Os relatórios das provas de aferição saíram em Dezembro passado e avaliaram uma série de competências que tendem a qualificar o aluno português. O sucedido, em traços simples, é uma visita do Instituto de Avaliação Educativa, que aparece uma vez por ano com a intenção de tudo diagnosticar, à laia de tia pouco lembrada que nos beija a cara limpa, mas não compreendemos bem porquê. Esta tia, envelopada com enunciados secretos e pés rasteiros, apresenta a determinados alunos de certos anos de escolaridade provas escritas onde procura compreender o estado do desempenho de cada um, de forma a, posteriormente, conceder um ponto de situação às escolas, professores e encarregados de educação, permitindo, assim, uma consequente intervenção pedagógica atempada, quanto às dificuldades demonstradas. Mas esta tia, alta e vistosa, que faz a escola parar durante vários dias — revelando isso, por si, que o avaliar sobrepõe-se ao aprender –, não parece conseguir captar o que realmente se passa com os alunos que a espreitam nos portões da entrada, e nunca mais nela pensam depois do bater anual da porta de saída.

A tia abandona, então, a escola, com o envelope cheio de ansiedades alheias, sorridente e feliz por cumprir, mais um ano de dever, contudo o resultado assusta: os alunos não vão bem. Não é uma novidade inesperada. Ainda assim, para a tia pouco vista, mas de avaliação feroz, parece ser. Olhe-se a tia invariavelmente pouco vista: está, de telefone na cara, a ansiar que o tio atenda, para admitir, só a este, que são precisos responsáveis. É certo que os alunos, enquanto isso, continuam nos cantos do recreio, de olhos sequestrados por ecrãs de bolso estridentes, já não se lembrando se a tia havia preferido a resposta a) ou a resposta b), recordando-a, quando calha, inconscientemente, por, nos dias da avaliação, o lanche da manhã ter passado a ser bolos e sandes fartas ao contrário daquilo que era nos dias eternos do ano escolar: pão com pão já nunca do dia.

Pobre tia, que, esbaforida até, aos gritos com o telefone, atira a culpa, logo, à pandemia ainda que o vírus se pareça escudar, de imediato também, nas longas greves que faz a culpa ir parar, depois, ao colo dos professores. A tia e o tio perdem-se em estratagemas de meia boca, enquanto os professores, ao dar pelo mal-me-quer de culpa ao vento, devolvem-na à senhora dona tia e ao senhor dom tio, esses sim, não tão capazes de definir um quadro eficaz para o sistema educativo vigente. É certo que a tia se zanga, terminando chocada, em conversa com o tio, que a tenta serenar, enquanto nada acontece senão um burburinho de telejornal, pelo qual, em meia dúzia de dias, tudo se dissipará em lugar de algum jogador de futebol ganhar, possivelmente, um troféu por raro e magnífico golo de letra. A verdade é que o jogador não ganhou o tal troféu, mas nem isso foi necessário: o tema esvoaça-se por si, permanecendo, os alunos, nos cantos da escola, em método de ensino igual há mais de cem anos, entregues a disfarçados estrebuchos de ódio à campainha que parece roubar-lhes a liberdade ao invés de, precisamente, os libertar.

Com um mundo tão grande e virtual, porque temos aulas em linha de fronte com o professor?, pergunta um aluno à tia que não responde por apenas aparecer, exactamente, uma vez por ano, para avaliar. As redes sociais e os jogos mostram-me a imensidão do mundo livre e alguém consegue achar que me vou sentir concretizado e focado numa sala de aula estática e igual à dos meus avós?, pergunta o mesmo aluno, mas sempre sem resposta, uma vez que, por isto perguntar, foi parar ao canto da quase sala onde, antes, só havia resmas de humidade disfarçadas por tintas de origem duvidosa.

Pobre tia, pobres alunos e pobres pais. As provas de aferição podiam ser a exacta salvação que o progresso precisa mas, em lugar disso, preferem continuar a ser a exacta avaliação para… repensar conteúdos. Os tempos actuais não são de repensar. Os tempos de hoje são, mais do que nunca, para dar acção ao pensamento. As provas, em vez de certos e errados, precisam de desvendar humanidades.

Mas como?, pergunta alguém. De duas formas. A primeira seria a proximidade, procurando incluir todos os intervenientes no processo educativo e a segunda poderia ser, em concreto, incluir avaliações feitas pelos encarregados de educação quanto ao próprio sistema de ensino, em que uma só pergunta poderia, até, ser suficiente: “Os seus filhos acordam diariamente com vontade de ser encerrados na escola durante 7h30 do seu dia?” A resposta teme-se óbvia até ao exacto momento em que se entenda, finalmente, que podem existir aulas em jardins públicos, que o aluno pode ser incluído activamente no processo de aprendizagem, que os encarregados de educação podem vir a ter um papel determinante no acontecer da escola, se ouvidos e incluídos em mais métodos de ensino debatidos de forma transparente. Há que entender, por evidente, que uma prova não define, em momento algum, os saberes de um avaliado mas tão só duas coisas: o interesse do avaliado e, claro, a sorte deste, que, para o aluno português, tem sido cada vez menor e menor e menor.

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