Este número resume o nosso falhanço coletivo: 50% dos portugueses não tem o ensino secundário completo. Mais do dobro da média da UE.

Somos o país da União Europeia onde menos pessoas têm o 12.º ano. Falhámos, porque não fomos capazes de dar à nossa população as ferramentas e oportunidades necessárias para ter uma vida melhor. E falhámos também os mais pobres. Já antes da pandemia, nascer pobre em Portugal significa ter um atraso em relação aos colegas mais ricos equivalente a dois anos de aprendizagens.

Ao longo das últimas décadas temos feito um trabalho notável de aproximar a escolarização da nossa população aos níveis europeus. Já a diminuição das desigualdades, infelizmente, tem-se revelado um problema muito profundo e difícil de ultrapassar. Este é o panorama em que nos encontrávamos quando fomos confrontados com o fecho de escolas e que nos devia fazer pensar muito seriamente no futuro que queremos dar aos nossos filhos.

Fechar escolas tem um impacto muito grave nas aprendizagens dos alunos. Em Portugal, ainda não temos dados, mas de outros países chegam-nos atrasos médios de dois meses para todos os alunos, e de sete meses para os mais desfavorecidos e não temos razões para acreditar que por cá a situação seja melhor. Há muitos fatores em causa, como acesso a tecnologia, casas degradadas (uma em cada quatro crianças vive em casas com problemas de humidade) ou sobrelotadas, carências alimentares, falta de interação com outras crianças e um grave aumento de problemas de saúde mental, entre outros. Basta pensar, por exemplo, que recai naquela metade dos portugueses que não tem o 12.º ano a responsabilidade de ajudar os seus filhos e netos a aprender em casa. Enfim, esta é uma cruz que esta geração vai carregar ao longo da sua vida e particularmente pesada no caso dos alunos mais desfavorecidos. Todo este drama terá também um impacto muito significativo nos rendimentos destes alunos quando forem adultos, num efeito que se estende naturalmente até aos seus filhos e na economia como um todo: manter as crianças em casa vai custar-nos pelo menos um ano inteiro de PIB até ao fim do século. Sim, leram bem.

Sejamos honestos. Com a exceção do trabalho heroico das escolas e professores no primeiro período, até agora a resposta à pandemia na educação foi muito fraca. Os computadores chegaram tarde e em pouca quantidade. Para as escolas, foram anunciados 125 milhões de euros que ninguém sabe onde estão. As escolas foram fechadas duas vezes porque não conseguimos planear um ano letivo e, de forma negligente, até os mais vulneráveis mandámos para casa. Para cúmulo, somos um país onde reabrir os centros comerciais é tão prioritário como reabrir as escolas secundárias. Nós, os adultos, não fomos capazes de perceber que teríamos de abdicar de muitas coisas (por exemplo, o Natal sem regras) para manter as crianças na escola. Fui educado a pensar que eram os pais que se sacrificavam para dar uma vida melhor aos seus filhos, mas, pelos vistos, aqui, preferimos fazer o contrário.

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Não podemos falhar duas vezes. É preciso atuar rapidamente para mitigar as perdas de aprendizagens que os alunos sofreram aos longo destes dois anos letivos. É por isso que, em conjunto com o Pedro Freitas, a Susana Peralta, a Ana Balcão Reis (todos da Nova School of Business and Economics, Nova SBE) e o Bruno P. Carvalho (também Nova SBE e ECARES – Université Libre de Bruxelles), apresentamos hoje o plano Aprendizagens perdidas devido à pandemia: Uma proposta de recuperação”.

Sabemos que os recursos são escassos e, por isso, a nossa proposta passa por garantir que conseguimos chegar aos alunos que mais precisam de recuperar as aprendizagens perdidas. Este é também uma espécie de cenário mínimo, uma vez que apresenta valores para apenas um ano de recuperação. Para além disso, abrange somente alunos do ensino básico e apenas as disciplinas de Português e Matemática. Os nossos cálculos têm por base a evidência científica disponível e os dados da população escolar e docente portuguesa. Com base nestes dados propomos investir em:

  1. Tutorias. Integradas no horário escolar, em pequenos grupos entre 3 a 5 alunos, cujo custo anual varia entre 704,3 euros e 422,46 eurtos por aluno, respetivamente. No total, este programa tem um custo mínimo de 168 milhões de euros, sendo apresentados diferentes modelos que nos permitem chegar a mais alunos, num custo até 639 milhões de euros.
  2. Escolas de verão. Disponíveis para, pelo menos, 251 mil alunos, com uma duração de quatro semanas, com um custo de 41,8 milhões de euros. Idealmente, estariam disponíveis lugares para mais de 331 mil alunos, com um custo de 55,2 milhões de euros. São 166,49 euros por aluno. Além das disciplinas de Português e Matemática, as escolas de verão integram programas de desporto ao ar livre, artísticos e culturais.
  3. Aferição de competências. Prometida em 2020, implementada tardiamente em 2021 e cujos resultados ainda não conhecemos – para que se possa compreender com detalhe as perdas dos alunos portugueses. Estes dados são cruciais para informar decisões e implementar políticas públicas que possam fazer face ao problema.

Este programa implica um esforço logístico grande, que envolve recrutar milhares de tutores um pouco por todo o país, sejam eles professores no ativo, reformados, ou pessoal não docente. Envolve planear, dar formação, distribuir recursos, e, acima de tudo, pagar. Este tipo de programas já foi anunciado e até posto em marcha em vários países europeus – dado o atraso do nosso país em matéria de ensino e desigualdades, temos a obrigação de investir mais, melhor e mais depressa que os outros.

É um plano ambicioso mas necessário, porque não podemos falhar duas vezes. Este plano precisa que o Governo, escolas, autarquias, pais, alunos, terceiro setor e a sociedade como um todo se mobilizem para ajudar. Para aqueles que, como eu, gostam de ter menos Estado nas nossas vidas, desafio também o setor privado a dar provas de vida.

Miguel Herdade é gestor de organizações sem fins lucrativos. Responsável por projetos relacionados com desigualdades educativas e integração social no Reino Unido, Portugal e Espanha.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.