Todos os anos por esta altura, reflito sobre os resultados de mais um ano de trabalho sobre inovação e empreendedorismo, e que o ritmo do ano académico nunca me deixou. O que correu bem, o que poderia ter corrido melhor e, sobretudo isso, o quanto me inspiraram os projetos com os quais trabalhei. Afinal, essa é a melhor recompensa das muitas horas passadas a perceber e apoiar projetos de novos negócios.
E este ano dei por mim um pouco frustrada … será que não se poderia ter ido mais longe e criado ideias francamente mais inovadoras? Mas então, como inspirar esse salto de ambição?
Com as inovações tecnológicas que testemunhamos todos os dias, fará sentido continuar a ensinar as mesmas técnicas de ideação e validação de negócios? Será que a “Lean Startup” ainda tem relevância nos dias de hoje, ou será que é a própria metodologia que limita a inovação, estando já irrelevante? Dúvidas existenciais.
Regressemos à base: a metodologia-chave do ensino do empreendedorismo, que é a referida “Lean Startup”. Continuo a acreditar que começar em pequena escala e validar hipóteses passo a passo, ao longo do desenvolvimento do negócio, oferece as melhores chances de sucesso – falhar rapidamente e com perdas mínimas é melhor do que gastar anos (e uns milhões) a aperfeiçoar algo que nunca terá mercado. Mas, como fazê-lo? Entrevistas, inquéritos, landing pages, tudo isto parece tão obsoleto. Deve haver forma de fazer melhor!
Vivemos uma era digital em que o advento da Web3 representa um salto significativo de mentalidades, redefinindo as fronteiras entre tecnologia e comunidade. No centro desta convergência está a capacidade de novas abordagens orientadas para o desenvolvimento de comunidade fornecerem a tal validação essencial do mercado, garantindo que os novos negócios, produtos ou serviços não só satisfazem as necessidades dos utilizadores em tempo real, como também são continuamente aperfeiçoados com base no feedback direto e no envolvimento. Ora, este é precisamente o objetivo de Lean Startup!
A Web3, caracterizada pela sua natureza descentralizada, tecnologia blockchain e economia baseada em tokens, fornece um terreno fértil para a implementação dos princípios de lean startup de uma forma mais dinâmica e participativa. Através de organizações autónomas descentralizadas (DAOs), tokenomics e maior transparência, o marketing da Web3 permite que os clientes se tornem participantes ativos no ciclo de vida do desenvolvimento do produto, virando as estratégias tradicionais de go-to-market de pernas para o ar. E esta abordagem mais inovadora pode ajudar uma startup não apenas a sobreviver, mas a prosperar no competitivo ecossistema digital, aproveitando as perceções e o envolvimento da comunidade para obter uma validação robusta do seu mercado.
A Web3 e as suas tecnologias descentralizadas vêm complementar, ou até amplificar, de forma bastante intuitiva o modelo de lean startup, assente em ciclos rápidos de feedback, agilidade e foco no cliente. Ora vejamos:
Prototipagem Rápida e Iteração: Na abordagem lean startup, a capacidade de criar rapidamente protótipos, lançar e iterar com base no feedback do utilizador é crucial. As aplicações descentralizadas (dApps) construídas em blockchain permitem uma rápida implementação e atualizações sem a necessidade de processos de aprovação centralizados, reduzindo o tempo desde o conceito até ao mercado. Além disso, os contratos inteligentes podem automatizar muitos processos de retaguarda, permitindo iterações mais eficientes com base em regras predefinidas que evoluem através da governação da comunidade.
Integridade e transparência de dados: As qualidades inerentes à Blockchain de imutabilidade e transparência dos dados garantem que todas as alterações e iterações sejam rastreadas e visíveis, o que é essencial para manter a confiança dos primeiros utilizadores. Essa transparência permite que as startups não apenas declarem, mas mostrem inequivocamente a adesão ao feedback do cliente, aumentando a sua credibilidade em mercados competitivos.
Acesso e inclusão globais: As tecnologias Web3 podem permitir às startups acesso a um conjunto global de utilizadores, testadores e colaboradores. Ao contrário dos mercados tradicionais, que podem exigir configurações regulatórias e logísticas significativas para a expansão global, os mercados descentralizados são inerentemente sem fronteiras, permitindo que estas novas empresas testem e adaptem produtos em diversos mercados simultaneamente.
Por último, a figura das Organizações Autónomas Descentralizadas (DAOs) pode funcionar como uma estrutura avançada para envolver as comunidades no desenvolvimento e comercialização de inovação. Ao alavancar a inteligência coletiva e os interesses dos membros da comunidade, as DAOs oferecem benefícios como a tomada de decisões democrática, a defesa do utilizador incorporada no processo, e ainda grande flexibilidade e escalabilidade.
Outra componente-chave da Web3: as estruturas económicas e os incentivos concebidos em torno dos tokens. Estes podem desempenhar um papel fundamental na forma como as startups se envolvem e expandem as suas bases de utilizadores. São estruturas de incentivo, concebidas para recompensar comportamentos que contribuem para o sucesso do produto, como fornecer feedback, indicar novos utilizadores ou manter a rede. Ajudam a alinhar os interesses dos diferentes stakeholders – os utilizadores, programadores e investidores. E, ainda, permitem introduzir dinâmicas de mercado mais ou menos complexas na utilização e governação do produto. Por exemplo, os tokens podem ser utilizados para gerir a atribuição de recursos, votar no desenvolvimento de funcionalidades ou gerir o acesso a funcionalidades de níveis premium, acrescentando camadas de envolvimento que as metodologias tradicionais de teste de hipóteses não podem oferecer.
Em conclusão, a interseção destas vertentes de marketing Web3 e das metodologias de lean start-up tem todo o potencial de criar um ecossistema dinâmico onde as tecnologias descentralizadas não só apoiam, mas otimizam ativamente cada fase do processo lean. Desde a melhoria das iterações do produto com a blockchain até à utilização de DAOs para uma governação democrática do processo, e ao aproveitamento da tokenomics para envolver uma base de utilizadores em crescimento, a Web3 pode muito bem ser o futuro da forma como as startups inovam e chegam ao mercado.
E, quem sabe, pode ser esta a fonte de inspiração que precisamos para gerar novos negócios mais criativos, inovadores e ambiciosos. Venha o próximo ano!