“Institui-se” que depois do namoro vem o casamento. Talvez porque a maioria das pessoas, depois de casar, deixe de namorar. Ou, quando muito, faça um fim-de-semana ou um jantar romântico. É por isso que, chegados a um dia como o de hoje, se comemore o namoro como um retorno, costurado com mágoa, a um lugar que já foi feliz. Como se se fosse aceitando, com subtileza, esta chamada de atenção para um bem que, a exemplo dos demais, parecesse escasso. Ou, simplesmente, que tivesse passado a estar “em vias de extinção”.

O namoro é, provavelmente, a mais preciosa reserva do que há de “natural” na natureza humana. É por isso que, hoje, ele se faz como dantes se fazia. De muitas pequenas “peças” por “encaixar”. E de conflitos entre “lados opostos” que ocupam, quase de assalto, a nossa cabeça. É por isso que o namoro contraria a curva normal. As tabelas. E os números. Os “muitos resolvidos”. E os que se amam a si mesmos. É por isso que o namoro se faz, também, de contradições e de embaraços. E de arrepios. De ebulições e suores frios. De dores; que latejam. E de apertos na alma. De nós na garganta. E de “paragens cardíacas”. De desejos que ardem. De um encantamento que sufoca. De medos que queimam. E de “porque sins”. De intuições fogosas e vadias. E da irreprimível certeza que as coincidências não são coincidências mas presságios. E é por isso que se faz, ainda, de transmissões de pensamentos. De desconcertos. E estranhezas! E de uma arrepiante desconfiança de sermos capazes de agir sobre o tempo, o espaço e a matéria. E de não ser o cosmos quem alinha os corpos. Mas que os corpos celestes somos nós. O namoro é difícil. Mas faz, estranhamente, com que a vida pareça fácil. De lés a lés! E clara. E, teimosamente, interminável; até.

O namoro faz-se de jogos e sinais. Obriga-nos a decifrar pequenos gestos. A legendar omissões. A perscrutar – como quem discorre sobre equações sem solução – o sentido mais ou menos obscuro de uma “meia palavra”. De uma omissão que entra, de rompante, por nós adentro. Ou de uma atracção que nos “aspira”.

O namoro é um “toca e foge”; quase permanente. No namoro, a amabilidade insinua-se. E implanta-se. Como uma espécie rara que – contra tudo o que seria lógico e, até, imaginável – nos poliniza e faz de nós a sua flor. O namoro é a sagração de todos os momentos. E é por isso que, com a ajuda dos pretextos que nos dá, ergue marcos sobre marcos. Seja o dia em que nos conhecemos. Ou aquele em que trocámos, furtivamente, o primeiro sinal. O dia do primeiro beijo. Ou aquele em que dissemos que “sim”. Como se todos os dias dessem mais uma razão de ser ao nosso amor. E, em todos eles, nos “descomplexássemos”. E pudéssemos ser sempre um pouco mais apanhadores de historietas. Ou criadores de patetices ternurentas. E nos apetecesse guardá-lo, preciosamente, só para nós. E, ao mesmo tempo, gritá-lo. Para toda a gente escutar o nosso amor.

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No namoro redescobre-se a amabilidade. E a gentileza. E a cortesia. E o bem querer. E o cuidar. E aprende-se a fazer de cada arrufo um céu azul.

No namoro há uma espécie de embirração, atrevida, de reconhecer. De conhecer, mais outra vez. Sempre mais outra vez. De outro ponto de vista. Que nos faz perguntar porquê e porquê. E tantos são os porquês que até o “por acaso” parece ter uma intenção e um sentido.

O namoro faz-se sem tempo. Talvez porque o namoro nos leve, pela mão, a descobrir que, no namoro, o “para sempre” é “logo ali”

É por isso que não entendo que não se assuma o namoro como aquilo que, quando não acontece, nos impede de casar. De casar com a vida. E com o amor. E – só por coincidência, claro – com a pessoa que, um dia atrás do outro, nos recorda, de surpresa em surpresa, que urgente é, mesmo, namorar.