Já hoje deu entrada na Assembleia da República uma iniciativa legislativa do PAN para o registo de pertença a associações de caráter secreto no registo de interesses de titulares públicos. Estou absolutamente de acordo com a medida. E do texto proposto para alterar a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, apenas tenho a lamentar o contrasenso que é atribuir um caráter “facultativo” a uma matéria objeto de “obrigação” declarativa.

No entanto, na fundamentação do Projeto de Lei n.º 169/XIV/1ª o PAN comete um erro tremendamente grosseiro, que ofende a Liberdade Religiosa e que reside neste parágrafo:

«A presente iniciativa legislativa não pretende alterar o funcionamento interno destas organizações, nem tampouco proibir ou punir a participação dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos nestas associações de carácter “discreto”. Sublinhe-se também que, ainda que as organizações maçónicas e a prelatura da opus dei [sic] sejam das organizações abrangidas pela disposição que propomos aquelas que em Portugal têm o maior peso e protagonismo, a verdade é que se pretende abranger outras organizações de características similares.»

O erro grosseiro está na equiparação das organizações maçónicas à Prelatura do Opus Dei. A comparação é velha. Mas não por isso mais verdadeira. Faz eco de um lugar comum falso, veiculado por certa comunicação social que se dispensa de consultar fontes primárias e é normalmente pressionada por interesses maçónicos (não vislumbro outra razão) para perpetuar essa ideia.

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Mas o PAN vai mais longe. O PAN é esclarecido. O PAN sabe que “secreto” é uma palavra feia. Fala de organizações com «caráter “discreto”», com aspas, como quem não quer incomodar muito e quer mostrar a boa-vontade de quem age apenas de acordo com um princípio de transparência. Mas não são as aspas que tornam diferente o que é igual. Nem que demonstram a tal boa-vontade. Ser transparente é ser verdadeiro. E a verdade é que o Opus Dei não é discreto, nem secreto. Também não é um fenómeno associativo. E é triste que a utilização da palavra “Prelatura”, apesar de invulgar e de só ter sentido nas normas jurídicas da Igreja Católica, não tenha levado os deputados do PAN a conhecer o seu significado.

Ao ser uma Prelatura o Opus Dei pertence à estrutura hierárquica da Igreja, a par das dioceses e de outros organismos similares. E, portanto, não é nem associativo, nem secreto. É a forma concreta de alguns fiéis pertencerem à Igreja Católica e praticarem a sua fé. Pela sua natureza (de facto e jurídica), são alheios ao Opus Dei quaisquer fins políticos, pois a sua missão só se exerce no âmbito da vida privada e da prática religiosa dos seus fiéis ou, no âmbito público, pela promoção de iniciativas educativas ou assistenciais, perfeitamente identificadas como confiadas ao cuidado pastoral da Prelatura e dentro do enquadramento legal conferido à Igreja Católica em Portugal.

Mesmo sem efeitos práticos, é grave requerer a uma pessoa do Opus Dei que se identifique como tal, à hora de exercer um cargo público. Não porque esse dado seja secreto ou discreto. Mas porque esse requisito constitui uma violação da Liberdade Religiosa, tal como ela se encontra constitucional e juridicamente protegida no nosso país. Está ao nível de exigir que a pessoa revele a sua religião, como se isso encerrasse um potencial de incompatibilidade para o exercício de cargos públicos. A pertença ao Opus Dei, tal como a pertença à Diocese de Lisboa ou qualquer outra, não tem a mínima relevância social ou política. E requerer essa informação para o exercício de quaisquer direitos civis encerra, sim, um potencial de discriminação que constitui uma afronta ao princípio da igualdade.

Fica mal legislar sem conhecer a realidade sobre a qual se legisla. Exemplos destes dão vertigens sobre o funcionamento das nossas instituições e as garantias que nos prestam.

Mas, de resto, acho muito bem que qualquer fenómeno associativo tenha fins claros e públicos. E se forem políticos, que sejam objeto de publicidade, assegurando o adequado escrutínio. Mas não ponham o Opus Dei neste saco.

Sem a coação de qualquer lei, gostava de esclarecer que sou do Opus Dei e sou diretor da Residência Universitária Montes Claros, em Lisboa, cuja orientação espiritual está confiada à Prelatura. Como se vê, não tenho obrigação nenhuma de esconder este vínculo. Mas também não tenho dever nenhum de o revelar. Faz parte da minha vida privada. Tal como o nome da minha última namorada. E não. Nunca recebi qualquer pressão ou leve indicação sobre como atuar politicamente, profissionalmente ou artisticamente, só para indicar três âmbitos que me são muito caros e onde jamais permitiria que a minha liberdade pessoal fosse diminuída.