O que é que têm em comum os tsunamis e as carraças? São dois assuntos que estão a ser estudados por entidades portuguesas financiadas com dinheiros da Europa para ciência e investigação – a pasta que agora está entregue a Carlos Moedas.
“Procuramos aprofundar os conhecimentos sobre mecanismos de geração de tsunamis e as diferentes causas que lhes dão origem como sismos de forte magnitude, erupções vulcânicas, deslizamentos de terras submarinas”, explicou ao Observador Maria Ana Baptista, coordenadora científica do projeto Astarte – Avaliação, estratégia e redução do risco de tsunamis na Europa -, que estuda a região nordeste do oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo. Este projeto inclui, não só modelos de previsão e sistemas de alarme, mas também a análise da capacidade de resistência das populações.
O projeto, coordenado pelo Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) teve início a 1 de novembro de 2013 e vai desenrolar-se durante 36 meses, em locais chave: Sines, em Portugal, Tanger, em Marrocos, mais seis localizações no mar Mediterrâneo e uma na Noruega. O financiamento europeu de seis milhões de euros, atribuído no âmbito do sétimo programa quadro (7ºPQ), será distribuído pelos 22 parceiros europeus (os outros quatro parceiros são norte-americanos ou japoneses), incluindo o IPMA e outro parceiro português, a Fundação da Faculdade de Ciencias da Universidade de Lisboa. “Este orçamento destina-se a pagar [por exemplo] bolseiros de investigação, cruzeiros de investigação no Atlântico e Mediterrâneo e experiências de laboratório”, explica a investigadora do IPMA.
Os tsunamis não são um problema exclusivo do Pacífico, onde a atividade sísmica é maior. Torna-se um problema global quando causa um acidente ambiental, como as explosões e libertação de radioatividade na central nuclear de Fukushima, no Japão, depois do tsunami de 2011. Ou quando o número de vítimas é elevado e atinge cidadãos de várias nacionalidades, como no caso do tsunami de Sumatra, na Indonésia, em 2004 – a Alemanha e a Suécia tiveram o maior número de perdas humanas devido a uma catástrofe natural.
Embora existam na Europa fenómenos geológicos que podem provocar um tsunami – onda gigante causada por um sismo submarino -, como falhas geológicas ativas ou vulcões, a probabilidade é muito reduzida: estima-se apenas um grande tsunami por século na região, lê-se na página do projeto Astarte. Ainda assim, após o tsunami de 2004, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) criou um Programa Tsunami na Comissão Internacional de Oceanografia com vista a implementar um sistema de deteção precoce de tsunamis e medidas de prevenção junto das populações.
O IPMA tem colaborado com outros projetos relacionados com a investigação em tsunamis como o Nearest, Swim ou Tridec, do 6ºPQ ou o Geo-Seas no 7º Programa Quadro do Quadro Comunitário de Apoio 2007-13. Os dados geológicos e geofísicos do projeto Geo-Seas foram recolhidos em 26 pontos diferentes com a colaboração de 17 países parceiros. Outros projetos que cabem na área de atuação do IPMA incluem os que estão relacionados com o clima e as alterações climáticas ou a segurança alimentar de produtos marinhos. No âmbito do novo programa de financiamento europeu Horizonte 2020 (sucessor do 7ª Programa Quadro) candidatou-se a um projecto sobre alterações climáticas e subida do nível do mar liderado pela Universidade Técnica do Médio Oriente, na Turquia.
Para Maria Ana Baptista a maior dificuldade encontrada nos projetos europeus é a necessidade de estar presente em várias reuniões. “A preparação destes projetos requer alguma participação em reuniões [de parceiros], em particular quando se é coordenador. É muito difícil financiar essas reuniões, mas não participar significa ficar fora do consórcio.” Dificuldades que têm de ser ultrapassadas. Neste momento o IPMA também coordena o projeto EcSafeSeaFood que pretende avaliar os principais poluentes dos alimentos marinhos e que decorrerá até 2017.
Vender as inovações nascidas na academia
“Passar [as ideias] do laboratório para o mercado muito mais rápido do que alguém poderia imaginar” é um dos objetivos do atual programa de financiamento europeu – Horizonte 2020 – que vem substituir o anterior 7º Programa Quadro. Nos próximos sete anos – de 2014 a 2020 – serão disponibilizados 80 mil milhões de euros para a investigação, contra os 50 mil milhões concedidos no programa anterior. Caberá a Carlos Moedas, ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, distribuir esta verba pelos Estados-membros.
Dentro do atual programa de financiamento europeu, as instituições científicas ou empresas podem concorrer em várias áreas como energia, ambiente, cooperação internacional ou ciências sociais e humanas, entre uma lista de mais de 20 áreas. A Stab Viva foi a primeira empresa portuguesa a ver uma candidatura aprovada no âmbito do SME Instrument, que vai destinar cerca de três mil milhões de euros a Pequenas e Médias Empresas (PME) inovadoras.
O projecto easierNGS conseguiu um financiamento de 50 mil euros, cerca de 1% do que foi atribuído no ano passado a projetos de investigação e inovação portugueses (num total de 553 milhões de euros). O objetivo do projeto, tal como a missão geral da empresa, é criar novas ferramentas biotecnológicas e colocá-los no mercado, neste caso, “trata-se de uma nova abordagem para realizar testes genéticos mais rápidos e com menores custos”, explicou ao Observador Gonçalo Doria, gestor de projeto na empresa.
“O financiamento da Comissão Europeia para este projeto destina-se a desenvolver um estudo de viabilidade que inclui também a criação de um plano de negócios relativo à ideia do projeto apresentado. Nomeadamente, serão feitos investimentos em estudos de mercado, propriedade intelectual, temas regulatórios, entre outros”, esclarece o investigador.
A Stab Vida, enquanto coordenadora, tem também uma candidatura submetida sob o tópico “Novas biomoléculas derivadas marinhas e biomateriais para a indústria” – um projeto que junta 20 parceiros europeus, incluindo a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Para o Horizonte 2020, a empresa conta preparar outras propostas relacionadas com as áreas de negócio da empresa: sequenciação de ADN (ordenação e identificação das moléculas que compõe a porção de ADN analisada), diagnóstico clínico e molecular e terapia génica.
O novo programa de financiamento europeu promete reduzir a burocracia para que “os participantes se possam concentrar naquilo que é realmente importante”, lê-se na página oficial, uma tentativa de resolver uma das principais dificuldades nas candidaturas anteriores. “O processo de submissão pode ser algo complexo, principalmente para quem não tenha experiência prévia na candidatura a este tipo de projetos”, confirmou Gonçalo Doria, acrescentando que com o “apoio dos Pontos de Contacto Nacionais (como GPPQ – Gabinete de Promoção do 7ºPQ), essa complexidade acaba por ser facilmente ultrapassada”.
A empresa, criada em 2001 por três investigadores, tem já uma longa experiência de financiamentos europeus, sempre com o objetivo de “facilitar ao máximo o dia-a-dia dos clientes: médicos, clínicos, pacientes e cientistas”. O projecto LungCard, com um orçamento de 1,5 milhões de euros, pretende desenvolver um diagnóstico “mais barato, rápido e fiável” do cancro do pulmão, permitindo encontrar a terapia mais adequada a cada doente e com menos efeitos secundários.
Também com o objetivo de obter um melhor e mais rápido diagnóstico, neste caso para a doença de Lyme – uma infeção bacteriana transmitida pela picada de Tsnu-, a equipa desenvolveu o projeto Hilysens. Com a ambição de “trasladar os excelentes resultados obtidos da investigação efetuada no primeiro projeto para um produto final de mercado, clinicamente validado”, está em curso a continuidade do projeto – Hilysens II -, informou o investigador.
Ainda sem validação para humanos, mas com resultados promissores em modelos animais está o projeto NAD, onde, ao longo de cinco anos e com um financiamento de 15,4 milhões de euros, se desenvolveram nanopartículas para detetar e tratar a doença de Alzheimer. Como? “Removendo a [proteína] beta-amilóide que se deposita no cérebro humano e que forma as denominadas placas senis, consequentes desta patologia [Alzheimer]”, explicou Gonçalo Doria.
Sediada no Monte da Caparica e com alguns laboratórios na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a Stab Vida tem ainda uma base comercial em Madrid, uma sucursal no México e um distribuidor em Israel. Trabalha sobretudo na Península Ibérica, mas “as exportações representam já 50% do seu volume de negócios, com clientes noutras partes do mundo, nomeadamente, Angola, Cabo Verde, Nigéria, Chile, Brasil, entre outros.” Este ano, a empresa conta crescer pelo menos 15% em vendas.