Em 1909, um conhecido político português, na mesma linha do que já tinham constatado antes Eça e Antero de Quental, escreveu na imprensa: «Mas nós somos o país das reformas e estamos cada vez pior! É certo, e não admiramos isso, se considerarmos que a reforma de hoje é essencialmente pior do que a que vigorava ontem. Tudo se tem reformado, menos aquilo que na realidade o devia ser primeiro – os homens.»
E, em 1912, o mesmo político identificou perfeitamente a razão por que o homem português era irreformável, por mais reformas que fossem levadas a cabo: «Uma das maiores crises do País, meus senhores, é na verdade a crise do funcionalismo, a fome do emprego público. (…) O português vê o máximo de felicidade na segurança dos cargos remunerados pelo Estado. (…) O Estado é o pai carinhoso em cujo braço potente se apoia: ele nunca soube andar sozinho. A pressão exercida neste sentido é tal que parece que já se não procuram homens para bem se desempenharem os empregos; mas criam-se empregos para bem se servirem os homens.»
Este conhecido político teve uma oportunidade única de reformar o homem português, fazendo com que deixasse de ver no Estado “o pai carinhoso em cujo braço potente se apoia” e aprendesse a andar sozinho. Com efeito, durante 40 anos, ou seja, durante três gerações, este conhecido político português governou Portugal em ditadura e com braço de ferro.
Acontece que, findos os 48 anos de ditadura e após 47 anos de democracia, Portugal continua a ser o país das reformas, em que a reforma de hoje é essencialmente pior do que a vigorava ontem e onde tudo se reforma menos os homens, por mais reformas que se façam na Educação e na Justiça. E, como se não bastasse a evidência do insucesso das sucessivas reformas levadas a cabo, em todas as áreas, durante os últimos 40 anos, quer políticos, quer comentadores televisivos, quer facebookianos continuam a fazer apelo ao espírito reformador para Portugal crescer e não continuar na cauda da Europa, afastando-se cada vez mais dos países da UE.
No entanto, todas as reformas estruturais levadas a cabo até hoje, assim como as que se anunciam, como é o caso da Regionalização, não visam reformar nada, mas apenas matar a fome do emprego público.
Hoje praticamente todos os portugueses ou vivem à conta do Estado (funcionários públicos, pensionistas, desempregados, beneficiários do rendimento mínimo) ou dependem do Estado (começando nos Bombeiros Voluntários e acabando nos clubes de futebol, passando por todo o tipo de colectividades, comunicação social nacional, regional e local, pequenas e médias empresas e, inclusive, profissões liberais, como os advogados, onde o apoio judiciário já tem um peso decisivo no bolso da maioria).
Para Portugal levar a cabo reformas capazes de o aproximar dos países da UE, o Estado tinha de deixar de ser o pai carinhoso em cujo braço potente os dez milhões de portugueses se apoiam, o que significa que uma grande maioria dos portugueses teria de aprender a andar sozinho. Ora, essa é uma reforma impossível de levar a cabo num país onde os portugueses vêem “o máximo de felicidade na segurança dos cargos remunerados pelo Estado”.
E, como nas democracias, os deputados são os representantes do povo soberano, os Governos fazem precisamente aquilo que é a aspiração máxima do povo que os elegeu: criar empregos públicos para bem servir os seus eleitores.