme nos anos 70 a promover o Borges Coutinho após uma vitória europeia? Eu não estou. As estrelas foram sempre o Eusébio, o Simões, o Toni, o Humberto, o Chalana, o Alves e tantos outros.

E preciso abandonar de vez o culto do grande “líder”, seja ele quem for.

No dia em que tomou posse como Presidente do Benfica, Rui Costa perdeu uma oportunidade única para mostrar mudança e que tinha uma genuína vontade de transparência se tivesse marcado desde logo uma data para as eleições. Mas não marcou e esperou pacientemente pelo resultado da jogo com o PSV. O resto já sabemos …. é o mesmo sistema a funcionar.

Assim, a 15 dias das eleições, não está aprovado o regulamento eleitoral, sabemos que há dois candidatos mas não conhecemos os nomes de nenhuma das listas, nenhum programa foi apresentado aos sócios. Com o pouco tempo que resta, os debates vão, com certeza, ficar reduzidos ao mínimo, as ideias vão ser muito pouco debatidas e as respostas importantes que o Rui Costa deveria dar aos sócios sobre o passado recente vão ser evitadas ao máximo.

A direção fez alguma ilegalidade na marcação a correr das eleições? Não fez.

A direção teve alguma vontade em dar tempo à votação do regulamento eleitoral, à formação de listas, à apresentação de programas e ao debate de ideias? Não, nenhuma.

Maia uma vez, quem fica a perder é a instituição Benfica, não contribuindo em nada para a união dos sócios.

Desportivamente, nos últimos anos, apesar dos altíssimos investimentos na compra de jogadores e com a maior carga salarial do futebol português, conseguimos perder dois campeonatos nacionais para um clube intervencionado e com grandes restrições na compra de jogadores. No último ano fizemos a proeza de ficar a oito pontos de um rival com uma carga salarial 30 milhões de euros mais baixa do que a nossa e com uma equipa feita à base de jovens jogadores portugueses, que acabou por ser campeã.

Ao longo destes anos o diretor desportivo Rui Costa nunca foi responsabilizado por nada, pois o ex-presidente Luís Filipe Vieira não o pretendia naquele lugar para o responsabilizar de nada.  Precisava dele para dar simplesmente a cara e dar-lhe cobertura nas más épocas desportivas, como o fez muitas vezes.

E o diretor desportivo Rui Costa foi deixando que o usassem, talvez pelo emprego bom e seguro que tinha, sem nunca ser chamado à responsabilidade, e pelo simpático salário que auferiu durante anos, ou talvez esperando pacientemente pelo seu tempo e pela sua oportunidade, tantas vezes prometidos pelo ex-presidente, prestes a concretizar-se.

Este foi o ambiente desportivo do Benfica durante anos, com os resultados conhecidos.

Por isso, o atual presidente Rui Costa e ex-diretor desportivo dos últimos 12 anos chega a esta crise institucional e desportiva do Benfica, qual Rainha de Inglaterra, sem responsabilidade de nada e quase como uma vítima.

Esta condição, os bons resultados do início de época, e sobretudo pelo facto de ter sido uma glória do clube dentro das quatro linhas, fá-lo chegar, em vésperas de eleições, como o grande favorito à vitória, sem ninguém perceber muito bem quais as suas reais qualidades como dirigente.

No entanto, agora como presidente, e se for legitimado nas próximas eleições como parece vir a acontecer, todos os assuntos vão-lhe cair em cima – os muito graves e os menos graves, os desportivos e os não desportivos, os inúmeros processos jurídicos, com muitas decisões diárias e difíceis para tomar e com o futebol umas vezes a correr bem e outras vezes a correr mal, com o enorme desgaste inerente à função.

A velha postura de desresponsabilizacão total perante todos os assuntos importantes e de todos os desaires, escudado na sua figura de ex-grande jogador, não vai mais ser possível.

Sempre defendi que as organizações desportivas modernas devem, cada vez mais, ser geridas por pessoas que tenham tido uma forte vivência desportiva, melhor, até, se tiverem sido atletas de topo. Por isso, não tenho qualquer preconceito que um ex-jogador de futebol do clube venha a ser presidente, bem pelo contrário, desde que tenha competência, liderança  caráter e seja enquadrado por uma boa equipa de gestão.

O meu problema é que também sempre fui da opinião que a política desportiva do Benfica, na última década, foi de longe a pior de todas as áreas do clube da era de Luís Filipe Vieira e o Rui Costa está directamente ligado a ela há 12 anos: primeiro como diretor desportivo e depois como administrador da SAD.

Por isso, a avaliação que faço do trabalho do Rui Costa como administrador da SAD é muito negativa, ou por falta de ideias ou por falta de força para impor as suas ideias.

Como Presidente vai precisar, a dobrar, das convicções e da força que nunca demonstrou como administrador da SAD, ou vai correr tudo muito mal.

Por isso, penso que o candidato Rui Costa foi um “invenção” do ex-presidente Luís Filipe Vieira para garantir a sua sobrevivência em épocas desportivas más e que a conjuntura levará a presidente mais cedo do que todos imaginavam, a começar pelo seu inventor, Luís Filipe Vieira.

E é triste, porque o Rui Costa é uma referência futebolística unânime do Benfica e talvez não mereça ter sido e continuar a ser usado.

Ser dirigente de um clube com a grandeza do Benfica é uma honra, mas também é uma grande responsabilidade. Ser dirigente do Benfica não é propriamente pertencer a um grupo de escuteiros. Não basta “estar”, é preciso assumir e tomar posições na defesa permanente do superior interesse do clube e, muitas vezes, contra a opinião do presidente, o que nunca aconteceu, e por isso são todos corresponsáveis do bom e do mau que aconteceu ou venha a acontecer ao Benfica.

Que saudades do Rui Costa genial e genuíno em vez do Rui encenado do teleponto.

A pressão dos grandes clubes da Europa para criar uma super-competição europeia, em substituição do atual formato da Liga do Campeões, com menor número de equipas, é uma realidade, que, embora pessoalmente não concorde com ela, poderá acontecer.

Se fosse hoje, com o nosso pobre 26º lugar no ranking da UEFA, fruto das péssimas participações europeias dos últimos anos, estaríamos com certeza de fora, com todas as consequências gravíssimas para o nosso futuro desportivo como grande clube.

Na minha opinião, o grande e difícil desafio do Benfica para os próximos anos é encontrar condições financeiras e desportivas que nos faça aproximar dos grandes palcos europeus, de uma forma consistente, para não perdermos o comboio dos grandes projetos europeus e reencontrarmos o nosso ADN de prestígio europeu.

Em primeiro lugar, é recuperar a nossa cultura de clube, a nossa identidade, e com ela a mística que nos levou a muitas vitórias europeias importantes, mesmo com recursos inferiores. E isto faz-se com outro perfil de pessoas a dirigir o clube, enterrando de vez o culto do grande “líder” e voltando a valorizar as bases que foram sempre o veículo da transmissão da mística no clube.

Uma forte Cultura de Vitória ganha jogos que o dinheiro, só por si, não ganha.

Em segundo lugar, é preciso transformar a SAD de empresa lucrativa porque vende jogadores, em empresa lucrativa que financia a manutenção dos melhores jogadores da casa, permitindo, desta forma, colocar o Benfica no patamar das melhores equipas da Liga dos Campeões.

E fazê-lo é rentabilizar o maior ativo do clube que é o seu nome e a sua marca, de expressão mundial, fruto de sete finais da Liga dos Campeões, cinco numa década, e de ter tido um bola de ouro a jogar com a sua gloriosa camisola. Mas tudo isto deve ser feito com transparência, com objetivos e planos claros e em nome do projeto desportivo do clube.

Há uma ânsia evidente de democracia e transparência nos sócios do clube, sobretudo nos mais jovens, que não pode ser descurada.

Não acredito que, se se mantiverem as mesmas pessoas, se faça qualquer negócio no âmbito da SAD sem que se levantem legítimas suspeições e resistências e que no final podem prejudicar o clube.

Em terceiro lugar, é preciso ter ideias claras e consistentes sobre a política desportiva, que nunca tivemos na última década, em que, aliás, houve mesmo uma deriva estratégica.

O dinheiro só serve para alguma coisa se for bem gasto. Se assim não for, nunca será suficiente. Isto faz-se com direções independentes, coesas, competentes, que venham para servir, sem agendas próprias, com sentido crítico, com conhecimento do fenómeno desportivo e que venham para fazer uma mudança de ciclo e de paradigma necessária ao Clube.

Apesar do vice mais ligado a Luís Filipe Vieira ficar como muito provável novo presidente, a renúncia recente de dois vice-presidentes traz dignidade ao clube e a eles próprios, abre espaço a gente nova e vai permitir respirar um novo ar no clube, o que é positivo.

A 15 dias das eleições, sem se conhecerem listas nem programas, nem ideias, nem desígnios, os sócios preparam-se para passar um cheque em branco a Rui Costa assente no prestígio que granjeou não com dirigente, mas como jogador de topo. E também numa ânsia de vivência mais benfiquista, da qual os sócios em geral estão muito carentes após os anos cinzentos do vieirismo.

Será suficiente para enfrentar os enormes desafios que se exige a um clube da dimensão do Benfica? Não me parece, mas só o futuro o dirá.

Apesar da coragem de Francisco Benitez, do movimento “Servir o Benfica”, em apresentar-se a eleições e da sua coerência na luta pela transparência, a oposição não fica bem na fotografia, pois a desistência, que se respeita mas incompreensivelmente tardia, de Noronha Lopes, principal figura da oposição, vem empobrecer muito o debate de ideias e as eleições. E talvez tenha impedido que uma candidatura alternativa e unificadora se organizasse e se preparasse com tempo para apresentar um caminho e um projeto diferentes aos muitos benfiquistas que não se reveem neste Benfica desportivamente de consumo nacional, sustentado no “parecer” e na opacidade.

O futuro dirá se teremos um novo Benfica ou um Benfica adiado.