Confesso que me começa a cansar esta narrativa de que a culpa de todos os males do país é dos Portugueses!

Os Portugueses andam sem máscara, os Portugueses não respeitam o distanciamento social, os Portugueses são irresponsáveis, os Portugueses não se importam com o que se está a passar nos hospitais, os Portugueses não respeitam o confinamento, os Portugueses não ficam em casa, os Portugueses não cumprem regras! É vê-los aos montes a passear no paredão de Cascais ou nas marginais do Porto e Matosinhos! E no primeiro dia de “confinamento”? O trânsito estava um inferno; ninguém ficou em casa: era vê-los a andar de carro para um lado e para o outro! A culpa disto tudo é dos Portugueses! Deixaram de ter medo, estão fartos disto, não percebem a gravidade da situação!

Com um Governo que tapa buracos, que governa para as eleições ou as sondagens e que demonstra desde início uma incapacidade de planeamento e de organização inenarráveis… ainda assim a culpa é dos Portugueses!

E é verdade que, em muitos casos, os Portugueses não têm ajudado. Mas nesta guerra os Portugueses em geral são só soldados. E ninguém se pergunta onde estão os generais!

E essa é a pergunta de um milhão de dólares. Se isto é uma guerra (que é), quem é que está a planear a estratégia para a vencermos? Quem está a dar ordens aos soldados, quem os motiva a combater, quem os organiza, os distingue e os pune nos incumprimentos? Onde estão os nossos generais?

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Porque não aparece a polícia nos locais onde andam “dezenas de Portugueses sem máscara” para aplicar as multas que o Governo reforçou a partir de 6ª feira? Porque está a polícia nas fronteiras entre concelhos quando agora somos livres de as atravessar? E porque deixa passar pessoas de Gaia para o Porto para comprar “bens essenciais” (que aparentemente não existirão no hipermercado Jumbo, junto ao qual se fazia a dita operação Stop), mas não deixa passar outros de Lisboa para a Costa da Caparica para fazer surf (previsto como exceção ao confinamento, sem restrição a locais)? Porque não andam polícias na rua a afastar ajuntamentos ou a mandar pessoas para casa ou a multar quem quebra as regras?

De cima da nossa burra, de quem tem a felicidade de ter acesso a informação privilegiada (as mais das vezes estrangeira), bem pensada e muito elucidativa acerca de inúmeras questões, de quem tem formação na área ou tem profissionais de saúde amigos ou familiares que nos ajudam a perceber um sem número de informações e desinformações, criticamos os que não têm e que deviam ter um Governo, uma DGS, uma ARS, que o fizesse!

Alguém do nosso Governo explicou, “como se fôssemos todos muito burros”, o que implicava para todos a situação dos hospitais? Que, a continuar assim, se tivéssemos um acidente de mota ou um AVC não íamos ter camas ou médicos para nos salvar? Alguém das autoridades de saúde explicou, “como se fôssemos todos muito burros”, que a nova estirpe, apesar de não ser mais mortal, parecia ser mais grave em infetados mais jovens e que, por ser mais contagiosa, levava necessariamente a um aumento correlativo de casos graves e ia sobrecarregar mais os hospitais? Alguém esclareceu o que são comorbilidades, quais são exactamente as pessoas de maior risco e porquê ou a diferença entre morrer com Covid ou por Covid? Alguém fez, sequer, alguma coisa para preparar esse impacto? Alguém disse que os doentes com Covid que chegam a estados mais graves, se sobreviverem, podem ficar com sequelas permanentes? Alguém explicou quanto tempo, em média, um doente de UCI fica internado no hospital e o que isso significa para os novos casos?

Alguém, em algum momento, multou a sério quem passava entre concelhos quando era proibido? Alguém multou a sério quem andava sem máscara?

Aprendi na faculdade que as sanções têm, entre outros fins, o de prevenir comportamentos. Mas, se esse comportamento nunca é, efectivamente, sancionado, deixa de haver prevenção. Com tantos juristas no Governo não haverá um que tenha aprendido o mesmo que eu?

A realidade é que tudo isto não passa de mais uma habilidade do Governo. O povo quer-se ignorante, o povo quer-se desinformado, o povo quer-se, acima de tudo, manipulável!

E não me digam que estou a menorizar os Portugueses, porque, na realidade, são os que querem que se diga e pense que a culpa é nossa, quem nos menoriza a todos.

Não temos generais, temos manipuladores: de informação, de reações, de pensamentos e expectativas, de pessoas!

Andamos a brincar aos confinamentos. Confinamentos que prevêem tantas excepções, que pouca é a população activa que não tem obrigatoriamente de sair de casa todos os dias.

Todos sabemos, e o Governo mais do que ninguém, o povo que somos. Este confinamento de brincadeira só serviu precisamente os propósitos deste grupo de manipuladores: vão agora fechar tudo, mas não pela sua incompetência, incapacidade de planeamento e prevenção. Por culpa dos Portugueses que não cumprem regras e são irresponsáveis.

E o Governo sai sempre incólume.

Em todos os países, a culpa é dos seus líderes. Em Portugal conseguimos a façanha da culpa não ser do Governo ou do Presidente.

Nesta guerra, a culpa de todos os males é dos soldados.

Em Portugal, já não há generais!