Uma das recomendações, apresentada pelo Chega, chamava-se “Pela criação de um monumento aos portugueses regressados das províncias ultramarinas”. A outra, do PSD, chamava-se “Homenagem da cidade aos cidadãos repatriados dos antigos territórios ultramarinos”. Foram discutidas na Assembleia Municipal de Lisboa, durante a última sessão de Novembro, no passado dia 28. Referiam-se, como já se percebeu, às pessoas que vieram para Portugal depois do 25 de Abril, no seguimento da independência das antigas colónias portuguesas. Dois documentos bons. E oportunos, quando a Pátria empobrecida, laica, e de esquerda se prepara para comemorar os 50 anos da insurreição militar. A recomendação do Chega mencionava o lado artificial da guerra em África, essencialmente promovida, financiada, e armada pelo bloco comunista da URSS. É instrutivo e justo que isto seja lembrado. A recomendação do PSD fazia uma descrição mais exaustiva e neutra dos factos; concentrava-se menos nas responsabilidades políticas e reforçava o comportamento das sociedades, condenando a estranheza inicial das populações continentais mas aplaudindo a maneira como ela progrediu para a total integração, e aplaudindo também a firmeza e modernidade com que os recém chegados moldaram o país.

A escrita das recomendações debatia-se com dúvidas de terminologia. Como designar estes portugueses? Retornados?… regressados?… repatriados?… deslocados?… desalojados de guerra? Os dois últimos eram termos aceitáveis. Mas pouco específicos: todo o século XX produziu “deslocados” e “desalojados de guerra” e o século XXI continua a produzir. No caso destes documentos, as pessoas nasceram em Portugal, no chamado Portugal Ultramarino, mas o solo em que nasceram deixou de ser português. E não, ao contrário do que diz a retórica comunista, este solo outrora português não foi entregue às “populações locais”; foi entregue às milícias, ao terrorismo, aos massacres tribais e à guerra civil. Apesar de tudo, “retornados”, com todo o passado depreciativo, e com a imprecisão de se referir a pessoas que muitas vezes nunca tinham pisado Portugal continental, é hoje um vocábulo reconhecido.

A homenagem. Houve durante a sessão quem sugerisse a Rotunda do Relógio, alterando-lhe a toponímia e levantando ali um monumento. Aludia ao simbolismo da “ponte aérea”, pela proximidade ao aeroporto de Lisboa e por ter sido, ao longo de décadas, a primeira impressão da cidade para quem acabava de aterrar. Havia um relógio de ponteiros no relvado, e fazia-se aos domingos uma feira onde as meninas e senhoras das famílias betas negociavam pechinchas para o seu guarda-roupa de contrafacção. Compravam como doidas e saiam ajoujadas sob o peso de “lacostes”, “wranglers”, biquínis desirmanados, e outras preciosidades baratíssimas a cair dos sacos de plástico. Um consolo. Passados 50 anos, o progresso transformou o relógio do relvado, que era honesto, numa infelicidade “artística” em forma de relógio de pulso. E a rotunda é agora um gigantesco nó rodoviário: só passamos de autocarro ou de automóvel, só paramos por ordem dos semáforos, olhamos para cima e, em lugar do céu, vemos as costas encardidas dos viadutos. Não é um bom lugar. Seria como levantar um monumento num separador de auto-estrada. A Rotunda do Relógio não tem escala nem dignidade para homenagear pessoas.

E o monumento? Deve ser figurativo, muito bonito, e ter uma dimensão e colocação que respeitem a escala humana. Ao alcance de quem passa a pé, para que as pessoas consigam relacionar-se e reconhecer-se nele. Como a estátua impressionante do general De Gaulle, em Paris, frente ao Grand Palais, que o escultor Jean Cardot representou a descer os Champs-Élysées em Agosto de 1944. Ou a de Winston Churchill, ali muito perto. Lembro isto a pensar nos escultores e na espécie de responsáveis políticos que aprovam vagabundagens geométricas incompreensíveis e depois dizem que aquela “escultura” simboliza coisas extraordinárias. Ninguém percebe e, portanto, ninguém se relaciona com aquilo. Uma homenagem só é do país se todo o país, ou a maior parte dele, a compreender e sentir alegria em reconhecer-se nela.

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