Um dos pareceres entregue pelo ex-presidente do BES (Banco Espírito Santo) ao Banco de Portugal defendeu que a transferência feita pelo construtor Guilherme Moreira para Ricardo Salgado, e que foi descrita como uma liberalidade (prenda) “não afeta idoneidade deste último, em primeiro lugar, por ter sido efetuada no âmbito de uma relação pessoal (fora, portanto, dos padrões de conduta profissional descritos no regime geral das instituições de crédito e, em segundo lugar por não ter dado lugar a condenação pela prática seja de que crime for”.

Esta conclusão faz parte do parecer de Pedro Maia, jurista que contestou em carta, a leitura feita pelo governador do Banco de Portugal quando concluiu, na sua audição no parlamento, que o supervisor não tinha poderes legais para retirar a idoneidade a Ricardo Salgado, o que na prática o afastaria do cargo de presidente executivo do Banco Espírito Santo. Em resposta à carta enviada pelo jurista, que suscitou acusações dos deputados da comissão de inquérito ao BES em relação ao testemunho de Carlos Costa, o governador explica que a referência aos pareceres foi feita em termos genéricos e não relativa a atos específicos, e que “não teve qualquer intuito, como decerto reconhecerá, de comprometer ou embaraçar os professores que os subscreveram”.

O governador, que será novamente chamado à comissão de inquérito para esclarecer aparentes contradições, pede ainda para divulgar os pareceres entregues por Ricardo Salgado, segundo os quais o então presidente executivo continuava a preencher o critério da idoneidade para se manter no cargo.

Na carta que enviou ao governador e à comissão, o jurista sublinha que quando se pronunciou sobre a idoneidade de Salgado, em novembro de 2013, não eram conhecidas suspeitas e irregularidades entretanto atribuídas à antiga administração do BES. Pedro Maia considera ainda que o regulador tinha já à data poderes para substituir o então presidente do banco.

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Na resposta a esta carta, o Banco de Portugal cita o parecer do jurista, dizendo que se refere apenas “à apreciação da transferência de uma quantia de 8,5 milhões de euros feita pelo Senhor José Conceição Guilherme em benefício de Ricardo Salgado”. Este parecer, diz a carta do governador, pressupõe uma interpretação restritiva dos poderes do Banco de Portugal, não só por invocar a não existência de uma condenação, mas por considerar ainda que mesmo em caso de pagamento de serviços de consultoria, essa transferência “não permitiria fundamentar um juízo negativo de idoneidade”.

Salgado justificou às autoridades este pagamento como uma liberalidade (prenda) atribuída pelo empresário, que era cliente do BES, pelos conselhos recebidos do então banqueiro relativos a negócios em Angola. Segundo o livro “O último banqueiro”, de Maria João Gago e Maria João Babo, estas transferências atingiram 14 milhões de euros.

A resposta de Carlos Costa a Pedro Maia, que seguiu também para a comissão de inquérito, justifica a interpretação limitada dos poderes do Banco de Portugal não só com a jurisprudência do tribunal administrativo, segundo as quais seria necessária uma condenação para retirar a idoneidade, mas também pelo de uma visão mais abrangente desses poderes “não ter o apoio da opinião académica.”.