Será que o constante consumo de informação nos vai roubar a capacidade de imaginar e substituir os nossos sonhos de conquistar? Afinal, se está a ser feito nalgum lugar, por alguém, e podemos participar virtualmente, então porque nos havemos de dar ao trabalho de sair de casa? Talvez George Lee Mallory tenha a resposta.

George Lee Mallory foi visto pela última vez em 1924 enquanto desaparecia nas nuvens do Monte Evereste. Ele terá sido, ou não, a primeira pessoa na história da humanidade a escalar a famosa montanha. Se chegou ao topo, é ainda hoje um mistério.

Antes de partir na aventura, George foi entrevistado e aquando da primeira questão rapidamente se antecipou perante o jornalista: “a questão que me vai fazer e à qual devo responder é esta: de que serve escalar o Monte Evereste? A resposta é simples: não serve de nada! Não há a mínima possibilidade de qualquer lucro, poderemos eventualmente descobrir algo sobre o corpo humano em altitude e com isso dar um pequeno contributo para estudos medicinais e é tudo. Não traremos um pedaço de prata ou ouro, nem tão pouco pedras preciosas, não encontraremos um pedaço de terra onde se possa plantar para gerar alimento, portanto, de nada serve. Se não conseguir entender que existe algo no Homem que corresponde ao desafio desta montanha e o que vai ao seu encontro, que a luta é a luta da própria vida, subir e continuar a subir, então não perceberá o porquê de irmos”.

O que se consegue reter de uma aventura como a de George é que este busca somente alegria, que afinal é o grande objetivo da vida para a maioria de nós. Não vivemos para nos alimentarmos e ganharmos dinheiro, alimentamo-nos e ganhamos dinheiro para podermos viver.

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Mallory afirmou que existe algo no homem que corresponde ao desafio da montanha. Pergunto-me, enquanto atleta, se existe algo no desafio em si e no esforço em troca de nada, nos grandes desafios inacabados que estão diante da humanidade e chamam por nós, mesmo sabendo que não representam qualquer retorno? Segundo Mallory, a resposta é simples: “procurem-na vocês”.

Em 20 anos ligado ao desporto, aprendi que o verdadeiro crescimento vem da adversidade e do desafio, de nos afastarmos do que é confortável e familiar e sair em busca do desconhecido.

Enquanto escrevo este artigo, Gustavo Ribeiro acaba de alcançar a vitória no Tampa AM, conhecido por ser o campeonato mundial de skate amador. Com esta vitória, Gustavo terá acesso a uma prova que lhe permitirá o acesso à liga mundial de skate, e é já considerado o melhor skater português de todos os tempos com apenas 16 anos! Miguel Oliveira conquistou a terceira vitória consecutiva em Moto2 numa moto não-Kalex, igualando um recorde que pertencia a Mark Márquez, podendo ser o primeiro português da história a competir no Moto GP. Frederico Morais parte para o Havai como principal candidato a rookie do ano no campeonato mundial de surf, depois de receber o prémio de melhor surfista da Europa e de uma época irrepreensível. Nenhum deles venceu o campeonato mundial, mas todos tiveram sucesso, porque simplesmente percorrem um caminho que lhes é familiar, o caminho do desconhecido, do não antes atingido em Portugal. São exemplos de alguém que saiu de casa para escalar o seu “Evereste”.

Os exemplos das exceções referidas anteriormente são reflexo de um país que vive, precisamente, de exceções. Precisamos que as nossas federações olhem para estes “Mallorys” e que promovam uma maior colaboração possível entre ambas as partes (promover as maiores sinergias possíveis entre o percurso percorrido por eles e aquela que será a sua visão do futuro nas respetivas modalidades) e que essas “ferramentas” possam ser devidamente reproduzidas e adaptadas às gerações futuras de modo a que estes resultados sejam cada vez mais “normais” ao invés de “recorrentes”, mesmo que isso não signifique vencer, mas sim superar o trabalho feito anteriormente.

A visão de Mallory representa bem o paradigma do desporto nacional, o de que é preciso sair de casa em busca do sucesso através do prémio da alegria, de fazer o inacabado seja qual for o resultado final. Então o que precisamos de fazer mais? A resposta é simples: sair mais de casa. Mesmo sem ter muitas vezes as condições mais favoráveis, condições que se podem comparar à turbulência de um forte nevão no Evereste!

Se conseguirmos decidir encarar esse desafio sem pensar nas consequências que dele advêm, vencer será apenas uma consequência da aplicação dessa filosofia mesmo que signifique não estar com uma medalha ao peito.

Diogo Ganchinho tem 30 anos, é atleta do Sporting Clube de Portugal, na modalidade de ginástica de trampolim. Estudou ciências da comunicação na FCSH da Universidade Nova de Lisboa, esteve presente nas edições dos Jogos Olímpicos de Pequim e Londres e encontra-se atualmente inserido no projeto olímpico de Tóquio 2020.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas da especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.