A educação contemporânea enfrenta uma transformação impulsionada pela emergência da Inteligência Artificial Generativa (IAG). Para compreender o impacto desta mudança, é essencial enquadrar historicamente o desenvolvimento das tecnologias educativas. Desde o final do século XX, com a introdução dos computadores e da internet nas escolas, até às plataformas digitais e recursos multimédia no início do século XXI, a tecnologia tem moldado gradualmente os métodos de ensino e aprendizagem. No entanto, a IAG representa uma nova fase, uma inovação que transcende a simples digitalização de recursos. A tecnologia promete uma interação dinâmica e uma capacidade de personalização que nunca foram possíveis. Embora esta tecnologia seja aplaudida por uns e diabolizada por outros devido aos seus avanços, o seu potencial de disrupção levanta questões cruciais sobre como integrá-la eficazmente no sistema educativo, em qualquer nível de ensino, sem comprometer os valores fundamentais da educação. Para enfrentar este desafio, é necessária imaginação e uma mudança profunda dos modelos pedagógicos e dos métodos de avaliação, de forma a explorar o potencial transformador que a IAG oferece. A integração da IAG não pode ser um simples apêndice aos métodos tradicionais, mas sim um ponto de partida para uma renovação estrutural que permita a verdadeira transformação do processo de ensino-aprendizagem (PEA).

Nos últimos dois anos, a evolução da IAG (desde o aparecimento do ChatGPT em novembro de 2022) tem sido exponencial (atrevo-me a utilizar a expressão), com impactos que ultrapassam o domínio tecnológico, estando, espera-se, a influenciar o setor educativo. Esta realidade desafia práticas e métodos que, até então, se mostravam eficazes. A metáfora do “vinho novo em odres velhos”, presente no Evangelho de Mateus (9:17), aplica-se claramente ao contexto atual: tentar inserir uma tecnologia disruptiva em sistemas educativos obsoletos pode gerar resultados adversos, uma vez que as estruturas atuais não estão preparadas para lidar com as exigências de uma sociedade tecnologicamente “avançada”. Aplicar novas tecnologias sem a devida adaptação dos processos existentes pode ser, na verdade, mais prejudicial do que não introduzir qualquer inovação. Podemos olhar para a introdução dos computadores nas escolas nos anos 90 como exemplo. Na altura, muitos sistemas educativos adquiriram computadores e os colocaram nas salas de aula, mas continuaram a utilizar métodos pedagógicos tradicionais, sem explorar as potencialidades que esses recursos ofereciam. O resultado foi um aproveitamento limitado das tecnologias, que muitas vezes acabaram por ser relegadas ao papel de ferramentas meramente complementares, sem impacto significativo na aprendizagem. Da mesma forma, a tentativa de integrar plataformas digitais no início do século XXI sem uma formação adequada dos professores e uma mudança na estrutura das aulas resultou em frustração e resistência por parte dos docentes, que viam a tecnologia mais como uma barreira do que como uma aliada. Para que a IAG cumpra o seu verdadeiro potencial, é imprescindível criar “novos odres” — ou seja, desenvolver novos processos e promover uma mudança de mentalidade. Esta mudança exige não apenas a adoção de tecnologias, mas uma reflexão profunda sobre os objetivos fundamentais da educação – pensada de forma diferente para cada nível de ensino, e integral para todo o edifício educativo – que devem ser adaptados à realidade digital contemporânea.

O papel do professor, historicamente visto como o detentor e transmissor de conhecimento, deve ser redefinido para responder a esta nova realidade. Ao longo da história, o papel do professor evoluiu à medida que novas ferramentas e tecnologias foram surgindo. Desde a introdução da imprensa, que possibilitou o acesso mais amplo a livros e ao conhecimento escrito, até à chegada dos computadores e da internet, o professor teve de se adaptar, passando de ser a única fonte de conhecimento para se tornar um guia no acesso à informação. A IAG, ao colocar ao alcance dos estudantes uma vasta quantidade de informação e conteúdo, desafia mais uma vez a função tradicional do docente. Assim, o professor deve agora assumir um papel de mentor e facilitador, orientando os estudantes no desenvolvimento de competências críticas, criativas e éticas. A IAG, tal como a internet no passado, transforma a forma como o conhecimento é acedido e gerido. No entanto, desta vez, o impacto é ainda maior, uma vez que a IAG não apenas fornece informação, mas também é capaz de criar conteúdos, sugerir caminhos de aprendizagem e adaptar-se às necessidades dos estudantes em tempo real.

Esta transformação implica uma abordagem pedagógica que incentive a “autonomia” do estudante, promovendo práticas de aprendizagem ativa e tornando o estudante protagonista do seu próprio percurso formativo. Um exemplo dessa transformação pode ser observado na mudança do ensino tradicional, focado em aulas expositivas e centrado no professor, para metodologias mais centradas no estudante, como a sala de aula invertida e a aprendizagem baseada em projetos. Na sala de aula invertida, por exemplo, os estudantes têm a oportunidade de estudar o conteúdo previamente, utilizando recursos tecnológicos, e depois, na sala de aula, dedicam-se a atividades que promovem a compreensão profunda e a aplicação prática dos conceitos, sempre com o suporte do professor, que passa a ter um papel de mediador e facilitador.

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O professor deve fazer um acompanhamento dos estudantes quando estes utilizam este tipo de ferramentas que produzem informação, que muitas vezes apresenta problemas (viés, alucinações, etc.), ensinando-os a questionar, a avaliar a qualidade da informação e a fazer uso ético e responsável das tecnologias. Esta orientação é fundamental para que os estudantes desenvolvam a capacidade de distinguir entre informações confiáveis e desinformação, uma competência crucial num mundo onde a IAG pode gerar tanto conhecimento valioso quanto informações potencialmente enganosas. Assim, o professor torna-se uma figura essencial para garantir que o processo de aprendizagem não se resume à mera assimilação de conteúdos gerados pela IAG, mas que inclui a formação de um pensamento crítico e reflexivo.

Para que esta transição seja bem-sucedida, é necessário investir em pedagogias que estimulem o pensamento crítico e a capacidade de resolução de problemas, competências essenciais para um futuro cada vez mais automatizado. A aprendizagem baseada em projetos, por exemplo, incentiva os estudantes a trabalharem em conjunto para resolver problemas reais, aplicando o conhecimento de forma prática e colaborativa. Nesse contexto, a IAG pode ser uma aliada, fornecendo dados que ajudam os estudantes a explorar soluções criativas, enquanto o professor orienta e apoia o processo, ajudando-os a refletir sobre as escolhas feitas e a compreender as implicações das suas ações. Desta forma, a abordagem pedagógica transforma-se, colocando o estudante no centro do processo e utilizando a tecnologia como um meio para enriquecer e aprofundar a experiência de aprendizagem.

Essa transformação pedagógica requer uma mudança fundamental na forma como a aprendizagem é estruturada. Ao invés de metodologias instrucionais rígidas e unidimensionais, a nova abordagem pedagógica deve ser flexível, adaptável e orientada para o desenvolvimento integral do estudante. A IAG, por exemplo, pode permitir que o ensino seja moldado de acordo com o perfil de cada estudante, promovendo atividades que estimulem a curiosidade e a investigação. Considere-se, por exemplo, a utilização de simulações interativas em áreas como a ciência. Com o apoio da IAG, o professor pode proporcionar aos estudantes a oportunidade de realizar experiências virtuais que, de outra forma, seriam inviáveis em contextos tradicionais de sala de aula devido a limitações de recursos ou segurança. Essas simulações não só aprofundam a compreensão dos conceitos científicos, mas também incentivam a aprendizagem exploratória e a resolução de problemas de forma prática e envolvente.

Outro exemplo pode ser encontrado na integração da aprendizagem baseada em problemas, uma metodologia em que os estudantes são desafiados a resolver problemas complexos que exigem uma aplicação prática do conhecimento teórico. A IAG pode contribuir significativamente para este tipo de aprendizagem, fornecendo recursos personalizados que ajudam os estudantes na investigação e na formulação de soluções. Por exemplo, em projetos relacionados com mudanças climáticas, a IAG pode fornecer dados atualizados e modelos que apoiam os estudantes a compreender as variáveis em análise, permitindo-lhes criar soluções mais informadas e realistas. Neste contexto, o professor atua como um facilitador, orientando os estudantes ao longo do processo, incentivando a reflexão crítica e garantindo que as soluções propostas são analisadas sob múltiplas perspetivas.

Além disso, a IAG possibilita uma personalização sem precedentes do ensino, através de ferramentas que analisam dados educacionais e permitem a adaptação das estratégias pedagógicas às necessidades individuais dos estudantes. Historicamente, o ensino era padronizado, com pouca margem para responder às diferenças individuais dos estudantes. Hoje, com o apoio da IA, o professor pode conhecer em profundidade as dificuldades e os progressos de cada estudante, ajustando a sua prática pedagógica para promover um ensino verdadeiramente inclusivo e personalizado. Dessa forma, o professor deixa de ser apenas um transmissor de conteúdos e passa a ser um construtor da experiência de aprendizagem, alguém que desenha percursos personalizados e que inspira os estudantes a explorar, criar e desenvolver-se enquanto cidadãos críticos e conscientes.

A avaliação do desempenho dos estudantes também requer uma reestruturação significativa. Os métodos tradicionais, centrados na memorização e repetição de conteúdos, tornam-se insuficientes num contexto em que a IAG pode fornecer respostas rápidas e precisas. Alternativamente, deve valorizar-se a capacidade dos estudantes para resolver problemas complexos, colaborar e aplicar o conhecimento em situações reais. Competências como criatividade, empatia e pensamento crítico — intrinsecamente humanas e insubstituíveis pela IAG — devem ocupar um lugar central no processo educativo. Os modelos de avaliação, que incluam projetos interdisciplinares, trabalhos colaborativos e estudos de caso, são fundamentais para avaliar o verdadeiro potencial dos estudantes. Adicionalmente, a inclusão de práticas de autoavaliação e de avaliação pelos pares não só promove a autorreflexão e a responsabilização dos estudantes pelo seu processo de aprendizagem, como também estimula uma cultura de colaboração e de apoio mútuo entre os estudantes. Um aspeto importante desta mudança reside na necessidade de abandonar a lógica da avaliação punitiva e adotar uma lógica de avaliação formativa e construtiva. A IAG oferece ferramentas que permitem um acompanhamento contínuo do progresso do estudante, identificando áreas de dificuldade e sugerindo abordagens diferenciadas para superar obstáculos. Neste contexto, o papel do professor enquanto avaliador deve evoluir de uma postura de juiz para uma postura de guia e facilitador. O objetivo é criar um ambiente de aprendizagem que valorize o crescimento e o desenvolvimento contínuo, em vez de se limitar a quantificar o desempenho dos estudantes através de métricas rígidas e descontextualizadas.

Para que esta transformação seja possível, é essencial investir na formação contínua dos professores. Estes profissionais são fundamentais para garantir uma integração eficaz da IAG na educação, não apenas do ponto de vista técnico, mas também pedagógico e ético. A formação docente deve ultrapassar a mera capacitação técnica e abordar as implicações pedagógicas e éticas do uso da IAG, assegurando que a sua aplicação respeita os valores fundamentais da educação e promove uma aprendizagem enriquecedora e significativa. Assim, o professor deve usar a IAG como um recurso que amplifica as oportunidades de aprendizagem, e não como um substituto para o seu papel essencial na mediação educativa. Esta formação deve incluir competências para interpretar dados educacionais, para compreender os algoritmos subjacentes às ferramentas de IAG e para garantir que as decisões pedagógicas são sempre orientadas pelo respeito pela individualidade e diversidade dos estudantes.

A preparação dos professores para este novo paradigma não deve ser vista como uma etapa isolada, mas como parte de um processo contínuo de desenvolvimento profissional. À medida que as tecnologias evoluem, também as práticas pedagógicas devem evoluir, o que implica um compromisso permanente com a formação e a inovação. A criação de comunidades de prática entre professores pode ser uma estratégia eficaz para promover a partilha de experiências e a reflexão coletiva sobre o uso da IAG na educação. Estas comunidades permitem que os docentes aprendam uns com os outros, discutam desafios e identifiquem boas práticas, fortalecendo assim a capacidade do corpo docente de enfrentar os desafios associados à integração da IAG no PEA.

Além disso, as políticas públicas devem acompanhar estas mudanças. A tutela e as instituições educativas têm a responsabilidade de assegurar que as escolas dispõem das infraestruturas tecnológicas e do apoio necessário para integrar a IAG de forma plena e equitativa. A definição de diretrizes rigorosas para a utilização ética da IAG é crucial para garantir que esta tecnologia contribui para uma educação justa e inclusiva. As políticas devem promover a igualdade de acesso às ferramentas tecnológicas, assegurando que nenhum estudante seja excluído dos benefícios da IAG devido a limitações socioeconómicas. Parcerias entre escolas, universidades e empresas de tecnologia são estratégicas para facilitar a implementação da IAG, assegurando que todos os estudantes possam beneficiar do seu potencial transformador, independentemente do seu contexto de origem.

Estas parcerias podem também ser um motor de inovação, criando oportunidades para a realização de projetos colaborativos que envolvam estudantes, professores e profissionais da indústria. Ao trabalhar em conjunto com empresas de tecnologia, as escolas podem garantir que estão a utilizar as ferramentas mais avançadas e que os estudantes têm contacto com o que de melhor se faz no setor tecnológico. Este tipo de colaboração pode ser particularmente enriquecedor para os estudantes, ao proporcionar-lhes experiências de aprendizagem que são simultaneamente práticas e desafiadoras, e que os preparam para os desafios do mundo do trabalho no século XXI.

Finalmente, a transformação da educação não pode ser alcançada sem o envolvimento de toda a comunidade educativa. Professores, estudantes, pais e decisores políticos devem ser agentes ativos neste processo, contribuindo para uma visão partilhada sobre o papel da IAG na educação. A promoção de debates e workshops sobre o uso responsável da IAG é essencial para construir um entendimento comum sobre as oportunidades e os desafios que esta tecnologia oferece. O envolvimento dos pais é particularmente importante, uma vez que estes desempenham um papel crucial no apoio ao percurso educativo dos filhos. A sua sensibilização para as potencialidades e riscos da IAG pode contribuir para uma utilização mais consciente e informada da tecnologia, tanto na escola como em casa.

É, ainda, importante criar canais de comunicação abertos entre todos os agentes educativos, para que possam partilhar preocupações, expectativas e experiências. Esta comunicação transparente é fundamental para garantir que todos os envolvidos no processo educativo compreendem as mudanças em curso e se sentem parte ativa da transformação. Só através de uma abordagem colaborativa e inclusiva poderemos assegurar que a integração da IAG na educação é, potencialmente, bem-sucedida e que contribui efetivamente para a melhoria dos PEA.

Promover a adaptação do sistema educativo à realidade da IA é, acima de tudo, um compromisso com o futuro. Devemos abandonar o receio da mudança e abraçar a inovação, compreendendo que a única saudade legítima deve ser do futuro que ainda vamos construir. Esta transformação representa uma oportunidade única para criar uma educação mais inclusiva, enriquecedora e capaz de responder aos desafios do século XXI, formando cidadãos críticos e conscientes, preparados para contribuir positivamente para uma sociedade em constante evolução. É essencial que encaremos esta mudança não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de crescimento coletivo e de construção de um sistema educativo que sirva verdadeiramente as necessidades do nosso tempo. Ao fazê-lo, estaremos a assegurar que a educação não só acompanha as transformações tecnológicas, mas que também lidera o caminho para um futuro mais justo, equitativo e humano.