Temos assistido, nestes últimos tempos, a inúmeras situações de desgoverno ou até àquilo a que se poderia chamar agoverno: a ausência de governo.
Vemos sucessivamente notícias de situações calamitosas no país, de situações inqualificáveis nos serviços públicos e sociais, de situações inaceitáveis de compadrio, chegando a ter sido expressa uma relação directa entre o apoio ao Partido Socialista e aplicação (ou não da aplicação) de dinheiros públicos.
Vemos os ministérios em auto-gestão, cada ministro a falar por si e pelos actos sob a sua tutela, e, dia após dia, a cometerem erros de palmatória tão graves e óbvios que a mera exaltação da opinião pública os força a alterar decisões e até, de forma pouco digna, a publicamente se justificarem e desculparem.
Todos os problemas estruturais do país continuam a ser qualificados como “lições” com que os ministérios devem aprender ou problemas antigos que precisam agora (após 7 anos de governo) de novas comissões de estudo e análise para encontrar formas para a sua solução.
Entretanto, a mortalidade aumenta diariamente, o país arde de Norte a Sul e de Este a Oeste, as urgências fecham por não haver médicos ou enfermeiros especialistas, as escolas contratam licenciados sem formação pedagógica por não haver professores suficientes, os transportes estão intransitáveis, as finanças públicas vivem duma carga fiscal insustentável sobre as empresas e as famílias e de brincadeirinhas contabilísticas, a economia a colocar-nos cada vez mais na cauda da Europa.
A culpa de tudo é da pandemia, das alterações climáticas e, no limite, dos portugueses que não são dignos das maravilhas que nos trazem estes ministros da nova maioria absoluta do PS.
Entretanto, perguntamo-nos todos a cada situação que aparece na comunicação social: o que tem a dizer sobre isto o primeiro-ministro?
Regra geral o que vemos é que o primeiro-ministro nada tem a dizer, pela simples razão de que, em cada uma destas situações em que o país questiona o governo, aquele apenas remete para o ministro da tutela, que aparentemente será livre, independente e responsável para fazer as suas próprias asneiras.
Vemos António Costa deixar o seu governo em auto-gestão. Deixar todas as decisões e correspondentes responsabilidades aos ministros por si escolhidos. Colocar-se à margem de todas as polémicas que envolvam ministros do seu Governo, como se este não fosse uma entidade una, mas apenas um somatório de organismos independentes com lideres próprios e soberanos.
Ora, não é assim que funciona a nossa democracia. Nos termos da nossa Constituição, o líder do partido que vence as eleições legislativas é convidado pelo Presidente da República a formar governo, não tendo sequer os escolhidos ministros de ter sido eleitos para a mencionada assembleia. Assim, existe sempre um único responsável pela governação: o líder do partido vencedor das eleições, ou seja, no presente caso, António Costa.
Mas este não parece achar que deve responder pelo que quer que seja que se passa no seu governo. E o nosso Presidente da República – ilustre constitucionalista – parece viver bem com essa desresponsabilização.
Será isto incompetência de António Costa? Ao fim de sete anos de governo, não parece verosímil. Será algum tipo de alienação ou incompreensão do seu papel enquanto primeiro-ministro? Ao fim de 7 anos de governação seria estranha tal falta de noção.
Correndo o risco de ser acusada de demasiado cinismo, ou até de elaborar em teorias conspirativas, aquilo que vejo em António Costa é o estratega que sempre revelou ser, ao ponto de ter, com uma geringonça que custou caro ao país e aos seus parceiros, ter conseguido arrebatar o governo a Passos Coelho, que em coligação com o CDS venceu as eleições de 2015.
Não é novidade que António Costa tinha, à data destas última eleições, como ambição pessoal a passagem da política nacional para a política europeia, quando das vindouras eleições europeias que terão lugar em 2024. Não é também novidade que Marcelo Rebelo de Sousa expressou publicamente que a formação de governo resultante das eleições legislativas de 2022 impunha uma solução para 4 anos, o que indispôs e desagradou profundamente a António Costa, face às ambições pessoais que acabámos de referir.
Perante tudo isto, aquilo que vemos é António Costa a pôr em prática um plano: alheando-se de polémicas e questões respeitantes ao seu Governo e aos ministros por si escolhidos, como se nada lhe fosse imputável, obliterando os seus potenciais opositores internos no Partido ou abandonando no campo de batalha os seus eventuais sucessores.
António Costa larga o país que devia governar ao deus-dará, numa política de terra queimada que poderá permitir-lhe fazer cair o seu próprio governo antes, que a contestação e o estado do país se torne insustentável, antes de uma próxima bancarrota que se adivinha vir galopante em nossa direcção e, acima de tudo, sempre a tempo de poder prosseguir intocado, imaculado de responsabilidades sobre o estado em que deixa o país, para as suas ambições europeias e internacionais.
Estarei eu – mulher de pouca fé – a laborar em erro, e injustamente a acusar o nosso primeiro-ministro de animal político por excelência, estratega superior da sua carreira e – quiçá – de alguma falta de preocupação com o país e com os portugueses? É possível, mas vendo o que foi conseguindo até hoje, de formas bizarras, legais mas nunca antes vistas, e lembrando-me de que o próprio foi em tempos o número dois do Governo Sócrates, de que sabemos o que sabemos… é o que me salta à vista e o que não consigo afastar da mente, daqui, do meu sofá.