Vamos fazer um quizz. Para crianças. Só tem uma pergunta e quem acertar ganha as eleições. Não vale ajuda do público.

Cenário: Numa era distante e num país longínquo, uns quantos partidos políticos governaram ou ajudaram a governar durante muitos anos. Ao fim de quase cinco décadas, um (grande) grupo de pessoas começou a ficar desiludida com os resultados e a sentir que os seus problemas não estavam a ser tratados. Até que apareceu outro partido que, esperto, decidiu manipular esse descontentamento usando a demagogia e ideias extremistas e perigosas. Em resposta, os partidos não quiseram oferecer aos cidadãos desiludidos uma alternativa, mas quiseram proibir o partido manipulador, como quando não gostamos que roubem a comida que deitámos fora. Os media, que informavam as pessoas, diabolizaram-no e ignoraram as queixas dos seus apoiantes, ao contrário do que faziam com os outros partidos.

Pergunta: O que fizeram estes cidadãos desiludidos?

  • Opção A: Fizeram birra e não quiseram ir votar;
  • Opção B: Viram a luz da verdade, perceberam que os seus problemas não interessavam para nada e que estavam só a ser manipulados. Alguns até viraram à esquerda;
  • Opção C: Ficaram mais desiludidos, mais excluídos e enfurecidos, e acreditaram mais ainda no que lhes dizia o partido manipulador.

Se quiser saber a resposta, veja as notícias. Estão lá todos os erros que se cometeram noutros países, embora na voz dos jornalistas se sinta a confiança de quem acredita estar no bom caminho, apesar dos resultados mostrarem o contrário.

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Quando as estações televisivas, numa altura de crise e pandemia, abrem o jornal da noite com um documentário a criticar um candidato específico em plena campanha, que ação podemos esperar dos apoiantes desse partido? Que alternativas lhes damos? Ou quando uma candidata propõe proibir o Chega e recuperar os seus eleitores para o espaço “democrático”, para onde pensa que estes eleitores vão? Na melhor das hipóteses sentir-se-iam rejeitados do espaço democrático e optariam pela abstenção. Na pior das hipóteses correriam para novos partidos extremistas que nasceriam em resposta e com ainda mais força. Ambas as opções são uma derrota para a democracia.

Se André Ventura é um incendiário, os media estão a apagar o fogo com gasolina. Quem vota Chega está insatisfeito e não sente que os outros partidos lhe deem voz. E vê no Chega a alternativa. Se o partido é censurado, silenciado ou até proibido, estamos a dizer ao seu eleitorado que não tem lugar. Que os seus problemas não importam. Em vez de os ouvirmos e incluirmos. Só com melhor integração, o populismo desaparece.

Mas não é que temos estado a fazer. Não vemos os media expor a insatisfação de muitos e procurar dar-lhes voz. Não vemos governantes a olharem para trás, pensarem no que correu mal para que exista tanto descontentamento, ou no que podemos fazer para o evitar. Não vemos a AR a lutar por uma democracia com mais participação e mais transparência. Não vemos vontade política de levar a cabo reformas estruturantes que melhorem o funcionamento da democracia. Nenhum dos remédios contra o extremismo está a ser usado.

O que se faz então? Critica-se. Só isso.

Por todos os meios, tenta-se denegrir o partido que se aproveitou desta inação. Os políticos perdem a postura e os media saem da sua suposta neutralidade, em plena campanha eleitoral, para adotarem um discurso descaradamente enviesado. E aguardamos que o sentimento de exclusão e desilusão baixe. Como?

Alguns acreditam que se luta contra o extremismo através das ideias. Como quem diz: “É a falar que a gente se entende.” Mas não creio que os cidadãos desiludidos queiram ouvir políticos discutir ideias de forma mais ou menos superficial. Querem, isso sim, ações. Não quero um Chega. Mas também não acredito que o Chega desapareça enquanto não virmos ações governativas que vão ao encontro do seu eleitorado e tratem os problemas de quem não se sente representado no atual sistema. É nisso que os media e os políticos deveriam apostar. Tudo o resto será mais uma razão de existir para o Chega.

No final do dia, todos as forças políticas querem lutar pelo povo. Até os invasores do Capitólio, mesmo que enganados e manipulados, acreditam piamente que estão a lutar pela causa certa, pelo seu país. Toda a gente defende a democracia. E o problema é mesmo esse. Ninguém a repensa. Ninguém a remenda.