As vacas são uns animais surpreendentes. Para além dos bifes, que muito prezo, tive três experiências marcantes com vacas que jamais esquecerei, embora nunca soubesse o que fazer com elas. Não querendo ficar para trás, os socialistas também têm sido surpreendentes (ingenuidade minha), pois invariavelmente têm atitudes contrárias ao que deles se espera assim que os iludidos os elegem. Tive também com a espécie três experiências que me marcaram. Foi com um exemplar. Mas como a história vem demonstrando que do Largo do Rato emerge um padrão, não errarei muito se generalizar. Décadas depois, todas estas experiências combinadas trouxeram-me a luz sobre o preço que socialistas e portugueses vão pagar pelas suas opções.
Em 1998, meio distraído, saía de uma livraria no Chiado quando choco de lado com um sujeito que se deslocava na direção contrária. Maquinalmente viro-me e peço desculpa. Para meu espanto o indivíduo não reagiu seguindo em frente em passinhos curtos, mas rápidos, impávido. Atónito, encolhi os ombros e voltei-me, cruzando-se o meu olhar com o olhar pasmado do segurança perante a estupefação de o primeiro-ministro da altura não se ter dignado à mínima cordialidade.
Em 2006, no aeroporto de Lisboa, seguia o mesmo engenheiro à minha frente no momento da saída por aquelas portas automáticas que, uma vez passadas, mostram inúmeras placas a dizer «Mrs Baker» ou «Herr Müller». Esta é uma daquelas alturas onde desejamos que a pessoa à nossa frente não interrompa a sua marcha, coisa que o ex-primeiro-ministro tratou de o fazer com aquele ar indolente de quem se julga credor dos restantes portugueses. Se por um lado perturbou o ritmo das saídas, por outro explicou a ineficiência que por vezes faz de Portugal um país disfuncional.
Em 2009, no aeroporto de Genebra, deparo-me outra vez com o mesmo engenheiro sentado numa fila de cadeiras por onde se pode passar, mas para o caso de alguém se levantar fica impedida a passagem. Ao dirigir-me à porta de embarque, com malícia, apostei que ao cruzar-me com o engenheiro este resolveria levantar-se. Zás, aposta ganha. Ainda por cima com o superlativo de todo o processo de preparação da maleta ter sido levado com aquela placidez pachorrenta dos irritantes e o ajeitar do casaco feito à velocidade dos processos geológicos.
Em 1992 passeava pelo cimo da Lagoa das Sete Cidades, lugar magnífico onde com facilidade se enleva o espírito aos céus e onde uma soneca sabe ainda melhor que uma vitória no Dragão. Pelo ponto mais alto decidi estender-me sobre a pastagem e gozar uma daquelas delícias que nos ficam gravadas para sempre. Já num Éden, em pleno êxtase espiritual, eis que uma vaca e sua cabeça a dois palmos da minha cara interrompe o meu idílio com um mugido que pareceu invadir todo o universo. Sobressaltado e aterrado nunca pensei que a distância do céu ao inferno pudesse ser tão curta. Uma experiência medonha.
Em 1994 saía de automóvel do topo da ilha do Faial à velocidade de 10km/h. O intenso nevoeiro e a humidade não permitiam descer mais depressa sobre o alcatrão escorregadio. Três ou quatro vacas seguiam cautelosas pela estrada paralelamente ao carro naquele seu passo natural meio desconjuntado. Conduzia de janelas abertas com as mesmas cautelas das vacas. De repente, a vaca que se encontrava junto do carro deixou de andar porque os seus cascos passaram a deslizar em resultado do piso escorregadio. E ao mesmo tempo que a vaca ia deslizando pelo alcatrão ia virando uma e outra vez a sua cabeça na minha direção soltando mugidos zangados como culpando-me pela sua insólita circunstância. Uma experiência surreal.
Ainda no século XX, na Galiza, parqueei o carro num belo pasto onde um pequeno regato houvera lançado altos e belos choupos. Satisfeito por ter encontrado um local maravilhoso para cumprir uma necessidade biológica que urgia, precipitei-me para a margem e iniciei o processo mal dando conta de que, do outro lado, a uns três metros, se encontrava uma vaca. Tarde demais. A vaca, curiosa e atrevida, resolve cruzar o regato na minha direção. Apercebendo-me da situação, vulnerável na minha condição e impossibilitado de fazer marcha atrás no processo, nervoso, noto que o meu organismo por um qualquer processo químico que desconheço ia operando indefinidamente as funções renais. Esta tarefa biológica que por norma é de curta duração ia durando eternidades, e nem os gritos de pedidos de ajuda à amada correram de feição pois de lá só se ouviam gargalhadas incontidas. Este filme terminou uns dez metros do local onde começara e quando já foi possível recolher para lugar seguro o género que o Senhor me destinou. Fugi daquele regato que espero nunca mais voltar a encontrar. Uma experiência aflitiva.
E assim cheguei a meio da segunda década do século XXI com alguns traumas mal resolvidos com vacas e consciente de que os socialistas cá estavam de novo para servirem de obstáculo ao comum dos portugueses. E não bastasse estas duas espécies isoladamente me afetarem, uma pelo terror, o insólito, e aflição, a outra pela arrogância, ineficiência, e incompetência, em 2016 o novo primeiro-ministro socialista resolveu, imagine-se, iludir os portugueses com vacas voadoras, ressuscitando na minha pessoa o espectro de pavores antigos.
Avisado, de pé atrás com o animal (a vaca, entenda-se), estava ciente das ilusões prontas a serem levadas em frente por quem acabara de receber um saquinho de amendoins do seu antecessor. Em lugar de juízo, como, por exemplo, reduzir a despesa pública e apostar na eficiência e produtividade do sector público, prometiam-se agora desmandos sob o escudo protetor do BCE e da boa conjuntura internacional. Comecei então a tremer e percebi que teria de me preparar para uma previsível queda vinda dos céus de algum bovídeo assim que a bonança terminasse, pois isto de conversa fácil casa mal com o bom senso e raramente promete coisa boa. Com muitas limitações na minha condição de cidadão, ainda consegui preparar qualquer coisinha. Com poucas limitações na condição de governo, os do governo nada prepararam. E o agora do Banco de Portugal também não.
Chegado 2022, sem mais amendoins, com a mudança dos ventos, e com a chegada da vaca da inflação, faceto, dá-me algum gozo vê-la cair dos céus e acertar em cheio sobre o espertalhão-mor que a lançou, bem como sobre todos aqueles que, com contorcionismos vários, tentam agora esconder a austeridade que vão ter de praticar durante muito tempo e que tanto juravam ser página do passado. É o preço a pagar pelos vendedores de banha da cobra que não percebem de governação por não possuírem a necessária têmpera de que a humildade, a eficiência, e a competência são credoras. Aos que acreditam que as vacas são sempre animais simpáticos, ternos, bucólicos, e que até podem voar, este é o preço a pagar por darem maiorias parlamentares a quem não está preparado para o exercício do poder.