A educação pode aumentar o capital humano e a produtividade do trabalho, o que permite às economias transitarem para um maior nível de produção. Segundo, a educação pode aumentar a capacidade de inovação, o desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e processos o que promove o crescimento. Terceiro, a educação pode facilitar a difusão e transmissão do conhecimento necessário para compreender e processar a nova informação e para implementar com sucesso novas tecnologias inventadas por outros, o que também promove o crescimento económico. De facto, à evidência direta de que os países que melhoraram os seus níveis cognitivos experimentaram um aumento das taxas de crescimento do PIB. Portugal e a sua “época de ouro” do crescimento são um caso, como o são os países apelidados de “tigres asiáticos”.
De uma forma mais quantificada, Barro e Lee estimaram que um aumento de um desvio padrão nos resultados dos testes internacionais de ciências provoca um aumento em 1 ponto percentual na taxa de crescimento do PIB, e que um aumento semelhante no número de anos de escolaridade apenas provoca um aumento de 0,2 pontos percentuais na taxa de crescimento do PIB. Este resultado, para além de muitos outros trabalhos que chegaram ao mesmo, prova que tanto a qualidade como a quantidade de educação são importantes para o crescimento económico, mas a qualidade é muito mais importante, e sobretudo para os países no estádio de desenvolvimento como Portugal. Este é um fator que é pouco evidenciado nas políticas educacionais portuguesas.
E não é apenas o crescimento que é afetado, mas também a equidade e inclusão. Ter uma série de bons professoresem vez de professores médios, durante 4 a 5 anos, leva a colmatar a diferença nos resultados académicos que separam os alunos de uma classe de rendimentos elevada de uma baixa.
É uma grande responsabilidade do Estado proporcionar à nossa juventude a possibilidade de adquirirem as capacitações cognitivas avançadas, socio-emocionais, técnicas e digitais, necessárias para enfrentarem os desafios de hoje e amanhã.
E a urgência destas políticas tornou-se mais evidente. O Transforming Education Summit de setembro deste ano, patrocinado pelas Nações Unidas veio chamar a atenção para “a crise global que se verifica na educação – de qualidade, equidade, inclusão e relevância. Esta crise muitas vezes despercebida está a ter um impacto devastador no futuro das crianças e jovens em todo o mundo.” Estimativas feitas pelo Banco Mundial mostram que a pandemia e as suas consequências em termos educacionais pode provocar uma perda de 21 biliões de USD nos rendimentos ao longo da vida da atual geração escolar, equivalente a 17% do PIB global.
Este ensaio apresenta alguns pontos de grande relevância para as políticas educacionais, baseado no livro publicado pela Sedes e, em especial, no relatório do Grupo de Trabalho sobre Educação liderado pelo Doutor Alexandre Homem Cristo, a quem expresso o meu reconhecimento e agradecimentos.
Estimamos que os objetivos propostos irão aumentar a taxa de crescimento do PIB em cerca de 1-1,5 pontos percentuais no longo prazo, essenciais para acelerar o crescimento proposto pela Sedes, pois as reformas da educação levam tempo a fruir à medida que as diferentes gerações de jovens vão entrando no mercado de trabalho. Mas isto só implica a urgência destas reformas. Mas voltamos a frisar que o que está em jogo não é apenas o crescimento, mas as oportunidades de reduzir significativamente as desigualdades sociais no nosso país.
A Definir objetivos para o desenvolvimento do sistema educacional
1. Acelerar o nível de educação e reduzir o elevado gap em relação à União Europeia
A educação dos nossos filhos dos 3 aos 18 anos é a base em que assenta todo o desenvolvimento humano e profissional dos jovens, e o futuro do País, pelo que deveria ser a maior preocupação das políticas públicas. Dado o baixo ponto de partida, apesar do inegável progresso que temos feito nas últimas três décadas, ainda temos uma tarefa ciclópica pela frente.
Comecemos por alguns indicadores quantitativos e qualitativos, que devem ser monitorizados de perto e nos ajudam a quantificar o progresso realizado, de forma transparente. O primeiro é o indicador do nível educacional de um país, e que é a proporção de jovens dos 25 aos 34 anos que têm formação do secundário superior ou terciário. Em 2019, Portugal tinha uma taxa de formação de 42,9%, estando em 32ª posição dentro dos 36 países da OCDE (Figura 1), tendo aumentado 24 pontos percentuais nos últimos 19 anos. Até 2035, e como as taxas destes países continuarão a subir, a Sedes propõe que esta taxa atinja 67%, o que colocaria o nosso país entre os 15 melhores. O ritmo de formação teria de aumentar para que os 24 pontos percentuais de aumento se conseguissem agora em 15 e não nos 19 anos.
Figura 1
Existem vários indicadores qualitativos, mas os testes de PISA e TIMS são os mais utilizados internacionalmente e independentes (conduzidos por organismos internacionais). Desde 1995 que estes testes revelam uma melhoria nos conhecimentos dos nossos jovens: em termos agregados a classificação média subiu 11,5%, o que é considerado um sucesso pela OCDE, colocando-nos na média da OCDE. Porém, desde 2015 estamos a regredir, uns 3 a 4%. Os testes de PISA de 2018 colocavam-nos na 24ª posição em leitura com 492 pontos (a China o melhor com 555, e 487 de média da OCDE), na 29ª posição em matemática, também com 492 (contra 591 da China, e 481 de média da OCDE) e 26ª posição em ciências, ainda 492 (contra 590 da China, e 489 de média da OCDE). Em termos agregados estávamos 1,3% acima da média da OCDE e 15% abaixo da melhor classificação (China nas províncias mais avançadas de Beijing e Shangai). Propomos, pois, e da mesma forma que para o índice quantitativo, para 2035, que o índice médio de PISA esteja entre os 15 melhores, o que significa atingir uma média de 560, a um ritmo de crescimento do dobro do que conseguimos nos últimos vinte anos.
2. Aproximar a produtividade do sistema educacional dos níveis da OCDE
No segundo grupo de indicadores considera-se a evolução e objetivos para a produtividade do setor, que mede a relação entre os outputs (alunos matriculados ou diplomados) e inputs (professores, equipamentos e edifícios, outro pessoal), assim como tecnologias (currículos, métodos pedagógicos). A Figura 2 mostra a evolução dos professores e alunos e da relação entre eles para todo o sistema de ensino em Portugal (público mais privado) entre 1990 e 2000, em forma de índice de base fixa em 1990. O privado representa 15,1% do total em 2000, em termos de matrículas, tendo duplicado naquele período. Mostra três factos importantes. Primeiro, o número de alunos matriculados baixou de 1,8 para 1,3 milhões por causa da queda da fertilidade. Segundo, o número de professores, apesar daquela queda progressiva, não cessou de crescer, de 134 mil em 1990 para um máximo de 166 mil em 2005, tendo sofrido depois um corte de 41 mil até 2015, voltando depois a subir até 130,4 mil em 2020 devido ao setor público. Terceiro, existem dois indicadores de produtividade que dão informação contraditória. O das matrículas, mostra um decréscimo até 2005 e depois recuperação até 2015, seguida de nova queda com o governo socialista. Mas o rácio dos diplomados, mostra um forte aumento entre 1990 e 1995, seguida de uma forte quebra até 2005 e depois uma forte recuperação até 2015, para depois mostrar uma ligeira queda e ligeira recuperação. Esta evolução é sobretudo devida à forte redução do abandono escolar, que era anormalmente elevada em Portugal. Também a despesa por aluno matriculado mostra uma quebra de produtividade de 30% em 2020 e em relação a 2015!
Figura 2
E investigação volta a revelar que mais do que o número de diplomados é importante a qualidade dos diplomados: por exemplo, Hanushek and Woessman. The role of cognitive skills in economic development, Journal of Economic Literature, 24(3), 2008 encontraram o resultado de que os testes cognitivos prediziam melhor a taxa de crescimento do PIB no médio prazo do que as taxas de escolaridade. A Figura 3 mostra o índice quantitativo (inverso do custo médio de um diplomado) e o índice qualitativo (índice dos resultados nos testes de PISA a dividir pelo índice dos gastos totais no ensino básico e secundário). Como podemos observar, o índice qualitativo mostra uma certa estabilidade e melhoria clara durante 2012 e 2014, depois entra em fase descendente: em 2020 estava apenas 6,7% acima dos resultados em 2000. O índice quantitativo tem um forte crescimento entre 2009 e 2014. Se calcularmos um índice compósito em que o qualitativo tem um peso de .66 e o quantitativo (calculado através da interpolação dos resultados dos testes de PISA e TIMS) de .33, continuamos a verificar um aumento significativo entre 2006 e 2014, seguido de ligeira regressão. A taxa de crescimento média da produtividade entre 1990 e 2020 foi de 1,4%, claramente superior à taxa de 0,3% ao ano para o total da economia portuguesa.Dados da OCDE para produtividade multifatorial
Figura 3
E como se coloca Portugal em termos de comparações internacionais? Um estudo da OCDE Sutherland, Price and Gonand (2009) Improving Public Spending Efficiency in Primary and Secondary Education, OECD Journal of Economic Studies com um número de inputs mais abrangente: numero de pessoal docente por estudante, medida da origem socio-económica do aluno, acesso a computador, e se a língua falada em casa é a nacional. O output é o resultado do PISA. O grau de eficiência da escola mediana portuguesa é de .67 na orientação para os inputs e .78 na orientação para os outputs. Os países mais eficientes são a Coreia, Japão e Alemanha. Segundo este e vários outros estudos, e atualizando para os anos mais recentes, o grau de ineficiência do sistema de educação é de cerca de 20-30% em relação à média da OCDE e 55-60% em relação aos três melhores. Estes valores mostram uma posição melhor do que a produtividade global da economia. De entre os países da UE, a Polónia e Eslováquia revelam-se entre os melhores em multicritérios (Ver Mateus, A., Orçamento, Economia e Democracia, FFMS, 2018).
As atuais projeções demográficas do Eurostat mostram a continuação da queda do grupo etário respetivo, pelo que o número de alunos matriculados deverá baixar de 1,3 para os 1,17 milhões em 2035. Esta redução irá implicar a redução do corpo docente, mas como veremos, a substituição dos professores que entram na reforma, irá indicar a necessidade de recrutamentos adicionais.
B Estender a educação aos 3 anos de idade
Estudos científicos têm revelado a importância da educação pré-escolar, dos 3 aos 5 anos de idade. Uma educação pré-escolar de qualidade reduz a necessidade de uma educação especial na primária, reduz as repetições de ano, aumenta a probabilidade de obter o diploma no secundário, aumenta o rendimento esperado ao longo da vida profissional (McCoy, D. et al., Impacts of Early Childhood Education on Medium and Long-Term Educational Outcomes), e fundamentalmente contribui para a redução da desigualdade económica (Heckman, J. and Masterov, The Productivity argument for investing in young children).
E o mais surpreendente é que um estudo da Universidade de York conclui que o impacto do ambiente familiar não diminuiu no Reino Unido nos últimos cem anos, pelo que a diferença na origem por grupo socio-económico não baixou de relevância, dificultando a redução da desigualdade.
Porém, é fundamental acentuar que estes efeitos só se obtém com uma educação de qualidade, que é o grande problema do nosso país. Em 2019, 48% das crianças com menos de 3 anos, 84% das crianças com 3 anos, e 95% das com 4 anos, já estavam em instituições pré-escolares, acima da média da OCDE. Estas instituições são públicas, privadas ou do setor social.
Embora a percentagem do PIB gasta neste setor seja igual à média da OCDE, as famílias participam com 36% deste valor, o terceiro mais elevado da OCDE. O problema do acesso e da capacidade financeira por parte das famílias de menor rendimento, as que mais precisam deste tipo de educação, é um problema que deve ser resolvido com urgência, ainda nesta década.
Para resolver os problemas deste subsetor, a Sedes propõe: (i) tornar obrigatória a escolarização a partir dos 3 anos; (ii) estender a cobertura destas instituições nas zonas deficitárias pela construção de novos equipamentos públicos ou pela contratação com os setores privado ou social; (iii) rever o mecanismo de comparticipação pelo Estado para o tornar mais progressivo. No que respeita à melhoria de qualidade, (iv) Reforçar os mecanismos de formação e recrutamento e contratação de Auxiliares de Ação Educativa e de Educadores dos 0-3 anos; (v) Produzir orientações curriculares vinculativas, para o período 0-6 anos, de forma a assegurar transições suaves, a nível pedagógico, profissional e desenvolvimental; (vi) Na contratualização com o setor privado incluir objetivos e financiamento em função da qualidade pedagógica; (vi) Reforçar os mecanismos de avaliação e supervisão da qualidade, e (vii) Reforçar a dotação das instituições com materiais educativos de qualidade nas áreas das linguagens (oral, escrita, artísticas e digitais), da matemática, das ciências e da motricidade.
Do ponto de vista institucional, propõe-se que este subsetor que é tutelado pelos Ministérios da Educação e pelo Ministério da Segurança Social, siga o exemplo da maioria dos países europeus e passe apenas para o primeiro. Porém, a responsabilidade primária da gestão deste subsetor deve ser das municipalidades e juntas de freguesias.
C Professores: os principais agentes da dinâmica
A vasta literatura sobre a eficiência do sistema educacional considera em geral três tipos de fatores: (i) o meio familiar e social de origem do estudante (níveis de educação dos pais, níveis de rendimento da família, tipo de vizinhança, acesso a meios de conhecimento em casa ou na comunidade); (ii) recursos da escola (equipamentos e edifícios escolares, acesso a computadores e internet, transportes, tipo de escola, nível de organização e recursos financeiros); e (iii) qualidade dos professores e do ensino (nível educacional, métodos pedagógicos, curriculum e programa de estudos, qualidade dos livros de texto).
Num dos primeiros estudos sistemático e quantitativo (Relatório Coleman de 1966), os resultados mostraram a primazia do meio familiar e social. Porém, a vasta literatura que lhe seguiu mostrou também a importância da escola, e em particular a qualidade dos professores. Quando os alunos entram na sala de aulas, quem conduz toda a aula e é assim o agente transmissor dos conhecimentos é o professor. Daí que não seja de surpreender que existe uma larga evidência que mostra o papel fundamental dos bons professores, alicerçados num bom curriculum e num bom livro de texto. Um dos melhores investigadores que tem tratado este tema é Raj Chetty de Harvard, que obteve uma medida da diferença na performance escolar e mesmo no rendimento pós-escola dos alunos que têm bons ou maus professores. Substituindo um mau professor (que está no escalão dos 5% piores) por um médio, faz aumentar o rendimento cumulativo de cada estudante em 50 000 USD e em 1,4 milhões de USD para a dimensão média da classe.
Entre vários, alguns dos temas mais importantes afetando os professores são: (i) melhorar o treino dos professores que iniciam a sua carreira; (ii) a necessidade de instituir um sistema moderno de aperfeiçoamento profissional contínuo e de modernizar o sistema de gestão; (iii) o centralismo no recrutamento e colocação de professores; (iv) o envelhecimento e as necessidades de recrutamento na próxima década e o gap entre a procura e oferta: que soluções? Vamos analisar alguns destes problemas baseando-nos nos dados da OCDE recolhidos pelos inquéritos internacionais a professores (Talis).
- Preparação dos professores e formação ao longo da vida
A escola e o ensino estão a evoluir de uma forma muito rápida. Na geração anterior, os professores podiam esperar que o método pedagógico e o conteúdo curricular que usavam durasse toda a vida profissional. Mas hoje, os alunos têm acesso a quantidades quase infinitas de informação na internet, as capacidades de rotina estão a ser digitalizadas ou outsourced, e o tipo e locais de emprego estão a mudar rapidamente, os sistemas educacionais precisam colocar muito mais ênfase em capacitar os alunos para a aprendizagem ao longo da vida, a gerir formas complexas de pensar e formas complexas de trabalhar que os computadores não podem assumir facilmente. Estes fatores obrigam as escolas de formação de professores a modernizarem-se e acompanhar a evolução tecnológica.
Mas esta formação não basta. Em Portugal dá-se pouca importância à iniciação e treino on-the-job dos novos professores. Vejamos o exemplo da Estónia, um dos países mais bem sucedido em educação. Além de uma sólida base curricular em baseados em padrões de competências, a formação inicial de professores da Estônia contém alguns outros recursos que são essenciais para proporcionar um início sólido para novos professores. Estes incluem um mínimo de 50 dias de experiência prática numa escola e um programa obrigatório de iniciação/indução de 12 meses, incluindo o apoio de um mentor treinado que tenha pelo menos três anos de experiência de ensino. O mentor é responsável por fornecer feedback sobre o professor iniciante à instituição de formação de professores, e o professor iniciante é responsável pelos exercícios de autoavaliação durante esse período. Nalguns países esta atividade de treino de um novo professor dura mesmo um ano.
Outra preocupação é a atração de bons alunos para a profissão de educador. Em 2020 as notas de acesso às instituições de Educação para Ensino Básico variaram entre um mínimo de 9,85 e 14,52, o que significa que é um dos grupos com menores classificações, o que é um indicador da baixa qualidade desta classe (Relatório da CNE 2021, pg. 86). Em Portugal existe baixa capilaridade entre os diplomados em diferentes especialidades. É por isso que os professores portugueses respondem no Talis que a carreira de professor foi a sua primeira escolha. Um diplomado em matemática ou em engenharia que sinta vocação para tal deveria poder enveredar por uma carreira docente no ensino secundário superior. Como abaixo se sugere os diplomados que não tenham o diploma de professor, poderão obter esta especialização subsequentemente.
A profissão de professor deve ser dignificada pela sociedade e por todos os stakeholders. Por exemplo, porque não instituir um prémio anual de melhor professor nas diferentes especializações pelos municípios do país? Este prémio podia basear-se nos critérios de avaliação abaixo apresentados.
Transformar a organização do trabalho nas escolas, envolvendo os professores na tomada de decisões escolares, reforçar as suas responsabilidades de liderança e promover a docência como uma profissão exigente, mas gratificante são pelo menos tão importantes como aumentar os salários dos professores. Outros meios podem ser campanhas nos media para melhorar a imagem da profissão, destacando sua importância para a nação, sua sofisticação e complexidade, e o entusiasmo intelectual que pode gerar.
Na Coreia, todos os professores são julgados pelos padrões mais elevados, o que contribui para os altos níveis de desempenho do país e para a distribuição equitativa de professores. Outros elementos que contribuem para o alto calibre do corpo docente são o status altamente respeitado dos professores, estabilidade no emprego, altos salários e condições de trabalho positivas, incluindo altos níveis de colaboração entre os professores. Um esquema de rotação obrigatória entre escolas todos os cinco anos contribui para a equidade. Nesse esquema, vários incentivos são oferecidos para atrair professores para escolas mais difíceis, incluindo salário adicional, turmas menores, menos tempo de instrução, crédito adicional para futura promoção a cargos administrativos e a possibilidade de escolher a próxima escola onde trabalhar. Os dois últimos incentivos de carreira são considerados particularmente atraentes.
- Desenvolvimento profissional dos professores e gestão de carreiras
Os professores portugueses estão os que menos participam em ações de desenvolvimento profissional entre os países da OCDE (Figura 1). Estas incluem cursos/seminários frequentados presencialmente, que são ainda a forma mais importante de desenvolvimento profissional, cursos/seminários online, conferências de educação, programas formais de qualificação, visitas de observação a outras escolas, visitas de observação a instalações comerciais, organizações públicas ou organizações não governamentais, auto-observação ou observação por pares e de aconselhamento, participação numa rede profissional de professores, leitura de literatura profissional, entre outras.
Figura 1
Outro problema central é a gestão da carreira dos professores. Em Portugal, e ao contrário da maioria dos países da OCDE, não existe uma forma efetiva de avaliação da performance dos professores, e a progressão na carreira é apenas determinada pela antiguidade.
Quais são os métodos utilizados nos países mais avançados para avaliar a qualidade ou performance de um professor? Estes estudos medem a performance dum professor pelo diferencial nas classificações dos alunos (método do valor adicional). Este método é utilizado na prática por um grande número de estados nos EUA. Outros métodos são a observação das aulas por um comité, e inquéritos aos alunos. Estudos efetuados mostram a importância destes métodos usados de forma combinada.
A avaliação só faz sentido se tiver consequências, e a principal é na progressão nas carreiras e nas remunerações. Assim, uma parte da remuneração seria fixa centralmente e outra (por exemplo, 30%) seria variável e dependente do desempenho. Aliada à maior descentralização financeira das escolas abaixo proposta, esta proposta implica uma revisão do mecanismo de alocação do orçamento pelo Ministério, tomando em conta a performance global da escola.
Os resultados do Talis dizem-nos que os professores portugueses consideram que os dois problemas mais sérios da sua profissão são: os baixos salários, a elevada dimensão das classes de aulas e o tempo demasiado que gastam na escola. Os dados estatísticos comparativos demonstram que estas perceções são relativas. A dimensão das classes e o tempo gasto estão ligeiramente abaixo da média da EU. Os salários estão abaixo da média da OCDE quando calculados em paridade de poder de compra, o que é o resultado do país ter salários baixos. Em relação à média dos profissionais com ensino superior estão 33-43% acima dessa média. Na OCDE os salários médios estão entre 80 e 90% da média, com um rácio que cresce com o nível de ensino, ao contrário de Portugal que estabelece salários iguais no setor público em todos os graus de ensino!
O número médio de horas anuais estatutárias dos professores portugueses passados na escola está abaixo da média da OCDE (Figura 2), equivalente a 836 horas, 30% abaixo da média nos 2º e 3º ciclos, embora em termos de tempo total de trabalho, em termos estatutários, seja de 1 339 horas (15% abaixo da média). Uma das razões é o facto de as férias grandes de verão terem uma duração elevada. Seria preferível reduzir esta duração e fazer mais interrupções durante o ano, em que os professores se possam dedicar à formação profissional, como nos países mais avançados.
Figura 2
Existem três elementos comuns às políticas de desenvolvimento profissional de professores dos países de alto desempenho: um período obrigatório e prolongado de prática clínica como parte da formação inicial de professores ou do período de indução; a presença de uma variedade de oportunidades personalizadas para o desenvolvimento profissional dos professores em serviço, como seminários e workshops organizados pela escola; e mecanismos de avaliação de professores, legislados ou profundamente enraizados na prática escolar, com forte foco na melhoria contínua dos professores.
- Descentralização e liberdade de escolha
A Sedes no seu relatório carateriza o sistema escolar português afirmando que “o Ministro da Educação é o diretor de todas as escolas do país”. O que é uma realidade. Segundo a OCDE Portugal é o país com a percentagem mais elevada de decisões tomadas a nível do Ministério: 77%, contra 35% de média da OCDE. Este centralismo reflete-se em todas as áreas. É, pois, prioritário descentralizar o recrutamento e gestão dos professores e a alocação de recursos dentro da escola. Seguidamente, também deve ser dada mais autonomia à escola na organização dos estudos, reservando-se a definição dos curricula básicos ou realização de exames anuais, assim como o planeamento da rede. O Ministério deveria, assim, reduzir substancialmente as suas funções, tornando-se sobretudo um regulador, e agregador de dados e informação sobre as escolas.
Por exemplo, em média, nos países participantes do PISA 2006 e do PISA 2015, o aumento da responsabilidade da escola na seleção de professores contratados esteve associado a melhorias no desempenho dos alunos em ciências, leitura e matemática; as reduções na responsabilidade escolar estiveram associadas ao declínio do desempenho do aluno.
No atual sistema de colocação de professores o algoritmo baeia-se sobretudo no número de naos de experiência e na classificação final do curso. Não toma em conta nem as caraterísticas e avaliações da performance nem tão pouco a adequação do professor às necessidades específicas das escolas. Também deve tomar em conta as preferências dos professores, nomeadamente de residência. Este esquema nem é eficiente nem equitativo, pois as escolas com mais necessidades não são preenchidas com os docentes mais adequados. A Sedes propõe que o algoritmo seja aperfeiçoado e que produza uma short-list de, por exemplo, 5 professores por lugar, que depois seriam avaliados e selecionados pelas respetivas escolas. Depois de 4 ou 5 voltas o algoritmo terminaria com a alocação direta dos restantes professores. Este esquema deveria vigorar para os lugares permanentes e para os temporários poderia ser dada total autonomia às escolas.
Outro problema que necessita de reforma é o sistema de escolha de escola pelos pais, que não dá liberdade de escolha aos pais e não é equitativo. De facto, o atual sistema que se baseia na área de residência em torno da escola, tende a reproduzir e perpetuar o grupo socio-económico onde a escola se localiza. Para combater esta discriminação deveria impor-se uma quota de admissão de alunos beneficiários da ação escolar às escolas de um dado conselho, acompanhada de políticas de transporte pelos municípios. No restante, deveria dar-se liberdade de escolha aos pais da escola que pretendem, dando-se apenas prioridade numa outra quota aos residentes próximos. Evidentemente que dar mais liberdade de escolha aos pais implica dar mais informação pública aos pais sobre a performance de cada escola, papel que deveria ser assumido por entidades independentes ou de acreditação.
Finalmente, não há nenhuma razão para discriminar entre escolas públicas e privadas, pelo que a liberdade de escolha deveria estender-se a todo o sistema. Este esquema implica a contratualização entre o Estado e a escola privada para prover o financiamento do serviço público.
- Vai haver falta de professores no ensino pré-superior?
Portugal está no 4º lugar entre os países com corpos docentes mais envelhecidos da OCDE a todos os níveis de ensino, estimando-se que cerca de 50% dos professores se irão reformar nos próximos 15 anos. Uma evolução linear significa que todos os anos seria necessário recrutar 5 mil novos professores, sem considerar qualquer outro ajustamento.
O Quadro 1 mostra as projeções das necessidades de professores no ensino pré-superior para o período de 2022-2035, tomando em conta as projeções demográficas do Eurostat e as reformas de professores por idade, sem considerar outros fatores. Este quadro mostra uma necessidade de recrutamento anual de cerca de 3,7 a 3,3 mil novos professores.
Quadro 1
Será a formação de novos professores suficiente para preencher estes lugares? Não nos parece, sem mais do que duplicação da atual taxa de formação. Em 2019/2020 diplomaram-se 1 525 mestrandos nos cursos de docentes, segundo o relatório do CNE de 2020. Tem havido uma forte quebra na procura deste tipo de formação. Apenas 5% dos diplomados do ensino superior são educadores, o que é uma das mais baixas na OCDE. Em 2019/2020 aquela taxa era de 10% em 2011/2012 (a maior queda por área de formação (cerca de menos 6 mil inscritos).
Existem atualmente 135 instituições a oferecem este mestrado, o que implica uma média de 11 diplomados por instituição, e que mostra uma clara má afetação de recursos. É, pois, essencial, para além de atrair um maior número de alunos para a profissão de educadores, uma maior concentração na formação, fechando os cursos com menor número de alunos e de pior qualidade. Esta concentração permitiria aumentar a qualidade do ensino, melhorando a qualidade dos professores.
Existem outras duas vias de aumentar a oferta. A primeira seria a de reduzir a exigência de um mestrado (bastaria o bacharelato) para os professores do ensino pré-primário e primário, à semelhança da maioria dos países da OCDE. A segunda, ainda mais importante, é a criação de uma escola que permita durante um ano oferecer a mestres, um curso de pedagogia e especialização em matérias a ensinar, através de ensino à distância. A obtenção de um certificado permitiria concorrer aos lugares disponíveis. Este sistema vigora em muitos estados americanos.
A Holanda desenvolveu um modelo de simulação (Mirror) que permite fazer o planeamento das necessidades de professores por especialidade e grau de ensino e por região e áreas, de forma a identificar com grande antecedência, as necessidades de docentes.
D Profissionalizar e melhorar a qualidade do Ensino Vocacional
Houve nas últimas décadas um forte aumento no ensino profissional, contudo, falta qualidade, as escolas não estão apetrechas com profissionais e equipamentos adequados e a formação não responde às necessidades do mercado de trabalho. Em contraste, existem instituições, como as academias privadas onde é reconhecida a excelência deste ensino, mas em que as empresas desempenham um papel central. É, pois, necessária uma reforma profunda, em que as empresas e suas associações locais desempenhem o papel fundamental e dinamizador, criando estabelecimentos especializados para os tipos de profissão requeridos.
Outra política a desenvolver será a de recuperar cursos de ensino dual não como mecanismo de recuperação para alunos com dificuldades no percurso educativo, nem como mecanismo de formação de jovens adultos (como cursos de aprendizagem) mas como oferta educativa inspirada nas melhores práticas de outros sistemas de educação europeus.
Um dos objetivos a atingir é uma taxa de 60% no ensino profissional em consonância com o mercado de trabalho no secundário superior, com um maior envolvimento dos parceiros sociais (sindicatos e associações de empregadores). Este envolvimento deve ser real, de forma que influencie efetivamente a definição das estratégias e políticas adotadas.
É também importante introduzir maior dinamismo e reduzir os obstáculos no processo de atualização do Catálogo Nacional de Qualificações por forma a garantir a adaptação às necessidades da digitalização e automação da economia. E, introduzir maior flexibilização no acesso ao ensino superior, aumentando os vasos comunicantes entre ensino científico-humanístico e profissional a nível do secundário e de transição/acesso ao superior.
E Conclusões
Este ensaio propõe uma modernização na formulação e discussão das políticas sociais baseadas num sistema simples e transparente, acompanhando os avanços académicos e práticos, que poderia ser a base da monitorização das políticas. Primeiro, estabelecem-se objetivos agregados, o mais possível quantitativos, que definem a situação presente do setor, enquanto provedor de bens públicos, em relação às melhores práticas internacionais e qual o ritmo que se pretende de redução do(s) gap(s) na provisão do bem público. Segundo, qual o ritmo de evolução da eficiência e eficácia do setor e quais os objetivos em termos de output e input para o período em análise. Terceiro, quais as medidas de política mais importantes para atingir esses objetivos.
Estudos efetuados por Hanushek e seus associados mostram que a qualidade da educação é um fator importante de crescimento e equidade. E, a qualidade da educação está em primeiro lugar relacionada com a qualidade dos professores, a quem dedicamos a maior parte deste ensaio. Mas, como trabalhos empíricos demonstram são também essenciais políticas que reforçam a autonomia das escolas, melhoram a sua gestão, reconhecer o contributo das escolas privadas, estender a educação aos primeiros anos de idade, ou melhorar o ensino vocacional. Estas são algumas das reformas estruturais que o futuro dos nossos filhos e netos urge implementar.