Esperava que Trump ganhasse as eleições por uma pequena margem, mas não certamente que Trump e os republicanos ganhassem de forma tão decisiva pois conseguiu a Presidência, o Senado, muito provavelmente a Câmara dos Representantes, e até ganhou o voto popular por 5 milhões de votos. Foi uma vitória política incrível!

Não me devia ter surpreendido.

Algumas sondagens recentes indicam que 56%-57% dos americanos desaprovam a administração Biden/Harris e 73% consideram que o país está no caminho errado, o valor mais elevado dos últimos 35 anos. Nenhuma administração com avaliações tão negativas conseguiu alguma vez ser reeleita. Como é que poderíamos alguma vez imaginar que Harris fosse capaz de ultrapassar sentimentos tão negativos, especialmente num tão curto espaço de tempo? Era quase impossível que ela conseguisse convencer o público de que era uma agente de mudança sendo Vice-Presidente.

Tal como em 2016 e 2020, grande parte da imprensa, das sondagens, do Partido Democrata e este autor, repetiram o erro de subestimar a excecional perspicácia política de Donald Trump, o seu dom de se conseguir ligar às preocupações do quotidiano dos americanos e o impacto que a sua forte personalidade tem em grande parte do público americano.

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Ficámos ofuscados pelo nosso desprezo pela sua pessoa em causa, a sua lascívia, a vulgaridade, pela sua desonestidade flagrante, as suas condenações criminais, pela sua falta de respeito pelo Estado de direito e pela prática democrática estabelecida. Caímos na mesma armadilha que tantos outros interessados em política, tal como a campanha de Harris, ao seguir apenas as notícias de fontes dirigidas às elites instruídas. Limitámos a nossa atenção a uma visão estreita, que corresponde mais ao nosso gosto do que à realidade objetiva. Os eleitores queriam mudança. Acreditavam que a personalidade disruptiva de Trump era a única capaz de trazer a mudança (as sondagens à boca-da-urna evidenciaram que três quartos das pessoas que queriam mudança votaram em Trump).

A grande maioria dos americanos não se interessa por política. Não acompanham a retórica entre os adversários nem as questões em jogo em Washington. Votam em função da sua situação pessoal. A maioria dos americanos está a sofrer com o custo de vida, culpa a administração Biden, consideram que estavam melhor quando Trump era presidente.

Foram muitas as razões, para além da economia, que levaram certos segmentos da população a votar em Trump. Para aqueles de nós que apreciam a ideia dos EUA como um país inclusivo e que pensam que a eleição de Barack Obama, por duas vezes, tinha assinalado o nascimento de uma nova América pronta a enterrar grande parte do seu tortuoso passado racista e misógino, parece que essa visão é demasiado otimista ou, na melhor das hipóteses, demasiado precoce. De facto, muitos analistas sugerem que a eleição de Obama desencadeou uma reação que despertou o racismo subjacente da América. Trump compreendeu que existe uma fonte profunda de raiva e medo racial e anti-feminista, que ele foi capaz de explorar aberta e habilmente em seu próprio benefício eleitoral.

Os resultados destas eleições parecem também indicar que todo o eleitorado americano, incluindo os jovens, está a deslocar-se para a direita, o que constitui um problema a longo prazo para o Partido Democrata.

As consequências desta notável vitória são numerosas e importantes, muitas ainda por descobrir. Trump recebeu um mandato claro, o que lhe dá ainda mais razões para aplicar as muitas medidas que propôs. E desta vez, ao contrário de 2016, está bem preparado para assumir as rédeas do governo. Já não está rodeado de conselheiros “razoáveis”, o que limitaria a sua capacidade de pôr em prática algumas das suas ideias mais extremas. Acredito que conseguirá pôr em prática muitas das medidas que propôs: deportar um grande número de imigrantes ilegais, impor tarifas aduaneiras substanciais, reduzir ainda mais os impostos, eliminar todos as restrições ao aumento da produção de petróleo e gás nos EUA, substituir funcionários públicos competentes no Poder Executivo do governo dos EUA por fiéis crentes na sua agenda e utilizar o poder do governo dos EUA para punir aqueles que considera serem os seus inimigos, incluindo todos os que se lhe opõem. Emitirá numerosas ordens executivas, anulando muitas das emitidas por Biden e contornando o Congresso para promulgar grande parte da sua agenda.

É claro que Trump vai liderar um país profundamente dividido. Toda a sua campanha foi baseada no fomento do ódio contra o outro lado. Apesar de no seu discurso inicial de vitória ter falado em “unir a América”, podemos antever um período de continuado partidarismo negativo e de conflito entre dois polos profundamente divididos que caracterizam a América de hoje.

No momento em que escrevo este artigo, parece provável, mas não certo, que os republicanos consigam uma pequena maioria na Câmara dos Representantes, o que significa que esta câmara estará provavelmente disposta a aprovar a maioria das medidas propostas por Trump. Os republicanos ganharam o controlo do Senado, mas não por uma margem suficientemente grande para ultrapassar o requisito de 60 votos para aprovar a maior parte dos grandes diplomas legislativos, pelo que o Congresso servirá como um limite parcial à total liberdade de Trump para implementar o seu programa. No entanto, o Presidente tem um poder considerável, e podemos antecipar que Trump venha a usar plenamente todos os seus poderes para implementar a sua agenda.

A nível internacional, o Presidente tem uma autoridade praticamente ilimitada, incluindo o direito de revogar tratados. A eleição de Trump terá um enorme impacto na política externa dos EUA. É essencialmente um isolacionista, que pretende retirar-se dos compromissos internacionais, inclusivé das agências multilaterais, ao mesmo tempo que se concentra numa abordagem agressiva perante o único tema internacional de real importância para si, a rivalidade dos EUA com a China.

Claro que há duas grandes guerras, na Ucrânia e no Médio Oriente, que ele afirma poder terminar. Trump não gosta do Presidente Zelensky, que lhe fez frente ao recusar-se a investigar Biden quando Trump lho pediu em 2019 (para ajudar Trump na campanha da sua reeleição em 2020), e considera ainda que a Ucrânia é um problema europeu que os europeus têm que resolver sozinhos. Em relação a Israel, Trump admira Netanyahu e dar-lhe-á carta branca para prosseguir as suas políticas agressivas contra todo e qualquer inimigo, incluindo os palestinianos e o Irão. É claro que é concebível que a abordagem de “acordo” de Trump possa ter sucesso em acabar com a guerra na Ucrânia ou fazer progressos no Médio Oriente, como aconteceu com os acordos de Abraão promulgados durante o primeiro mandato de Trump. Isso seria bem-vindo, mas não estou otimista – a maioria dos “acordos” estrangeiros que ele tentou pôr em prática durante a sua primeira Administração não conduziram a qualquer progresso.

Paralelamente, Trump não acredita na importância da NATO. Pode não retirar totalmente os EUA da NATO (ainda pode fazê-lo), mas é provável que enfraqueça a aliança. E reduzirá seriamente o envolvimento dos EUA nos esforços multinacionais para combater as alterações climáticas. Sem a liderança dos EUA, os esforços internacionais fracassarão, o que terá possivelmente o impacto mais prejudicial para o mundo da eleição de Trump.

Entristece-me constatar que os três líderes estrangeiros que mais poderão beneficiar com a eleição de Trump são Putin, Orban e Netanyahu. Grande parte do resto do mundo verá na sua eleição, e na sua política externa isolacionista, uma aceleração do declínio da importância e da influência dos EUA nos assuntos mundiais e paralelamente um declínio da estima que tem pela América.

Antes desta eleição, havia muita preocupação de que Trump pudesse, de alguma forma, quebrar o processo de eleições democráticas que conseguiu não só eleger os presidentes dos EUA, como assegurar uma transição suave de poder durante 235 anos. Isso não aconteceu. Trump foi eleito numa eleição livre e justa, o sistema não foi testado como poderia ter sido se ele tivesse perdido. Veremos se a democracia americana, com os seus famosos “pesos e contrapesos” que limitam o poder do Presidente, continuará a funcionar bem durante os próximos quatro anos da Presidência de Trump, e daí em diante.