Quando a minha mulher me acusa justamente de eu viver no passado, tento explicar-lhe que o presente é um lugar desinteressante. Qual o interesse que a vida de agora tem? Desconheço-o. O passado, por outro lado, é uma vida muito melhor em que recordamos coisas boas ou más mas que, sobretudo, podem ser alteradas de acordo com a nossa vontade. Gosto muito de viver no passado porque consigo mexer nele a meu favor como no presente não consigo. Recordo momentos que aconteceram e traduzo-os de acordo com as minhas conveniências de agora. O presente é um mono.
Até o futuro é preferível ao presente. Quero deixar expressamente claro que não sou uma pessoa de futuro e chego a ter algumas dificuldades com quem assim é. Mas até o futuro é preferível ao presente. O futuro, como o passado, pode ser usado com muito mais imaginação do que o presente. Com frequência projecto cenários futuros fantásticos, que me tratam bem e favorecem. No futuro consigo o que no presente não há maneira de acontecer. Tal como o passado, o futuro é um cenário moldável e dado a liberdades que o presente, abrutalhado que é, faz questão de impedir.
As pessoas do aqui e agora tendem a desinteressar-me. As pessoas reais tendem a desinteressar-me, reconheço. A realidade, que acho que é o que chamamos ao que desobedece ao poder da imaginação, tem falta de modos, falta de classe, falta de capacidade de progresso. Não sei como continuamos a tolerar a realidade quando, vez após vez, ela demonstra total desinteresse em ser sensível ao que agrada aos outros. Quem gosta do aqui e agora gosta também de ignorar que a vida podia ser muito melhor do que é. Desconfio quando vejo pessoas que não usam o livro de reclamações para se queixarem da existência.
O que isto significa não é qualquer recomendação da murmuração. O segredo contra o despotismo da realidade não é ser anti ela; é escolher as suas versões alternativas que nos são dadas no passado e no futuro. Viver no passado não é estar no presente a murmurar. Até viver no futuro, que já expliquei ser uma coisa mais potencialmente irritante, não é estar no presente a murmurar. Se há pelo menos três tipos de tempo diferentes, existentes no passado, no presente e no futuro, por que tem de ser entregue ao segundo o monopólio de viver na realidade?
Esta semana fui acusado de ser um escapista. Uma vez mais acusaram-se de algo que sinto não precisar de me defender. Será o presente um lugar do qual ninguém deve tentar escapar? Se assim for, parece-me tristemente parecido com uma prisão. Às pessoas que vivem aqui e agora recomendo a terapia da imaginação. Talvez se viva igualmente bem noutro tempo e noutra realidade, diferentes dos rigores do momento e do espaço que no imediato nos dizem respeito. Só será ficção científica não querer viver no aqui e no agora para quem tiver na ciência da realidade a certeza da ausência da ficção.