A Ministra da Saúde justificou o fim das taxas moderadoras como uma forma de “ultrapassar as barreiras financeiras, culturais, sociais e económicas de quem reside em Portugal”.

Como tive a oportunidade de escrever recentemente, a existência de um elevado número de doentes isentos e de circunstâncias que motivam uma dispensa de pagamento, torna a existência de taxas moderadoras uma falsa barreira para quem precisa de aceder aos cuidados de saúde em Portugal.

Quais são então as principais barreiras financeiras e económicas que impedem que os residentes em Portugal acedam aos cuidados de saúde? O financiamento da saúde ajuda-nos a dar essa resposta.

O financiamento da saúde é feito por duas vias: pelo financiamento público e pelo financiamento privado. De uma forma simples, o financiamento público provém do Orçamento de Estado, a partir dos impostos; o financiamento privado é o resultado dos pagamentos das famílias, dos seguros de saúde e de outras fontes de financiamento, como instituições sem fins lucrativos.

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As contribuições das famílias representam a maior percentagem do financiamento privado e são dirigidas a despesas com medicamentos, saúde oral, consultas e exames de diagnóstico no setor privado e nas já referidas taxas moderadoras. Estes pagamentos atingiram em 2020 o valor de 26% da despesa total em saúde, o que representa mais de 5 mil milhões de euros.

O gráfico permite compreender que este é um dos valores mais baixos desde 2011, reforçado quer pelo aumento da despesa da administração pública em 2020, quer por um menor gasto dos cidadãos.

https://www.pordata.pt/Portugal/Despesa+corrente+em+cuidados+de+sa%c3%bade+total+e+por+tipo+de+prestador-2958

Mas será a situação portuguesa diferente da dos restantes países da União Europeia (UE)?

Entre os 27 países da UE, Portugal é o oitavo país onde a contribuição das famílias é maior. O gráfico permite compreender que, face àquilo que é a despesa total em saúde, as famílias residentes em Portugal são das que apresentam um maior encargo, apenas ultrapassadas pela maioria dos países do Leste.

https://data.oecd.org/healthres/health-spending.htm

Esta é, sem dúvida, uma das grandes barreiras que os portugueses enfrentam perante o sistema de saúde e, como se observa, a tendência não é recente.

Diversos motivos – políticos, económicos e sociais – podem justificar este aumento das contribuições das famílias. Um, em particular, diz respeito à dificuldade que os portugueses têm em aceder aos cuidados de saúde no SNS – evidente no elevado tempo das listas de espera para consulta ou para cirurgia – o que motiva os cidadãos a procurarem formas alternativas.

Tal torna-se evidente quando se analisa a evolução do número de utentes com subsistemas de saúde (por exemplo ADSE ou SAMS) ou com seguro de saúde. Atualmente, estima-se que sejam mais de 5 milhões.

Este valor tem aumentado ano após ano, em muito devido ao maior número de beneficiários de seguros de saúde. Os dados mais recentes apontam para que este número tenha aumentado em 90% nos últimos 16 anos, representando hoje mais de 3 milhões. Só desde 2015, o número aumentou em 1 milhão.

Estando à disposição de metade da população portuguesa o acesso aos cuidados de saúde privados, corremos o risco de ter um país com duas velocidades. Isto é, um país com dois sistemas de saúde: um Serviço Nacional de Saúde, solução de recurso para os cidadãos com menos possibilidades económicas; e um sistema privado, para aqueles cujo rendimento disponível permite pagar pelo seu subsistema/seguro de saúde e no momento de acesso aos cuidados.

A crescente procura dos portugueses por cuidados de saúde privados incentiva estes prestadores a captar mais profissionais. Sendo os recursos limitados, esta situação acelera a degradação do SNS e limita a capacidade de prestação de cuidados no sistema público. Tal traduz-se numa sobrecarga de trabalho sobre os profissionais do SNS que vão resistindo e dificulta a contratação, retenção e motivação de outros tantos profissionais.

Esta situação apenas não é mais grave porque muitos acreditam que a defesa do serviço público de saúde se faz com a sua presença; outros, porque não encontram no setor privado as oportunidades suficientes que a procura o exige.

Enquanto isto, aqueles que podem aceder ao setor privado contribuem triplamente para a despesa em saúde: i) no momento de financiamento do orçamento de estado através dos seus impostos, ii) nas contribuições para a ADSE (ou outro subsistema de saúde) ou na aquisição de seguros de saúde privados e iii) no pagamento das taxas moderadoras nos cuidados de saúde públicos ou das comparticipações nos cuidados privados.

Se dúvidas houvesse, os últimos anos têm demonstrado a importância do SNS para os portugueses. Não apenas na resposta a uma pandemia, mas, também, nos momentos de maior aflição, seja por uma necessidade de cuidados mais diferenciados, mais onerosos ou urgentes.

Por tudo isto, torna-se imperativo direcionar esforços para controlar o peso elevado das contribuições das famílias nas despesas em saúde, enquanto se aumenta a capacidade de resposta do serviço público de saúde. Só assim estaremos a cuidar do SNS, para que este cuide de nós.