No outro dia, numa conversa de café com um grande amigo, entre cervejas e depois de lhe ter dito que ia entrar num período sabático, acabámos a discutir o dinheiro que tinha juntado sagradamente e que ia investir numa viagem.

Mas a discussão não foi sobre onde sonhava ir ou que parte do mundo queria ir explorar, mas sim em ter usado a palavra investimento.

Bruce Chatwin, talvez um dos mais célebres escritores de viagem, escreveu uma coisa que me deixou a pensar muito tempo “Quando as pessoas começam a falar da desumanidade do homem para com o homem, isso significa que elas não andaram o suficiente” (“When people start talking of man’s inhumanity to man it means they haven’t actually walked far enough“, no original). Em vários dos seus livros que acabei por ler, ele fala da nossa natureza inata para nos deslocarmos, migrarmos, fazermos peregrinações ou simplesmente movermo-nos, alegando que os nossos antepassados deslocaram-se constantemente durante tantas centenas de milhares de anos que temos que ter alguma predisposição no ADN para o movimento e a viagem. E que o facto de nos termos tornado estáticos e sedentários é o que traz ao de cima o pior do ser humano.

É uma tese que tanto quanto sei não passa disso, de uma tese, mas ficou sempre comigo e foi fazendo mais sentido à medida que explorava cantos recônditos do mundo e mergulhava no mundo da literatura de viagem mais a fundo.

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Viajar é uma palavra muito ampla, daí o seu sentido ser facilmente confundido. A definição da infopédia diz que viajar é “partir de um lugar para outro, relativamente afastado; deslocar-se para um local distante; andar em viagem”. E é aqui que a amplitude do sentido da palavra viajar esmorece e se reduz porque se conseguirmos olhar de forma mais profunda, tem um outro sentido. Segundo Chatwin, a viagem não é só necessariamente o ir de um lugar para o outro, mas todas as infinitas oportunidades que acontecem nesse percurso.

Normalmente, quando se fala em viajar, imediatamente imaginamo-nos estatelados, de perna para o ar, numa qualquer praia perdida durante duas semanas. Isso também é viajar e por vezes altamente necessário e desejável. Vamos certamente acabar mais relaxados e reenergizados, mas provavelmente com pouco mais do que isso a não ser uma carteira mais vazia. Quando vamos para ver o que queremos ver, fechamos as infinitas oportunidades da viagem e aí, por muito bom que seja, será sempre um gasto.

Quando viajamos para ver o que lá está, seja fora ou dentro do nosso país, até mesmo dentro da nossa cidade, para ver o que lá está realmente, bonito ou feio, sujo ou limpo, quando vamos curiosos, de mente aberta, normalmente há qualquer coisa mais que fica connosco. Há coisas que só se aprendem a viajar, seja dentro ou fora do nosso país. Há coisas que se aprendem com os choques culturais, experimentando comidas estranhas, conhecendo pessoas tão diferentes mas exatamente com os mesmos medos e sonhos.

Não nos vai transformar necessariamente mas inevitavelmente abre-nos um conjunto de possibilidades que não sabíamos possíveis e desperta-nos, segundo Chatwin, uma qualquer predisposição genética para sermos mais humanos e desenvolvermos atributos altamente úteis.

Primeiro porque viajar para vermos o que lá está, mesmo que seja o que não queremos ver, requer coragem. Depois porque ganhamos uma série de ferramentas altamente valiosas no mundo profissional e que o mercado ou as universidades não conseguem ou não estão a desenvolver o que explica a explosão de programas de intercâmbio e de currículos especialmente desenhados para proporcionar movimento, viagem e choques culturais.

Viajar, por si só, na maior parte das vezes, é um desafio burocrático (altamente útil na vida de um adulto que tem que navegar por finanças, IRS, impostos e outras obrigações), exige mestria orçamental (gerir bem o dinheiro pode significar mais uma refeição por dia ou dormir numa cama mais fofa), pode-se reflectir numa educação “honoris causa” em sociologia, num teste divertido para aprender novas línguas, numa aventura gastronómica explosiva e potencialmente em transformar-se em amizades improváveis.

Mas sempre que se fala em viajar surge a questão do ser caro, porque é. Ou melhor, viajar não é necessariamente caro, mas exige sempre poupar dinheiro. Hoje há mil e uma formas de viajar dentro de um orçamento muito limitado, mas às vezes faz sentido olharmos para a forma como investimos o nosso dinheiro para vermos as coisas em perspectiva.

Segundo o estudo Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português, publicado em 2018 pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, ter um filho no ensino superior, em média, pode ficar perto dos 7 mil euros por ano (600 euros por mês), ou seja numa licenciatura de três anos terá de investir cerca de 20.000 euros (destinando-se cerca de 75% desse montante apenas às despesas de alojamento, transporte e alimentação).

Não estaria nunca a sugerir deixar a educação de lado para ir viajar. A educação é uma das ferramentas mais valiosas que temos ao nosso dispor, mas é um investimento brutal que muitas famílias se esforçam por proporcionar. Mas sendo assim, não fará sentido olharmos também para o viajar, assim como para a educação, como um investimento que potencia o desenvolvimento de competências essenciais e nos pode tornar melhores seres humanos, mais empáticos e mais deslumbrados pela riqueza da diversidade humana e natural?

A ideia de que viajar pode ser altamente enriquecedor, abrir horizontes, etc, não é nova, mas então porque é que viajar continua a ser visto como um gasto e não como um investimento?

João Duarte conta com experiência profissional em vários contextos, desde startups, aceleradoras a empresas sociais, em Portugal, na Índia, China, Dinamarca e Holanda. Foi nomeado Global Changemaker em 2016, top5 empreendedores sociais com menos de 30 anos na zona mediterrânica pelas Nações Unidas em 2018 e Young Leader da ASEM em 2021. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.