Não tenho simpatia particular pelo André Ventura, nem por um líder partidário em específico. Não me considero muito à esquerda nem muito à direita. Nem tenho preferência por um partido e o meu voto depende geralmente de uma apreciação das ideias e das prioridades, e não das crenças e afinidades.
Dito isto, assisti ao Presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado Português, a restringir a liberdade de expressão de um deputado, reprimindo-o por usar demasiadas vezes uma palavra.
A palavra “vergonha” não está excluída do politicamente aceitável no Parlamento. O seu uso é recorrente. Nas últimas duas legislaturas (desde 2009), foi usada 2198 vezes. Das quais, 259 pelo PS, 371 pelo PSD, 594 pelo PCP, 359 pelo Bloco, 264 pelo CDS-PP, 120 pelo PEV e 2 pelo PAN que deve ser, pelo critério, o menino querido de Ferro Rodrigues.
Mas vendo bem, duvido que Ferro Rodrigues tenha um problema específico com esta palavra. Na última legislatura, em que era Presidente da AR, a palavra “vergonha” foi usada 710 vezes. Sem uma única reprimenda. “Vergonha” não há, por isso, de ser um problema para Ferro Rodrigues. Que problema, então, tem o Presidente? Porque só reprimir este deputado? Porque o seu uso foi muito frequente?
Acredito que a partir do momento em que uma palavra está na categoria “politicamente aceitável” (para a qual a frequência é um importante critério) não deve haver limites para a sua utilização. A sua repetição mais ou menos intensa remete por isso unicamente para as escolhas oratórias dos deputados e a sua liberdade de expressão. Reprimi-la é um atentado direto a esta liberdade, ato agravado pelo facto de o deputado estar em representação dos cidadãos. Na minha ingénua visão, o Presidente da casa da democracia seria de todas as pessoas quem teria maior sensibilidade para estes temas.
Ficou também por explicar de que maneira a utilização repetida da palavra “vergonha” constitui um atentado à liberdade de expressão dos/as restantes deputados/as, argumento usado pelo Presidente da AR para limitar a capacidade do deputado em questão de defender a sua honra.
Por fim, custa-me vez partidos defensores da liberdade de expressão, que nunca deixariam esta reprimenda passar se lhes calhasse a eles e que usam centenas de vezes a palavra “vergonha”, a aplaudir Ferro Rodrigues quando este fez a reprimenda.
Porquê? Não sei, mas só me vem uma palavra à cabeça…
Os dados referidos têm por fonte os arquivos da AR.