No âmbito da vigilância dos incêndios rurais, as Forças Armadas têm vindo a utilizar Sistemas de Aeronaves Não-Tripuladas, vulgarmente designados por DRONES. Para melhorar continuamente o conhecimento situacional proporcionado pelo emprego destes meios e apoiar a tomada de decisão, foi desenvolvido o projeto Vista Aérea sobre os Incêndios (VAI) cujos objetivos, componentes e contributos abordaremos neste breve artigo.
O VAI tem como objetivos edificar e utilizar uma capacidade de apoio à decisão na operação de DRONES, que permita às Forças Armadas, aliando diversas técnicas e tecnologias no planeamento e análise das missões de vigilância e de apoio ao dispositivo especial de combate aos incêndios rurais, aumentar o conhecimento, a eficiência e a eficácia do seu contributo para a vigilância destes eventos.
Relativamente às componentes, o VAI é constituído por módulos de: Estatística; Informação Geográfica; Simulação; Análise de Sensores e de Padrões de Missão.
O módulo de Estatística utiliza o Microsoft Excel 3651 e dados provenientes do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e das Forças Armadas. Estes dados:
- Permitem observar, no território continental de Portugal, a evolução dos incêndios no tempo e no espaço, por exemplo, a sua distribuição por distrito e por hora de ocorrência, verificando-se que existem áreas no país em que ocorrem, sistematicamente, ignições no período noturno;
- Constituíram a base de informação para um trabalho académico de investigação individual, realizado no Instituto Universitário Militar, do qual resultou uma previsão estatística experimental da ocorrência de incêndios rurais para 2022, por distrito;
- São utilizados para a análise dos percursos que os DRONES devem efetuar para maximizar os padrões de vigilância e a correspondente probabilidade de deteção.
- Permitem a verificação dos eventos reportados pelos DRONES com as ocorrências no período do voo.
O módulo de Informação Geográfica utiliza a Aplicação Quantum GIS2, que permite a visualização da informação de interesse para as missões dos DRONES, no tempo e no espaço. A Figura 1 apresenta uma rota do DRONE sediado em Beja (a azul tracejado), complementada por uma parte da rota da aeronave C-295M (a verde tracejado), nesse dia também alocada à vigilância dos incêndios rurais, mostrando as áreas de maior risco de ignição disponibilizadas pela Guarda Nacional Republicana (GNR), as áreas ardidas de 2018 a 2021 indicadas pelo ICNF3, a cobertura dos Postos de Vigia e respectiva localização referida pela Direção-Geral do Território4 (DGT), os heliportos e as áreas de vigilância, disponibilizados pelas Forças Armadas, e os pontos de água e as linhas ferroviárias apresentados pelo OpenStreetMap5 (OSM).
O módulo de Simulação utiliza o Google Earth Pro6, que permite a criação de cenários e a observação das rotas e dos elementos no solo em movimento, numa perspetiva tridimensional (3D). Na Figura 2 observa-se, em 3D, a rota percorrida pelo DRONE, visualizando-se as áreas protegidas (a verde), as áreas ardidas no passado (a amarelo e grená), bem como os incêndios detetados (a branco), (ICNF).
O módulo de Análise de Sensores e de Padrões de Missão versa a análise da deteção de incêndios, das áreas de missão, dos sensores e dos padrões de vigilância utilizados, e os respectivos resultados. Este módulo permite medir a distância entre determinados pontos da rota do DRONE e qualquer um dos incêndios ocorridos no período do voo, analisando a posição e a altitude do DRONE, bem como o impacto do relevo da localização do evento no momento da deteção (ou não deteção), para que se possa verificar a eficácia dos sensores e do padrão de vigilância e, desta forma, complementar o respectivo repositório de conhecimento.
A título de exemplo apresenta-se, na Figura 3, a vista da rota do DRONE (traço vermelho) a partir de um ponto no solo, utilizando a aplicação Google Earth Pro, que permite analisar se determinados pontos de interesse no terreno se encontram dentro do alcance visual. Desta forma, é possível observar determinados locais situados, por exemplo, em desfiladeiros ou vales profundos, que não são visíveis pelos Postos de Vigia, e garantir que são vistos, em determinados momentos, pelo DRONE. Esta possibilidade é determinante para a deteção de incêndios na fase inicial, em que o fumo não tem, ainda, dimensão suficiente para ser detetado visualmente à distância.
Este módulo, que também analisa a distância e a altitude de deteção, é igualmente determinante para otimizar os perfis de missão, através do posicionamento e da seleção de padrões eficazes de vigilância, tendentes a maximizar a probabilidade de detetar ignições. Para este efeito, foram efetuadas várias medições durante o decorrer de voos específicos, de onde se retiraram as seguintes conclusões:
- As áreas de vigilância devem ser tão próximas entre si quanto possível para otimizar a capacidade dos sensores dos DRONES e, desta forma, maximizar a utilidade do tempo de voo disponível;
- Para aproveitar, em pleno, as características do sensor térmico, a operação noturna é recomendável em áreas específicas do país.
Relativamente aos contributos, o VAI melhorou substancialmente o apoio à tomada de decisão na operação dos DRONES pelas Forças Armadas na vigilância dos incêndios rurais, da qual decorrem a:
- Definição de critérios e indicadores de sucesso, que medem o desempenho da participação das Forças Armadas nas atividades de vigilância;
- Realização de uma ação de formação a um núcleo inicial de militares, que permite às Forças Armadas, dentro do planeamento inicial da GNR, otimizar os perfis de missão tendo em conta as características dos Drones (plataforma e sensores);
- Identificação e integração de várias fontes de informação;
- Análise do ritmo das operações e dos locais a exercer ações de vigilância, em simultâneo, o que antecipa, se o envolvimento das Forças Armadas, no contexto da vigilância dos incêndios rurais, aumentar, a necessidade de um número superior ao existente de equipas qualificadas e de DRONES.
Com o mérito de ser uma iniciativa sem necessidade de investimento e utilizando ferramentas tecnológicas já disponíveis, que apoia a decisão recorrendo a dados abertos, o projeto Vista Aérea sobre os Incêndios constitui uma peça de enorme valia operacional no caminho da edificação da capacidade de DRONES, acrescentando eficácia ao contributo das Forças Armadas nas ações de proteção civil, ao serviço de Portugal e dos portugueses.
Referências:
1. Microsoft Corporation (2012). Microsoft Excel, retirado de https://office.microsoft.com/excel em 20 de julho de 2022.
2. QGIS Association (2022), QGIS Geographic Information System, retirado de http://www.qgis.org em 20 de julho de 2022.
3. Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP (2022), retirado de https://geocatalogo.icnf.pt/catalogo.html em 20 de julho de 2022.
4. Direção-Geral do Território (2011), CRIF – Cartografia de Risco de Incêndio Florestal, retirado de http://mapas.dgterritorio.pt/wms/crif?language=por em 20 de julho de 2022.
5. OpenStreetMap (2022), Dados abertos, retirado de https://www.openstreetmap.org, em 20 de julho de 2022.
6. Google (2022), https://www.google.pt/, Área em Portugal vista em Google Earth Pro, cartografia por Landsat Copernicus, SIO NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), US Navy, NGA (National Geospatial-Intelligence Agency), GEBCO (The General Bathymetric Chart of the Oceans), em 20 de julho de 2022.