Na última década tem-se assistido a uma redução e depreciação insustentável de seriedade por parte da justiça que põe em causa diariamente a sua, julgo ainda, credibilidade, apresentando-se aos olhos de todos como incapaz de cumprir a sua função ontológica e primordial que aliás lhe dá o nome, ou seja, a Justiça tanto na ação como no fator de dissuasão por parte desta plêiade de corruptores e corrompíveis.

Inúmeros exemplos têm vindo a público recentemente sobre indivíduos que a braços com a justiça vão dar umas braçadas, uns na Sardenha outros no Brasil, durante o tempo que estão constituídos como arguidos, ou que sobre eles recaem pelo menos suspeitas, outros ainda intentam durante os processos a que respondem, interpor um sem número de ações e recursos para atrasar e inviabilizar o processo.

Estes exemplos são paradigmáticos, uma vez que se trata de homens que no passado recente não só assumiram cargos proeminentes na sociedade portuguesa como também foram das pessoas com mais poder na área política e económica, e fazem-nos então pensar quão grande é o fosso em termos de desrespeito e violabilidade por parte daqueles que paradoxalmente deveriam dar o exemplo. Mas fazem-nos ainda mais pensar sobre o que tem falhado no nosso sistema na criação de um sentimento comum de respeito pelos outros e das repercussões que as suas ações deveriam supostamente ter.

Um País que tem na sua égide um desrespeito e despudor profundo pelas instituições por parte das supostas elites, quer empresariais quer políticas ou económicas, é um pais que está condenado à mediocridade, já que os dissuasores naturais que permitiriam regular de modo efetivo os “espíritos” de quem tem mais acesso e capital em todos os domínios não atua na mente e no imaginário destes como restritivo ou limitativo às suas ações e desejos que encontram no cargo que ocupam solo fértil para proliferar.

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Quando, portanto, vemos banqueiros e ministros que estão em prisão domiciliária ou com termo de identidade e residência, sem qualquer poder, desobedecerem a esta obrigatoriedade, norma e até mesmo, diria, dever cívico, deveremos entender se como sociedade estamos a fazer o suficiente para impedir isto, já que esses exemplos perpassam para toda a comunidade criando assim um sentimento de nós e eles que paulatinamente tem vindo a ser canalizado por parte de forças políticas mais extremas e traduzidas em formas mais radicais de políticas que encontram na larga maioria o seu apoio.

A questão não é fulanizar quais os atores que constantemente mostram um profundo desrespeito e repulsa pelas mesmas instituições com as quais se relacionaram e alguns direcionaram ou instrumentalizaram a seu bel-prazer (embora também seja importante). A questão é assumirmos que, como sociedade, todos nós e não só os juízes, magistrados e advogados, ou de um modo geral os profissionais da área, tem a obrigação de resolver?

Teremos todos, independentemente da nossa proveniência e ocupação, de nos unir em torno deste bem maior que é a Justiça e alterar rapidamente o panorama vigente cultural e social, não por decreto, mas por ações efetivas e coletivas.

Está na hora de a sociedade se mobilizar dentro do seu raio de ação como um todo e exigir ou acelerar algumas decisões e medidas urgentes que tardam e que contribuam para um pais mais justo e solidário, e não mais pobre e desigual, como alguém um dia disse num palanque em jeito quiçá de ato falhado.

Só depois disso poderemos começar a vislumbrar um Portugal mais próspero, menos corrupto e, acima de tudo, com checks and balances tangíveis e intangíveis necessários a uma sociedade complexa, que deverão atuar antes, durante e depois dos vários atos consumados que nos trouxeram até aqui.