A concretização das exigências do recém-eleito Governo grego é “absolutamente impensável”, acredita Jaime Gama. O ex-Presidente da Assembleia da República (AR), no programa “Conversa à quinta” do Observador, desvalorizou as reais possibilidades de Tsipras conseguir levar a bom porto o perdão da dívida pública grega, a principal bandeira do Syriza.
“A Grécia poderá conseguir alguma coisa para salvar a face. Mas não vejo que seja algo mais do que uma extensão do prazo [do pagamento da dívida] ou uma facilitação em relação às taxas de juro. Quanto a um perdão da dívida, parece-me completamente fora de causa. Como também me parece fora de causa que a Grécia seja suscetível de perseguir um caminho inteiramente autónomo sem supervisão da troika ou das instâncias europeias. Isso parece-me absolutamente impensável”, defendeu Jaime Gama.
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O antigo Presidente da AR acredita que o atual ímpeto do Syriza vai esgotar-se quando as dificuldades de financiamento nos mercados se sucederem e quando a crise provocada por um eventual rasgar do memorando sufocar o país.
“[A Grécia] é um país que tem liquidez no sistema bancário para dois meses; que tem os depositantes a realizarem fugas massivas de depósitos; que em duas semanas viu as ações dos bancos perderem 50% de valor em bolsa; que tem as taxas de juro da dívida a subir; que tem, ainda, de renegociar em breve um pacote completo; (…) e que agora aposta em prosseguir num caminho de recuperação da despesa pública, com responsáveis governamentais a dizerem que não reconhecem o memorando, nem a troika? (…) Vai passar por alguma turbulência, seguramente”, afirmou.
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Perante este cenário, e a manterem-se as exigências e as medidas já anunciadas por Tsipras – como, por exemplo, aumentar o salário mínimo para 751 euros -, só “uma máquina de fabricar moeda falsa” salvaria a Grécia da bancarrota, sublinhou Jaime Gama com ironia.
Uma posição partilhada, aliás, por Jaime Nogueira Pinto, professor universitário, antigo diretor do extinto O Século e, também ele, comentador na rubrica Conversas à Quinta, do Observador. Jaime Nogueira Pinto descreve as exigências de Tsipras como uma “utopia”. “Parece-nos, não querendo caricaturar, um bocadinho utópico. Como é que se vai pagar tudo aquilo?“, questionou.
Além disso, Jaime Nogueira Pinto não acredita que a Grécia tenha uma posição tão forte como julga ter no palco das negociações europeias, até porque a Alemanha não está sozinha na posição assumida de não aceitar qualquer perdão da dívida – países do sul da Europa, como Portugal e Espanha, não estarão dispostos a custear decisão dessa natureza. Mais: uma reestruturação da dívida pública grega levantaria “questões de equidade” com repercussões “muito graves” em toda a União Europeia (UE). “Não sei se a Grécia tem essa força de David em relação ao Golias alemão”, defendeu o professor universitário.
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Quanto à pergunta que tem dominado a agenda política europeia, ou seja, se a vitória do Syriza vai contagiar e alterar o panorama político europeu, com a ascensão de partidos anti-europeístas, seja à direita (Frente Nacional, em França), seja à esquerda (Podemos, em Espanha), Jaime Gama e Nogueira Pinto foram claros: o clima de euforia vai esgotar-se em breve. “O chamado contágio grego dentro de três meses será muito diferente do que é hoje e do que foi há quatro dias“, avisou Jaime Gama, referindo-se à eventual derrota de Tsipras nas negociações com a UE.
O braço-de-ferro com a Alemanha e aproximação à Rússia
Num momento em que se assiste ao braço-de-ferro entre gregos e alemães em várias frentes – desde logo, com a questão do perdão da dívida pública, mas também com a recusa da Grécia em aprovar novas sanções à Rússia -, paralelamente está acontecer uma aproximação entre Atenas e Moscovo – o ministro das Finanças russo admitiu, na quinta-feira, ajudar financeiramente a Grécia, algo que poderá ter repercussões na diplomacia europeia. Jaime Gama, no entanto, desvalorizou a hipótese de a Grécia usar o “dossiê Rússia” como chantagem para obter a reestruturação da dívida.
“Isso é ficção e muito irreal. Veja isso já foi feito em tempos anteriores pelo Pasok, com Andreas Papandreou, quando provocou muitas interrogações na NATO ao negociar a aquisição de um sistema de mísseis à antigo União Soviética (…) Portanto, esse flirt com a Rússia, que é também feito pelo Chipre, é uma constante daquela zona”, ou seja, “não é por aí” que a Grécia vai ser bem-sucedida.
Mas, uma coisa é certa: Tsipras quer marcar uma posição. O primeiro ato oficial do novo chefe de Governo da Grécia foi uma visita a um memorial da resistência grega durante a Segunda Guerra Mundial, algo entendido pelos dois comentadores como um ato de desafio, mas meramente “retórico”, tal como sublinhou Jaime Gama.
“Penso que é muito retórico. Os advisers do Tsipra devem-lhe ter inoculado a ideia de que os alemães fatalmente acabarão por se render e que entram em perturbação sistémica quando ouvem alguém dizer que eles são nazis ou neonazis. O que está a fazer o Governo grego é uma tentativa de desafio retórico para testar a posição alemã”.
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