Filiei-me há quase 20 anos na JP. Na altura o site dizia que a JP tinha três pilares: liberalismo, conservadorismo e democracia-cristã. Por extensão, também ao CDS se aplicava a trilogia. Recordo que, por defeito pessoal, me pareceu confuso. A história do partido, além disso, não estava no encalço histórico do aparecimento e desenvolvimento de qualquer uma destas correntes ideológicas. Mas a ação política do partido, naquele tempo, fazia uma síntese suficiente para a minha identificação e para a minha militância. Ao mesmo tempo, no ambiente interno do partido, sempre senti a tensão entre os que contrapunham que o CDS devia ser mais uma coisa ou outra. Não, não era uma manifestação de são pluralismo. Era mais do que isso. Havia vontade de constituir fações e de domínio. Sem fins perversos. Mas com determinação clara. E houve até alterações estatutárias que o permitiam. Ao longo dos últimos quinze anos, além disso, a agenda política fraturante promovida pela esquerda (nomeadamente no que respeita ao “casamento” gay, mas não só) permitiu que essas tensões passassem para fora. Mais: que passassem ao ponto de esborratar o que era a posição do partido, confundindo o eleitorado e desiludindo militantes. Será que as votações nestes temas contrariaram o posicionamento tradicional do partido? Não. Dizem os protagonistas. E é verdade. Mas houve adversativas, hesitações e reservas em posições públicas, em declarações de voto, por parte de quem tinha responsabilidades. Legítimo? Sem dúvida. Suicida? Também. Quando se crê que o CDS defende uma coisa e aparece alguém de dentro defendendo o seu contrário, já não estamos perante um são pluralismo interno. Estamos perante indefinição política.

Assim chegamos a este triste estado. Um partido de guerrilhas. Um eleitorado desiludido. Parecemos um conjunto de irmãos dasavindos a fazer partilhas… Liberalismo para ti. Conservadorismo para mim. Mas o pai não morreu! E o património ideológico original está ali, íntegro e bom. Chama-se Humanismo Personalista e consta na Declaração de Princípios do CDS. É isso que nos torna próximos do conservadorismo, sem ser conservadores. O que nos torna próximos do liberalismo, sem ser liberais. O que nos torna próximos da democracia-cristã, sem ter passado pelas tensões político-religiosas que levaram à criação desse tipo de partidos na Europa. É o humanismo personalista que nos leva a estar centrados na pessoa humana. A defender a sua liberdade de iniciativa económica, a sua liberdade de escolha no ensino. A conter o Estado dentro de limites razoáveis, afirmando o princípio da subsidiariedade e um sistema fiscal cooperante com os contribuintes e não asfixiante dos contribuintes. Mas é, ao mesmo tempo, o humanismo personalista que nos leva a reconhecer que a autonomia individual tem limites. Que a pessoa humana tem uma origem transcendente que confere a todos uma igualdade radical. Que a solidariedade deve ser um princípio social pelo qual procuramos que todos tenham possibilidade de tomar o elevador social, de progredir a partir de um mínimo de oportunidades. É o humanismo personalista que nos leva a reconhecer a origem familiar da pessoa, protegendo a família e criando condições legislativas e sociais que lhe permitam exercer a sua insubstituível e incomparável função social, vinculada à sua natureza de união de um homem e de uma mulher. É o humanismo personalista que nos leva a ter por meta o progresso moral de todos e não apenas o seu bem-estar material, velando pela qualidade no sistema de ensino, dando atenção à cultura, sendo intolerantes em relação à burocracia e à falta de transparência na administração pública. É o humanismo personalista que nos leva a ser contra a eutanásia, contra o aborto, contra as barrigas de aluguer e todo o tipo de engenharia social que desrespeite a natureza e a dignidade da pessoa. E tudo isto sem adversativas, vírgulas ou reservas.

Não. Não são questões tribais identitárias irrelevantes. São princípios de organização social que queremos que vigorem na sociedade que nos propomos construir e que são a raiz fundante de todas as outras propostas. Um projeto político que abdique deles, reduz a política a pouco mais que uma tecnocracia. Vazio de visão e ideologia. Os princípios são a matéria que deveria dar unidade ao partido, ser o seu agregador. Querer “pôr a economia a crescer (…) sem deixar ninguém para trás” é uma bela declaração. De facto, não cria divisões de espécie nenhuma. Aliás, também o Bloco ou o Chega a poderiam proferir. E o curioso é isto: estamos a caminhar para ser um partido consensual no IVA das touradas, mas sem consenso quanto à noção de casamento que o Estado deve proteger. Com acordo no circunstancial e dúvidas no fundamental.

Sim, a circunstância sanitária pede soluções para relançar a economia. Mas as circunstâncias políticas pedem mais. Os Portugueses pedem clareza ao CDS. Sobretudo com o aparecimento de novos atores e partidos à direita. Tenho dúvidas que uma disputa extemporânea de liderança a vá trazer. O CDS não pode ser “uma casa onde não há pão, onde todos ralham e ninguém tem razão”. Temos pão e do bom. Só precisamos que quem tem que o servir possa fazê-lo sem uma bandeja sempre a fugir.

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