Uma criança que esteja agora no 4.º ano nunca teve um ano normal de escola na sua vida. Depois de três anos lectivos em pandemia, segue-se a falta de professores e corremos o risco sério de espalmar as nossas crianças numa década inteira com um sistema de ensino em colapso.

Isto não tem de ser assim. Está nas nossas mãos, dos adultos, criar as condições para que, geração após geração, as crianças tenham acesso a um sistema de ensino melhor do que o que encontramos. De certa forma, até agora, tínhamos conseguido isso: o sistema de ensino português foi um dos mais notáveis exemplos de melhoria no mundo ocidental. No ano 2000, apenas metade dos portugueses tinha qualificações além da 4.ª classe. Apesar do atraso, conseguimos levar a escola a quase toda a gente e melhorar também na qualidade: partimos de ser um dos países do mundo ocidental com piores resultados, e hoje temos um lugar de meio da tabela nas comparações internacionais da OCDE.

Mas há nuvens escuras ao fundo. Por muito que queiramos ignorar, a pandemia deixou danos profundos nas crianças. A evidência científica é claríssima e demonstra que o fecho das escolas teve efeitos nefastos nas aprendizagens dos alunos por todo o mundo. Contudo, de acordo com o governo português, há apenas duas exceções: a Suécia, onde as escolas nunca chegaram a fechar, e Portugal. Aliás, o governo PS jura que fez ainda melhor do que os Suecos e conseguiu, transformando o chumbo em ouro, que os resultados dos alunos portugueses melhorassem durante a pandemia; ou seja, o nosso sistema de ensino funciona melhor com as escolas fechadas.

Milagres à parte, essas feridas, ainda por sarar, têm de ser tratadas. Em 2021, tive a sorte de trabalhar com um grupo de investigadores da Nova School of Business and Economics para desenhar a primeira proposta de recuperação das aprendizagens para Portugal. Uma das medidas mais importantes e com maior impacto desse plano era criar tutorias (aquilo a que normalmente chamamos “explicações”) com pequenos grupos de três ou cinco alunos para apoiar esses alunos nas escolas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Infelizmente, a nossa incapacidade para reagir aos problemas da escola pública não se manifestou apenas no facto de não termos implementado programas como este para compensar o tempo perdido. Ao longo das últimas décadas, esquecemo-nos também de gizar um plano para garantir a substituição geracional dos professores, pelo que teremos, até ao fim da década, cerca de 34 500 professores em falta.

O problema é complexo, e não há milagres que o consigam resolver de forma simples. O ano passado, aqui no Observador, escrevi sobre a questão e apresentei algumas soluções, como dar maior autonomia às escolas para contratarem os seus professores, ou flexibilizar as vias de ensino e qualificações dos professores (para os mais curiosos, escrevi sobre este último ponto para a Iniciativa Educação).

Apesar de não haver magia que nos valha, temos o dever de propor soluções e agarrar uma oportunidade: criar um Serviço Nacional de Professores.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, a ideia é pôr em marcha o programa de tutorias a nível nacional, semelhante ao que sugerimos para recuperar as aprendizagens e que já se implementou noutros países. As tutorias, essas, eram dadas por professores, mas também por outras pessoas com qualificações do ensino superior – os “tutores”.

O segundo passo, é profissionalizar e transformar gradualmente estes tutores em professores. Além da remuneração e de formação inicial, estes tutores são supervisionados pelos professores mais experientes nas escolas, ajudando a criar uma importante transição de gerações num momento em que cerca de 40% dos professores vão entrar para a reforma. Em conjunto com a mentoria dos professores mais velhos, os tutores seguem um programa rigoroso de formação contínua, tanto pedagógica como específica à disciplina, por exemplo, Matemática ou Português. Ao fim de um ou dois anos de formação intensiva na escola, os tutores recebem uma qualificação equivalente à de professor (por exemplo, mestrado) e, posteriormente, são integrados nos quadros docentes.

Para acudir à falta urgente de pessoal docente, estes tutores viriam não só de jovens interessados em serem professores no futuro, como de profissionais de outros sectores que ganham uma plataforma para mudar de profissão. Quem sabe, com o investimento certo, e incentivos financeiros que se vejam, podemos transformar engenheiros em excelentes professores de Matemática. No fundo, a ideia é que podemos criar mais uma via de recrutamento de alta qualidade, e formar os nossos professores do futuro nas escolas.

Um Serviço Nacional de Professores pode, ainda, ser uma boa forma para garantir que todos os professores têm acesso a programas robustos de formação inicial e contínua ao longo das suas carreiras, valorizando a profissão e dando-lhes mais apoio e ferramentas para continuarem a desenvolver os seus conhecimentos, com impactos significativos na melhoria dos resultados dos alunos.

Dotar o país de um Serviço Nacional de Professores, em conjunto com o Estado, mas também com os sindicatos, universidades, politécnicos, sociedade civil e, claro, com as empresas e privados, é uma oportunidade para devolver o prestígio e dignidade a esta profissão tão importante para o futuro do nosso país. Aliás, se há lição que o fecho de escolas nos deixou é que ainda não há nenhum computador ou ensino à distância que substitua o impacto de um grande professor numa sala de aula – de longe o factor mais importante para dar a todos uma grande educação.

As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado. O autor trabalha num instituto inglês, sem fins lucrativos, especializado em desigualdades no sistema de ensino, com acreditação para dar formação inicial e contínua a professores em Inglaterra.

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.