Um olhar forte, recto e directo. Paradoxalmente, um eterno menino e uma ainda maior missão: “Eu não quero que estas crianças tenham a mesma vida que eu tive”, disse-me ele, na primeira vez que o conheci.

O Johnson foi um produto das falhas da nossa sociedade. Da desigualdade, da pobreza, do racismo. Em criança, foi empurrado do bairro para viver na rua onde teve de roubar para comer. Na adolescência, procurou refúgio na droga para preencher um vazio que as agruras da vida lhe impuseram a si, aos seus pais, aos seus irmãos, e a toda a comunidade. A entrada para a idade adulta levou-o à cadeia. Tinha apenas 18 anos.

A delinquência levou-o à privação máxima da sua liberdade. Mas a delinquência não é falta de carácter. A delinquência de um jovem naquelas circunstâncias é uma falha nossa, colectiva. Falta de apoio, de compreensão, e o fruto mais directo da injustiça de viver a vida em situação de profunda desvantagem, de desigualdade; de sentir que, por mais que te esforces o teu futuro não é aqui. O sentimento de que cada dia é uma luta contra a sociedade que não o quer ali.

Enquanto sociedade falhámos-lhe a ele, ao jovem Johnson. Mas ele não nos falhou a nós.

Eis o homem, um verdadeiro gigante, que conheci aos meus vinte e poucos anos quando, juntamente com uma mão cheia de voluntários, nos pediu para construir o seu projecto de vida. A Academia do Johnson, na Amadora.

A ideia era simples: usar toda a sua experiência para prevenir comportamentos de risco. Exímio futebolista, e portador de uma inteligência colossal, percebeu que podia usar o futsal para orientar e ajudar as crianças e jovens do bairro. Contudo, o talento não bastava para ter um lugar na equipa, porque só podia jogar quem tivesse boas notas. Mas o Johnson conhecia melhor do que ninguém as casas e condições das crianças do bairro e decidiu que era preciso arranjar quem desse explicações. Começou no porta-bagagens do carro da Noémia Silva, seu braço direito, passou pelo restaurante “o Coqueiro” na Cova da Moura, depois para a Boavista, Damaia, Buraca e Zambujal.

És aquilo que fazes”, foi a frase que mandou estampar nas costas das t-shirts da Academia. E de facto, de um momento para outro, estava a apoiar centenas de crianças, dezenas de jovens e adultos dentro de estabelecimentos prisionais, editou um livro, teve mais um filho. Um dia cheguei à Academia e, com o seu sorriso de menino disse-me com orgulho: “já temos 300 jovens na Academia”. Nesse ano a Academia foi campeã de futsal, abriu o seu centro de estudos, escritório, centro de atividades, e teve o primeiro jovem a entrar na Universidade.

Mas o legado do Johnson não se mede apenas por estes sucessos tangíveis. O Johnson personifica o melhor que a sociedade tem para nos dar. O Johnson teve uma segunda oportunidade na vida, e usou-a para criar a primeira, e por vezes única, fonte de esperança que tantas crianças tiveram. O Johnson é um abraço acolhedor a um jovem desamparado, e a única pessoa a quem vi centenas de crianças na rua chamar de “Pai”.

Lembro por isso neste texto o meu Amigo. Mas sobretudo a sua mulher, Susana e os seus filhos Flávio, João Pedro, Elton e William Miguel.

E com eles, todas as crianças e jovens da Academia do Johnson que hoje perderam um Pai, mas ganharam novas chances na vida. Não te deixaremos morrer, Johnson Semedo.

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