Não é novidade que o empreendedorismo está a ganhar cada vez mais relevância em Portugal. Ouvimos falar de unicórnios, Web Summit, de uma economia mais inovadora e resiliente e de oportunidades profissionais mais aliciantes, tudo óptimas notícias para o país.

Mas o empreendedorismo social, o seu primo direito, também tem mostrado um forte sinal de crescimento apesar de não atrair tanta atenção. Portugal criou mecanismos públicos que disponibilizam centenas de milhões de euros para financiar iniciativas socialmente inovadoras, há cada vez mais incubadoras, empresas a canalizar fundos privados para a economia social e casos de organizações sociais de sucesso nas notícias.

Mas o que é o empreendedorismo social?

Empreendedorismo social é o processo de implementação e desenvolvimento de ideias inovadoras para responder a problemas comunitários, visando um fim social e, frequentemente, também económico. O que distingue a abordagem mais tradicional da economia social e o empreendedorismo social inovador é quando é gerada uma nova resposta a um problema social, diferenciada das convencionais, que promove a autonomia e gera impacto social positivo, com utilização eficiente de recursos e com potencial de alcance universal.

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Dito isto, falar de empreendedorismo social e empresas na mesma frase pode parecer um contrassenso mas a realidade está a trocar as voltas à lógica. Aliás, até parece irónico que um empreendedor social, que trabalha nas falhas de mercado e responde a problemas sociais a que o setor público não está a responder eficazmente, se junte a uma grande corporação, conhecidas muitas vezes por pôr os interesses dos accionistas à frente de tudo. Parece irónico mas talvez seja só um reflexo do tempo em que vivemos e neste caso, só temos que festejar.

Os empreendedores sociais, essa estirpe de indivíduos resilientes que se deleitam em criar respostas a problemas sociais com uma mentalidade de sustentabilidade financeira (através da geração das próprias receitas) está a entrar silenciosamente e a embrenhar-se nos organogramas corporativos, mas porquê?

A realidade é que as empresas estão cada vez mais preocupadas com o seu impacto nas comunidades, com a sua inovação social e com as suas externalidades na sociedade. E esta preocupação não é propriamente novidade, basta olharmos para o panorama global e não é difícil reconhecermos o movimento internacional designado ESG (“Environmental, Social, Governance”) que como quase todas as tendências no mundo corporativo, tem que ter uma sigla. No fundo são três eixos de consciência e foco das empresas e o “E” (Envinonmental) apesar das suas complexidades, parece mais intuitivo e tangível, o “G” (Governance) é mais imediato, com algumas alterações estratégicas da governança interna mas o “S” (Social) é mais desafiante, precisamente por muitas vezes parecer antagónico à estratégia comercial das empresas.

Desta forma, sendo a “intervenção social” muitas vezes uma linguagem que as empresas não percebem, é aqui que entra um empreendedor social, que acaba por fazer um papel de tradutor. Que, tendo em vista a sustentabilidade financeira, explora como é que uma empresa pode tornar os seus produtos ou serviços mais inclusivos ou como pode criar novos modelos de negócio com um impacto positivo na sociedade.

E se até agora o mundo corporativo fugia a sete pés do sector social ou atirava-lhe apenas umas migalhas de caridade, agora está a querer percebê-lo e a querer embrenhar muitos dos seus princípios na sua estratégia basilar. E isso tem levado as próprias empresas a procurá-los. Há competências de resolução de problemas sociais com uma lente de sustentabilidade financeira ou criação de modelos de negócio alternativos que são altamente aliciantes para as empresas.

E este súbito interesse, para um empreendedor social, um bicho raro e casmurro, pode também ser uma oportunidade aliciante.

Primeiro porque tem ao seu dispor recursos, tempo, e uma infraestrutura por trás que demoraria décadas a construir por si.

Depois porque lhe pode trazer uma estabilidade emocional que muito dificilmente encontraria. Segundo o estudo “Are Entrepreneurs ‘Touched with Fire’?”, publicado em 2015 por investigadores da universidade de Berkeley e Stanford, nos EUA, estima-se que 72% dos empreendedores sofram de problemas de saúde mental vs 48% numa população não empreendedora. Arriscando mesmo a dizer que os números referentes a empreendedores sociais sejam ainda mais drásticos.

E por último porque, talvez num optimismo férreo, característica comum de um empreendedor social, acredita que vai conseguir que as empresas voltem a ver as pessoas por trás dos longos números dos seus relatórios de contas. Ainda bem que a esperança é a última a morrer.

Numa altura em que os atritos sociais aumentam e as alterações climáticas são cada vez mais evidentes, as empresas procuram desesperadamente responder a esses desafios. As empresas estão a mobilizar-se para endereçar problemas das comunidades envolventes e ter um impacto social e ambiental positivo, e é desta forma que um empreendedor social, esse bicho estranho, pode trazer um conjunto de ferramentas únicas para responder a esses mesmos problemas ao mesmo tempo que cria modelos de negócio alternativos que permitam à empresa escalar o seu impacto.

Espero profundamente e com um optimismo férreo de empreendedor social, que este seja um daqueles raros casamentos felizes. Daqueles que vemos às vezes no jardim, de duas pessoas que continuam a trocar uma carícia ou um olhar cúmplice já muitas décadas dentro da relação.

João Duarte trabalha em sustentabilidade e inovação social no Grupo Ageas Portugal e conta com experiência profissional em vários contextos, desde organizações de impacto, startups, aceleradoras a empresas sociais, em Portugal, na Índia, China, Dinamarca e Holanda. Foi nomeado Global Changemaker em 2016, top5 empreendedores sociais com menos de 30 anos na zona mediterrânica pelas Nações Unidas em 2018 e Young Leader da ASEM em 2021. Juntou-se aos Global Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.