No passado dia 17, a RTP emitiu em horário nobre, no Programa Linha da Frente, um trabalho intitulado “Os Segredos da Obra”, da jornalista Patrícia Lucas, com imagem de Paulo Jorge e edição de António Nunes. O título e os diferentes trailers já não enganavam. A reportagem era mais uma repetição de lugares comuns que incompreensivelmente se colaram ao jornalismo português em relação a esta instituição da Igreja Católica. Promete-se revelar mais um segredo; um conteúdo inédito. Mas na verdade as peças jornalísticas sobre o Opus Dei costumam ser decalques uns dos outros. Roupagem nova para a mesma narrativa. Uma narrativa suficientemente documental para ser verosímil e suficientemente ficcional para ser atrativa.

Haveria muito que comentar. Melhor: haveria muito que corrigir. Mas vou cingir-me a um aspeto: os dinheiros do Opus Dei. Faço-o por várias razões. A primeira é porque respondo perante 60 famílias que confiam os seus filhos universitários aos meus cuidados e que viram estendidas a mim e à Residência Universitária que os acolhe insinuações de participação em esquemas financeiros pouco claros. A segunda razão é que se dá o caso de conhecer bem “os dinheiros do Opus Dei”. Sou assessor da Comissão Regional do Opus Dei em Portugal e trabalho, em particular, para o departamento da Administração Regional, em virtude da minha formação académica e, talvez, de um erro de casting. Por fim, tenho também a esperança de que, desmontando as insinuações que são feitas no documentário da RTP nesse domínio, o leitor possa ao menos duvidar um pouco da veracidade desses e de outros conteúdos, procurando fontes primárias de informação.

A tese do programa assenta numa reiterada insinuação: o Opus Dei usa um esquema de ocultação de património, havendo inúmeras instituições que dele dependem e que são como que testas-de-ferro, exercendo a sua atividade em nome do Opus Dei. Como é só uma insinuação, nunca se chega a uma teoria verdadeiramente completa sobre os motivos do Opus Dei para isso. Não é tão importante falar do fogo como é falar do fumo. Mas fica no ar uma clara ideia de obtenção de vantagens ilícitas. Presumo que de natureza fiscal e, portanto, lesivas do Estado. Daí deverem suscitar a preocupação da sociedade portuguesa e a investigação jornalística. Esta tese não resiste à lógica mais elementar… Admitindo que o esquema teria por fim a evasão fiscal, não faz qualquer sentido esvaziar de património uma entidade eclesiástica, com regimes fiscais favoráveis (e bem) na esmagadora maioria dos impostos, para o colocar em entidades civis que atuassem em seu nome… Quem quisesse um esquema desse estilo, devia fazer ao contrário!

Mas então porque é que o Opus Dei anda sempre em casa alheia e desenvolve as suas atividades em edifícios que não possui? A pergunta é legítima. E tem obviamente resposta. Mas a peça da RTP (e tantas outras antes) não faz bem esta pergunta. Faz outra. Parecida, mas diferente: porque é que o Opus Dei se esconde sempre em casa alheia e desenvolve as suas atividade em edifícios que não possui? A diferença é subtil, mas radical. Quem faz a segunda pergunta normalmente não tem interesse numa resposta. É aquele estilo de pergunta retórica que se faz no barbeiro, porque «disto é que ninguém fala». Mas para quem verdadeiramente tiver interesse numa resposta, cá vai. O Opus Dei funciona assim (em qualquer país em que se encontre, já agora) não por uma razão de eficácia, mas por uma razão sobrenatural. Funciona assim, porque Deus assim o pediu ao seu Fundador. Razão incompreensível para quem não tem fé. Mas muito acessível aos discípulos de Jesus, que podem encontrar neste modo de funcionar um eco daquela afirmação do Mestre: «dai pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21). Quem quiser procurar mais do que isto neste modo de proceder, não encontrará nada. A menos que parta de um preconceito infundado, que torce a realidade de forma doentia. Sim, doentia. Tal como o discurso sem sentido de um louco tem também elementos racionais.

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O Opus Dei colabora estreitamente com onze entidades civis, cuja atividade e desenvolvimento acompanha institucionalmente. A Fundação Maria Antónia Barreiro, promotora de várias residências universitárias e de um clube juvenil (estilo ATL) em Lisboa; a Associação Juvenil Clube Xénon (promotora de outro clube em Lisboa); a COFIC – Cooperativa de Fomento de Iniciativas Culturais, promotora de vários centros de atividades culturais; a Associação de Estudos Superiores de Empresa (AESE), promotora de uma Business School, a primeira que em Portugal desenvolveu formação para executivos; a Cooperativa de Telheiras que, entre muitas outras coisas, promove projetos de cooperação universitária em África… Podia esgotar a lista. Mas acho que isso não tem qualquer interesse. Entre outras razões porque a colaboração entre essas entidades e o Opus Dei é (tem de ser, por exigência do próprio Opus Dei) pública, para cada uma das iniciativas em que se dá. Portanto, trata-se de informação pública. Mas talvez o leitor se pergunte: o que é que as une ao Opus Dei? Várias coisas. Desde logo, nunca são entidades com fins meramente comerciais. São sempre entidades com um fim educativo/formativo ou caritativo. Depois, o facto de haver pessoas do Opus Dei que nelas trabalham e valorizam a formação cristã que o Opus Dei organiza e que, assim, desejaram oferecê-la também nas iniciativas que promovem a par do serviço que diariamente prestam aos seus alunos, residentes ou utentes.

Mas porque é que só usam edifícios de milhões? Acontece que esta pergunta é só metade da história. Património valioso? Sim, mas aplicado em utilizações nada rentáveis. Com espaços amplos e improdutivos, que implicam sempre custos de manutenção elevadíssimos, e que em parte justificam os escassos resultados líquidos destas entidades, quando chegam a ser positivos. E, claro, sempre reinvestidos se se der o caso. É verdade que a maior parte dos edifícios onde o Opus Dei desenvolve atividades compõem um rico património imobiliário, sobretudo quando considerados de forma consolidada. Mas essa consolidação não existe nem de facto, nem de direito… Esses edifícios nasceram para que as diversas entidades que os possuem pudessem exercer a sua atividade e é essa atividade (uma residência, um colégio, etc.) que justifica a natureza das infraestruturas e não a colaboração que o Opus Dei presta, para dar orientação cristã à iniciativa. Sem dúvida: edifícios grandes; avaliados em alguns milhares ou milhões de euros; por vezes de tipo apalaçado. A aquisição e gestão desses patrimónios tem histórias muito diferentes. Mas o que justifica a sua dimensão é o acolhimento de atividades dirigidas a muitas pessoas! Não há aqui nada de sumptuosidade ou de luxo asiático… E, sobretudo, não há nenhum esquema ilícito. Mais. Um grande número das entidades civis com quem o Opus Dei colabora e que acolhem as suas atividades têm estatuto de utilidade pública ou, até, condecorações honoríficas nacionais pelo seu serviço ao país. Isso significa duas coisas importantes. Por um lado, que são entidades ainda mais escrutinadas pelos poderes públicos do que quaisquer outras com fins idênticos. Por outro lado, que os seus fins são não só lícitos, como louváveis por parte da sociedade portuguesa.

Então porque é que exigem aos fiéis que entreguem todo o dinheiro? Há nesta pergunta um enorme equívoco. O problema está em que só os ladrões usam juntas as palavras “exigir” e “entregar”. Ainda me lembro de um assalto que sofri em tempos, em que os bandidos me exigiram que entregasse tudo o que tinha. Não é nada disto que acontece no Opus Dei. Aqui ninguém exige o que quer que seja, a quem quer que seja. Quando uma pessoa entrega a sua vida a Deus no Opus Dei fá-lo porque quer e tem que o declarar perante duas testemunhas. E quando entrega o seu dinheiro ao Opus Dei também o faz porque quer. Então mas não era que o Opus Dei não tinha património? Sim. Mas isso não significa que, como qualquer outra entidade eclisástica, não tenha despesas operacionais. Quem sustenta os sacerdotes do Opus Dei, paga a sua Segurança Social e financia os seus estudos e formação? Os fiéis do Opus Dei e os amigos. Quem paga a eletricidade e a água da sede da instituição? Os fiéis do Opus Dei e os amigos. Mas para si mesmo, o Opus Dei não quer absolutamente mais nada. E mesmo que os fiéis, cooperadores e amigos queiram generosamente contribuir além destas necessidades, o Opus Dei o que faz é encaminhá-los para alguma das entidades com que colabora institucionalmente. Parte da minha função de assessoramento ao órgão de governo do Opus Dei em Portugal é recolher informação sobre os projetos e necessidades de cada uma dessas iniciativas, justamente para encaminhar a generosidade destas pessoas para aquelas iniciativas que podem estar a precisar de mais apoios, devido à sua natureza geralmente deificitária. Aliás recentemente criei um site precisamente para facilitar esse processo (www.quero-ajudar.pt).

O artigo já vai longo e seria contraproducente continuá-lo. Mas não será difícil ao leitor entrar em contacto com alguém até mais autorizado do que eu para ficar esclarecido, visitando, por exemplo, o site www.opusdei.pt ou contactando diretamente o Gabinete de Informação. Escrevo este artigo sem ter perguntado a ninguém e sem ninguém me ter mandatado. Pretendi com ele mostrar que Patrícia Lucas perdeu uma oportunidade de esclarecer, preferindo continuar uma enorme confusão. É pena. Acredito, contudo, que há ainda muita gente que não pertence àquele grupo sobre o qual Chesterton dizia que «desde que deixou de acreditar em Deus, passou a acreditar em qualquer coisa.»