A década de 20 deste milénio ficará marcada por uma apatia europeia que levará a história a dizer que esta união está refém no enredo mundial onde há muito não é a personagem principal, nem secundária.
A União virou a tia solteira e moralista da família, fala, fala, fala…e não tem efetivamente voz. Todos a ignoram e seguem com as suas vidas. A Rússia continua na Ucrânia, as cadeias de produção estão sediadas na China e quando esta fecha as portas os consumidores europeus ficam órfãos dos seus bens preciosos, a transição energética está a ser feita a ferro e fogo, os extremos políticos estão a subir ao poder à conta da crise migratória…
O que mais sobressai nesta década é a falta de caráter e de integridade em várias áreas. A crise migratória é talvez a mais visível e o maior divisor de águas, muitos países recusam aceitar quotas de refugiados o que gera tensão dentro da união. A par disso, sendo um tema apenas discutido por uma fação política tornou-o difícil e levantou uma névoa sobre o mesmo, tornando-o quase tabu. O ponto é que precisamos de sentar e conversar sobre o tema.
Apesar de ter sido na década passada a crise das dívidas soberanas e a forma austera de lidar com o fenómeno, exacerbou problemas sociais e económicos, que ainda hoje, são feridas abertas, em especial nos países do sul.
As eleições europeias de 2024 levantaram questões importantes que devem ser revistas nos próximos tempos. Há um déficit democrático na Europa. As decisões importantes são tomadas por instituições que não são diretamente eleitas pelo povo, como a Comissão Europeia. Decisões essas, que influenciam o quotidiano dos cidadãos, é preciso que os mesmos sejam uma voz ativa no processo.
Por se sentir, que só uma parte avança na tomada de decisão nasce e reforça-se a preocupação: serão as grandes corporações e os interesses especiais os que influenciam a formulação de políticas na UE? A preocupação fica latente quando se fala nas políticas comerciais e nas políticas ambientais. Sobre vários acordos comerciais da UE há um coro de críticas afiançando que se beneficiam grandes empresas à custa de pequenas economias e dos direitos dos trabalhadores. Apesar de políticas ambientais avançadas, há críticas de que não se faz o suficiente para combater as mudanças climáticas, especialmente em relação a políticas agrícolas e de pesca.
É no xadrez externo que mais se ressente a fragilidade da união europeia. Há uma falta de coerência gritante que se sente na abordagem dos direitos humanos e na abordagem dos valores democráticos em países parceiros. A perceção, é que os interesses económicos, frequentemente, prevalecem sobre os princípios éticos. Prova disso, são as relações estreitas com governos autoritários quando há benefícios económicos ou estratégicos, o que é visto como uma contradição aos seus valores declarados de promover a democracia e os direitos humanos.
Depois, é o peso da máquina europeia, que lhe determina intervenções limitadas. Nas crises internacionais, a UE é frequentemente vista como lenta e inadaptada a responder às diferentes solicitações. É lenta e sem coesão a posicionar-se, seja a condenar ataques, seja a reconhecer países, seja a apoiar políticas…
Esta década parece trazer um declínio do sonho europeu, estaremos a assistir ao seu desaparecimento? Ou são apenas dores de crescimento, desta união complexa e desunida?
Quanto estaremos nós dispostos a lutar por este projeto, que tem espalhado a perceção de falta de caráter e de integridade? A Europa está refém das movimentações mundiais. Quase já não conta como peça no tabuleiro de xadrez, apenas é uma espetadora.