Antes das eleições do passado Domingo, analisados os programas dos diversos partidos da Direita – a esquerda não é sequer para mim uma opção, por entendê-la alheada da realidade da natureza humana e, por essa razão, ter falhado em todas as situações em que se pretendeu pô-la em prática – verifico que nenhum deles colhe na sua plenitude a minha visão de sociedade, o meu ideal e as minhas opiniões sobre diversas questões concretas.
Estou, aliás, totalmente convicta de que uma relevante maioria das pessoas que leram os programas dos partidos se não revê a cem por cento em qualquer um deles.

E é aqui que aparece a necessidade de fazer opções, que são impostas particularmente nos chamados “temas fracturantes”. Temas em que, de facto, a maioria de nós tem um milhão de dúvidas, mas em que as pessoas se guiam por soundbites e posições de um mundo a preto e branco.

Nesta situação encontram-se alguns temas cuja posição polarizada de alguns partidos me perturba pela sua vacuidade e preocupa pelo que arrastarão para o futuro.

Desde logo a Eutanásia.

Ser a favor ou ser contra? Todos somos contra a eutanásia, ao acto médico de por termo à vida de alguém a seu pedido! Mas seremos todos por toda a vida? Poderemos todos garantir que nunca chegará eventualmente o dia em nos vejamos a desejá-la de forma consciente e racional?

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Aquilo que cumpre definir é se somos contra ou a favor da sua legalização e é aqui que os partidos de direita não deram, quanto a mim, a devida resposta. Devemos simplesmente aceitar uma qualquer lei mal engendrada que a legalize, ainda que acabe por permitir um sem número de situações que não se incluem no seu espírito mas cabem na sua letra? Ou devemos pelo contrário e de forma inflexível declararmo-nos contra, em qualquer circunstância ou condições?

Não deveremos antes ser contra esta lei de legalização da eutanásia a toda a força e aguardar até que apareça uma lei que a despenalize para situações em que, para a pessoa que a pede, nenhuma outra alternativa de morte digna ou vida humana seja possível?

Esta é a posição que nenhum partido ousou assumir, ficando-se pelo contra ou a favor, como se não fossemos todos contra e, em circunstâncias específicas e limite, não possamos em consciência deixar de ser todos a favor.

A legalização da prostituição.

Podemos ser a favor ou ser contra, mas para que tal possa ser eventualmente equacionado é preciso, antes de mais, ir à fonte e à origem do que leva homens e mulheres a recorrer à dita “mais velha profissão do Mundo”. É preciso olhar para esta questão com olhos de ver e pensamento humano e racional. É fundamental ter presente o princípio inviolável da dignidade da pessoa humana e, perante este, fazer opções. Legalizar em toda a linha ou proibir sem mais nem porquê é seguir os caminhos mais fáceis. O mais difícil, mas quanto a mim fundamental, é ir à origem das situações e tirar desse vazio moral todos os que seja possível. É preciso evitar que essa venha a ser a única solução para a subsistência de muitos. É preciso ter meios bem estruturados e alternativas devidamente asseguradas para a prevenção e acompanhamento de todos os que para aí seguem. Só depois, em consciência, se pode procurar as formas de proteger as pessoas que aí permanecerem. Porque a verdade é que, se esta é a mais velha profissão do mundo, não me parece que seja a nossa geração que vá conseguir pôr-lhe fim.

E há ainda a questão do RSI.

Deve ser simplesmente eliminado? Deve manter-se como está permitindo um sem número de fraudes e abusos? Estarão estas situações de abuso ligadas umbilicalmente a uma ou duas etnias em concreto?

Parece-me claro que num mundo como o nosso, com os nossos princípios cristãos e humanistas, ninguém deve viver sem um mínimo básico de existência. Também ficou mais do que provado que o valor que é pago é muito baixo e que não tem qualquer impacto relevante na despesa pública. Pelo que as razões para a sua manutenção se apresentam claramente superiores às razões para a sua eliminação.

Resta a questão das situações de abuso e de fraude. Estas têm impreterivelmente de ser combatidas de forma implacável, caso a caso, porta a porta, com uma fiscalização competente, intensa e eficaz e com sanções exemplares para todos os prevaricadores. E todos são todos, independentemente da cor, raça, etnia, religião ou credo do beneficiário.

Vivemos num Estado de Direto e todos somos iguais perante a lei: todos temos de a cumprir e fazer cumprir e quando não o fazemos todos por igual devemos sofrer as consequências aí previstas para as nossas faltas. Estigmatizar ou centrar em determinada ou determinadas etnias as situações de fraude e utilização indevidas de um qualquer beneficio social não cabe num Estado de Direito e abre portas perigosíssimas que só quem esteja toldado pela fúria contra “o sistema” (seja lá isso o que for) não consegue ver.

Os agravamentos das penas para crimes específicos foram também questões “fracturantes” e muito faladas. São questões que apelam aos piores sentimentos do ser humano, nomeadamente o ódio e a vingança. São questões que, da forma radical em que sempre são colocadas, deixam de fora sentidos de justiça, de humanidade, sem esquecer a noção de que a justiça é aplicada por Homens o que nunca pode excluir a possibilidade de erros de julgamento.

É verdade que a pena tem um objectivo de punição, mas também o de prevenção e de dissuasão de situações futuras. Mas, sejamos sensatos, será que 25 anos de encarceramento, sem privacidade, com horas marcadas diariamente para tudo, até para vir ver o céu, serve tais propósitos? A vingança por parte dos familiares das vitimas, ainda que possa ser compreensível do ponto de vista humano, não pode ser, de um ponto de vista humanista, a base de qualquer medida de pena, da possibilidade de condenação a medidas irreversíveis, ou fisicamente incapacitantes. Mas, por outro lado, talvez também, em situações especificas de reincidência, ausência de arrependimento, ausência de noção da gravidade ou consequências dos seus actos, devesse pensar-se noutro tipo de limites, noutro tipo de execução de penas, noutras sanções acessórias. Mas sempre sem deixar de ter em conta que o condenado é também uma pessoa e não pode deixar de ser tratado dentro dos limites da sua dignidade, pelo que não se pode conceber a existência de penas físicas, incapacitantes ou irreversíveis.

Mas o problema desta campanha eleitoral e que, sem grandes dúvidas, foi para mim uma das razões de muitos dos resultados surpreendentes a que assistimos no Domingo foi que, além destes ruidosos temas, outros houve que pouco ou nada foram falados, talvez por serem menos fracturantes, por serem menos apelativos, ou menos criadores dos ditos soundbites. Pouco ou nada se falou dos idosos que vivem no limiar da pobreza e têm de escolher entre pagar medicamentos ou fazer uma alimentação equilibrada. Todos sabemos que existem. Todos achamos que se trata de uma situação inadmissível. Ninguém se quis debruçar sobre isso durante a campanha.

Não se falou das pessoas com deficiência e da ausência de apoios e estruturas tendencialmente públicas, para delas fazer pessoas completas e úteis e tanto quanto possível auto suficientes, para que possam realizar-se e ser felizes sem terem de depender dos pais, dos irmãos ou mais tarde dos sobrinhos para deles cuidarem, com escassos ou nenhuns apoios e forçando-os, as mais das vezes, a abdicar das suas carreiras, profissões e vidas activas, ou que, não tendo quem de si cuide, vivem abandonadas em instituições caridosas.

Não se falou das nossas crianças, da sua formação e educação para uma cidadania que vá além das questões do género e lhes ensine economia, política, regras sociais e cívicas, moral e respeito pelos outros. Das crianças abandonadas ou sozinhas, entregues a sistemas de acolhimento que as abandonam ou vivem do bom coração ou boa vontade dos que delas tratam, até que chegam à idade adulta, têm de sair do tal sistema e caem na rua, na indigência e na miséria, porque não há mais respostas para elas.

Da corrupção e das despesas públicas, do destinos dos nossos impostos e dos investimentos públicos erráticos e inconsequentes.

O mercado ou a política dos culpados de todos os males não dão resposta a estas pessoas ou a tantas outras em situações similares. Sem capacidades de criar riqueza para seu sustento e sem um apoio de um Estado que os devia proteger e acolher.

A estas pessoas só uma verdadeira democracia cristã poderia dar resposta! É que, antes de liberalizar, tem de tratar-se da prevenção, analisar-se as causas e as consequências, evitar-se a existência de vidas sub-humanas ou até desumanas.

Antes de criminalizar, hostilizar, discriminar, tem de verificar-se objectivamente as situações concretas, sempre sob a perspectiva de que todos somos portugueses, iguais perante a lei e que o nosso país foi precursor da globalização e da declaração de igualdade de todos sob um mesmo Estado.

Sou CDS desde pequenina. Podia dizer-se que sou CDS como sou do Porto. É o meu clube.
Mas não é isso: em várias circunstâncias específicas votei noutras forças políticas – aqui pecador me confesso.

Acredito no liberalismo económico, defendo sempre a educação económica e política como parte do ensino obrigatório. Mas não consigo imaginar o nosso país sem uma Democracia Cristã, humanista, que se bata por todos os que precisam de apoio, que os faça ser protegidos e cuidados e não os deixe abandonados e vulneráveis às promessas dos partidos das extremas que lhes prometerão o que não lhes poderão nunca dar. Porque o país ainda não está preparado para o liberalismo e não merece o populismo que nos tentam atirar para os olhos.