Foi no dia 15 de Agosto de 1986 que, juntamente com mais 19 diáconos da prelatura do Opus Dei, recebi a ordenação sacerdotal no ‘Santuário de Nossa Senhora dos Anjos’, em Torreciudad, Espanha. Conferiu-nos a ordem do presbiterado o então Bispo dessa diocese de Barbastro-Monzón, D. Ambrósio Echebarria Arroita, já falecido. Para além de um português, havia bastantes representantes de outras nacionalidades: dois argentinos, um alemão, um austríaco, um ucraniano naturalizado inglês, um chinês recriado no Canadá, um belga de origem navarra, um mexicano, um filipino, um peruano e, claro está, vários espanhóis. Decorridos quase quarenta anos, todos permanecemos no activo, graças a Deus, com a excepção dos dois que já intercedem por nós no Céu.

Torreciudad, no alto Aragão, fica perto dos Pirinéus, não muito longe do Santuário de Lourdes, em França, onde Nossa Senhora apareceu, em 1858. A devoção a Nossa Senhora de Torreciudad é muito popular e antiga, como atesta a sua imagem românica do século XI. Foi a essa invocação mariana que recorreu a mãe de São Josemaria Escrivá – ambos naturais de Barbastro – quando ao fundador do Opus Dei, de 2 anos de idade, foi diagnosticada uma morte certa e iminente. Em agradecimento pelo dom da sua cura, os seus pais foram, com ele, em peregrinação, até à ermida de Nossa Senhora de Torreciudad, para agradecer o dom da sua saúde e vida.

Setenta anos depois, São Josemaria quis erguer um santuário mariano, junto à antiga ermida. Para esse efeito, promoveu uma campanha de angariação de fundos, em que participaram milhares de fiéis. Graças à sua generosidade, foi possível construir um templo dedicado a Nossa Senhora de Torreciudad, bem como duas casas de convívios nas suas imediações, onde se realizam actividades de formação cristã. Também se procedeu ao restauro da antiga imagem de Nossa Senhora de Torreciudad, que agora preside ao retábulo do templo, e à reabilitação da antiga ermida.

Desde 1975, quando Torreciudad foi aberto ao culto, é o Opus Dei, prelatura pessoal desde 1982, que se encarrega exclusivamente deste espaço, com a vénia do Ordinário do lugar, o Bispo de Barbastro-Monzón. Corresponde, portanto, ao prelado do Opus Dei a nomeação do seu reitor e dos restantes sacerdotes que asseguram as celebrações religiosas, sem recorrer para esse efeito ao escasso e envelhecido clero diocesano. Torreciudad foi aprovado como lugar de culto pelo bispo diocesano e é propriedade da Fundação “Nuestra Señora de los Ángeles de Torreciudad”, que se encarrega de todas as despesas inerentes à sua manutenção, sem qualquer encargo económico para a diocese que, sendo proprietária da imagem de Nossa Senhora dos Anjos de Torreciudad e da antiga ermida, cedeu-as perpetuamente, a 24 de Setembro de 1962, pelo então Bispo de Barbastro, a uma entidade civil promovida pelo Opus Dei.

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Em Julho de 2023, o actual Bispo de Barbastro-Monzón, D. Ángel Javier Pérez Pueyo, nomeou reitor do santuário o Padre José Mairal, pároco de Bolturina-Ubiergo e vigário judicial da diocese, de 86 anos, contrariando a nomeação do reitor em exercício, indicado pela prelatura, como aliás tinham sido todos os seus antecessores, com o conhecimento e consentimento dos Bispos diocesanos. Ante esta atitude do actual Bispo de Barbastro, a prelatura do Opus Dei viu-se obrigada a recorrer à Santa Sé, que ainda não se pronunciou. As relações entre a diocese de Barbastro e a prelatura do Opus Dei sempre foram não apenas pacíficas como cordiais: o Bispo diocesano é uma presença habitual, sobretudo para presidir às grandes celebrações, às vezes com vários milhares de peregrinos. No intuito de encontrar uma solução consensual, a prelatura propôs a transformação de Torreciudad em santuário diocesano, condição que só lhe pode ser outorgada pelo Ordinário do lugar, passando a ser competência do bispo diocesano a nomeação do reitor, a partir de uma lista de três candidatos apresentados pela prelatura do Opus Dei. Sendo santuário diocesano, Torreciudad poderá depois passar a santuário nacional e, até, internacional.

Esta é a questão institucional, mas qual a razão para este surpreendente ‘assalto’ a Torreciudad?! Há quem suponha que o Bispo de Barbastro tenha agido em sintonia com as instâncias vaticanas que, de há uns anos a esta parte, têm procurado desvirtuar a solução canónica concedida ao Opus Dei, há mais de 40 anos, por São João Paulo II. Neste sentido, a desconstrução da prelatura pessoal, instituição canónica criada pelo Concílio Vaticano II, levaria à integração dos seus apostolados nas estruturas diocesanas, em cujo caso a única autoridade eclesiástica de Torreciudad seria, então, o Ordinário do lugar. No entanto, como os instrumentos materiais que o Opus Dei utiliza no seu apostolado não são bens da prelatura, nem eclesiásticos, mas civis, como aliás acontece com Torreciudad, a sua propriedade nunca poderia passar para a diocese, a qual também não é competente em relação às suas valências de formação humana, cultural, etc.

Há também uma explicação mais prosaica, eventualmente concomitante com a anterior. Torreciudad é o terceiro maior destino turístico de Aragão e as numerosas visitas, celebrações e actividades têm um impacto crucial no desenvolvimento económico e social do meio local. Apesar da sua importância para a região, em termos turísticos e económicos, não é economicamente viável: a actividade ordinária gera receitas que só cobrem 30 % das despesas. A situação económica de Torreciudad, que realiza um formidável trabalho pastoral, a custo zero para a diocese, que também não colabora com meios humanos, é, portanto, difícil. Não obstante, o actual Bispo de Barbastro pretende cobrar 600 mil euros anuais, o que, citando o ‘site’ do Opus Dei, “é considerado desproporcionado. A actividade anual, para cobrir 70 % dos custos que não são cobertos de forma ordinária, já é, por si só, muito difícil; se a isso se juntasse uma taxa como a pedida pela diocese, o santuário não seria, em termos económicos, viável”.

Há já muitos anos, um Bispo do nosso país pediu a alguns sacerdotes do Opus Dei que revitalizassem uma igreja fechada ao culto, o que estes fizeram de bom grado. Graças ao seu zelo, o templo ganhou vida e começou a ser um foco de irradiação da fé, sendo muitos os fiéis que passaram a beneficiar daquele lugar de culto. Dada a intensa actividade pastoral desenvolvida, começaram a circular rumores de que aquela igreja, afinal, era uma mina … que tinha sido subtraída à diocese! Alertado o Bispo, este logo manifestou a vontade de reaver o templo. Os padres que, com tanta dedicação e entusiasmo, tinham tão eficazmente gerido aquele espaço, por certo a pedido do Bispo diocesano, devolveram-no sem hesitação, porque é próprio do espírito do Opus Dei agir sempre em conformidade com as legítimas determinações dos Ordinários do lugar. Escusado será dizer que, pouco depois, a dita igreja voltou à sua triste condição inicial … para prejuízo das almas, da Igreja diocesana e da glória de Deus. Esperemos que o mesmo não aconteça a Torreciudad!