Na ressaca de mais uma época pobre em títulos convém reflectir. Nas últimas cinco épocas, dos 20 títulos nacionais em disputa, o SLB ganhou três (os mesmos que o SCBraga).

Será que a maioria dos sócios do Benfica, no meio do seu fervor clubístico, têm consciência desta triste realidade? Isto são factos não são opiniões. E é a partir dos factos que temos que reflectir para tentar mudar o futuro.

Será que tem havido falta de Investimento nos Planteis do SLB? Não.

Será que estamos a pagar baixos salários aos nossos profissionais versus os nossos concorrentes directos? Não, temos a maior carga salarial dos três grandes.

Será que a nossa Academia não tem fornecido suficientes talentos à equipa sénior? Não.

Será que não temos condições de trabalho para os nossos profissionais se prepararem? Não.

Será que as nossas equipas tem falta de apoio dos associados. Não, bem pelo contrário.

Então qual é o problema? O problema é que temos um problema “política desportiva” entre portas, há anos, que nos impede de ganhar mais.

1 Todos os anos somos o Clube que mais compra em quantidade e em valor mas que simultaneamente inicia as épocas com os planteis mais desequilibrados, com lacunas óbvias em lugares chave. Nunca fechamos os planteis.

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E a principal razão porque os não fechamos é que a nossa política de compras tem sempre um maior foco em acumular jogadores jovens, independentemente da sua posição e do seu perfil e em que o principal critério é que tenham potencial para virem a ser a nossa próxima grande venda milionária.

Para segundo plano na nossa política de aquisições fica o equilíbrio do plantel com aquisições cirúrgicas, com perfis bem definidos de acordo com o plano táctico do treinador.

Por essa razão, e repetidamente, temos construídos planteis nos últimos anos, com excesso de jogadores em determinadas posições e carências de jogadores noutras posições, a obrigar-nos a adaptações ineficientes e inaceitáveis para um Clube que joga ao nível de uma Liga dos Campeões.

No fundo temos o modelo económico a sobrepor-se ao modelo desportivo. Por isso somos o campeão das vendas mas cada vez menos o campeão dos títulos.

Mais uma vez esta época, no mercado de inverno, compramos 4 jovens jogadores, em que só um joga a espaços, e não corrigimos o plantel com jogadores maduros para atacar o título com tudo o que restava da época. Os jovens precisam do tempo que o Benfica não tem.

Pelo País e o Campeonato onde estamos inseridos seremos sempre um Clube vendedor de jogadores mas a prioridade primeira deverá ser sempre fechar e equilibrar os planteis para atacar os títulos desde o dia 1 e conquistá-los. Mais uma vez não foi o caso, a história repete-se.

2 Não identifico actualmente uma Cultura ganhadora no Clube, que era uma das nossas imagens de marca.

Ganhar e perder faz parte da vida mas perder sem luta, sem atitude, não é admissível num Clube com a nossa história. Transformámo-nos num clube burguês que vive acima das suas possibilidades e oferece condições faraónicas aos seus dirigentes, técnicos e jogadores e os mais altos salários pagos no desporto em Portugal. Mas estas super condições não são correspondidas em termos de superação dentro do campo.

Necessitamos de uma cultura de muito maior exigência mas essa cultura de maior exigência exige também muito mais liderança.

O dinheiro é importante para se conseguir boas condições de trabalho, bons técnicos e bons jogadores mas é uma Cultura ganhadora, o respeito pela nossa identidade e uma cultura de muito maior exigência é que nos trará de volta aos títulos de uma forma consistente. E isso não se compra, cultiva-se, promove-se e passa-se de geração para geração.

Mas a nossa Cultura actual é formar, promover e vender milionariamente, embora com rentabilidades duvidosas. Toda a estrutura trabalha e está focada nesse fim.

3 A comunicação oficial do Clube é muito branda, muito defensiva, não sentimos diariamente uma defesa firme e intransigente do Clube, qualquer um diz o que quer e faz o quer do Benfica com o sentido de prejudicar ou o condicionar e fica sempre em resposta. Não há respeito pelo Clube.

Isto passa uma imagem de fragilidade interna que contagia e amolece as equipas de competição. Um Clube com uma história “magnânima” mas com uma comunicação frouxa e “fofinha”.

4 A escolha do treinador é a decisão mais importante de qualquer estrutura profissional de futebol. Uma escolha com o perfil errado compromete a melhor estratégia. Esta época, com um plantel de qualidade, embora como sempre desequilibrado, tínhamos a obrigação de fazer mais e melhor.

Roger Schmidt tem uma proposta de jogo interessante, que já deu bons resultados no Benfica, mas a sua enorme teimosia e inflexibilidade limita-o como profissional, insistindo em viver em negação, numa realidade paralela, recusando a ver o que toda a gente via, há muito tempo, e que nos levou aos resultados que levou.

Um líder sem bom senso pode levar a resultados catastróficos e este foi o caso.

5 Trabalhamos com um nível de custos gerais muito elevado, e cada vez maior, que nos cria uma urgência muito grande em vender, o dinheiro nunca chega. Temos tido gerações de extraordinários talentos formados em casa que saem prematuramente deixando muitos poucos títulos no Clube.

António Silva e João Neves são mais dois exemplos de dois extraordinários jogadores formados na Academia, com qualidade, carisma e benfiquismo, que muito provavelmente vão cumprir brevemente o seu desígnio, vítimas do modelo, rendendo uns milhões à tesouraria do Clube, simplesmente para pagar as contas, deixando poucos títulos na sua história.

É um modelo que não faz sentido.

Basicamente temos um modelo que nos permite ir cumprindo com os compromissos (salários, bancos, comissionistas e fornecedores), viver com um passivo altíssimo e sem capacidade para o baixar, alimentar um largo e cada vez maior ecletismo mas sobretudo, e mais grave de tudo, é um modelo que não tem gerado resultados desportivos de uma forma consistente, que são a essência do Clube.

Mas será que tem de ser assim ?

Não, não tem, mas vai continuar a ser enquanto não questionarmos o modelo, não implantarmos uma cultura de muito maior exigência e continuarmos numa fuga para a frente a atirar dinheiro para cima dos problemas pondo cada vez mais em causa a nossa sustentabilidade e competitividade futura.

O Capitão Otamendi, em poucos minutos e em poucas palavras, após o jogo com o Famalicão, resumiu muito bem a época do Benfica, significa que nem toda a gente anda a dormir no Clube e há quem perceba onde estão os problemas, mas a mudança terá de vir de cima ou nada irá acontecer de diferente no futuro próximo e continuará a ser um Benfica adiado.