Tinha viagem marcada, de Paris para Lisboa, para quinta-feira. Mudou para sexta-feira à tarde e voltou a mudar para sexta-feira à noite. Como justifica estas alterações? Admite que possa ter levantado suspeitas à investigação?
Na 5ª feira, das 17 às 19 horas, participei num seminário académico na escola doutoral de Sciences PO. Essa foi a razão pela qual mudei o regresso de Lisboa de 5ª para 6ª feira. Já na 6ª feira, a alteração do meu voo de regresso a Lisboa deveu-se à deslocação do meu advogado a Paris para uma reunião comigo que não estava inicialmente prevista. Francamente, não percebo que suspeitas essas alterações possam justificar. (…)
No dia da sua detenção o seu advogado enviou, de Paris, um email ao diretor do DCIAP. De que se tratava? Que consequência teve esse email?
Às 15h54 do dia 21 de novembro (horas antes da minha detenção à chegada ao aeroporto, com todo aquele espetáculo mediático), o meu advogado enviou um e-mail ao Diretor do DCIAP comunicando a minha vontade de ser ouvido neste processo o mais rapidamente possível (depois das buscas em casa do meu filho e da notícia da detenção de pessoas que me são próximas não era preciso ser adivinho, nem ter informações privilegiadas, para calcular que havia um processo contra mim). (…)
Isso mesmo foi reiterado pelo meu advogado por contacto telefónico no mesmo dia, tendo o Diretor do DCIAP garantido que iria transmitir imediatamente o pedido, por mensagem telefónica, ao Procurador Rosário Teixeira. (…)
O que é absolutamente extraordinário é que esse e-mail, enviado às 15h54 do dia 21, só tenha sido oficialmente recebido às 16h04 do dia 25, já depois de decretada a prisão preventiva, sustentada, entre outras, nessa alegação absurda do “perigo de fuga”. Esse pequeno truque – ignorar o e-mail e sustentar o perigo de fuga – é muito revelador. Ainda estou à espera que o sr. Diretor do DCIAP se digne explicar o que se passou.
A sua defesa tem insistido que não existem fortes indícios de crimes no processo. Mas há uma pergunta que toda a gente faz: será possível imaginar que a justiça prenda alguém sem provas minimamente sólidas? Ainda para mais se esse alguém foi um primeiro ministro deste país?
(…) É cada vez mais claro que neste caso se prendeu para investigar. O que aconteceu aqui foi uma total precipitação de quem estava tão cego pela sua intenção persecutória ou tão convencido da sua teoria e das suas presunções que avançou sem provas ou sequer fortes indícios de quaisquer crimes. Aliás, as próprias “fugas” ao segredo de justiça, apesar do enorme esforço dos jornais do costume, mostram que este processo assenta muito mais em teorias e presunções do que em provas e indícios concretos.
É por isso que esta prisão preventiva é abusiva, desproporcionada e ilegal. A minha esperança é que se perceba que, neste caso, salvar a face da Justiça não é o mesmo que salvar a face do Ministério Público. Salvar a face da Justiça é ter a lucidez e a coragem de garantir, neste como em todos os casos, o respeito integral pelos direitos fundamentais e pelo Estado de Direito.
Enquanto primeiro-ministro alguma vez tentou beneficiar empresas ou empresários com os planos de investimento lançados pelos seus Governos? Em concreto, ajudou, de alguma forma, os negócios do Grupo Lena, mesmo depois de deixar o Governo? Se o fez recebeu algo em troca?
Nunca, em nenhuma circunstância, durante todo o tempo em que exerci funções governativas, tomei qualquer iniciativa, directamente ou através de terceiros, para favorecer as empresas do Grupo Lena ou do meu amigo Carlos Santos Silva. (…)
É verdade que em Setembro de 2014 telefonou para o vice-presidente de Angola a interceder pelo Grupo Lena? Organizou ou tentou organizar um encontro entre as partes? Qual a razão?
Quanto ao telefonema para o vice-presidente de Angola, é verdade que, já neste último verão, vários anos depois de ter saído do Governo, num almoço com o meu amigo Carlos Santos Silva e um dos administradores do Grupo Lena, foi-me perguntado e pedido se podia diligenciar para que essa empresa fosse recebida pelo sr. vice-presidente de Angola. Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras.
Afonso Camões, então administrador da agência Lusa, admitiu que o avisou em Maio de 2014 que estava a ser investigado. Qual foi a sua reacção e o que fez com esta informação?
Tenho bem presente essa conversa com Afonso Camões. (…) Essa conversa ganha, hoje, outra relevância, tendo em conta o que entretanto se passou. Desejo contar essa pequena história mas quero fazê-lo, em primeiro lugar, no sítio próprio: no processo, já aberto, de violação do segredo de justiça. Tendo já comunicado à Sra. Procuradora Geral esta minha disponibilidade, aguardo que me convoquem para prestar declarações.
Mas não disfarcemos. O facto mais importante é a denúncia que Afonso Camões fez, que é gravíssima. Ela significa que, ao menos neste caso, as violações do segredo de justiça vieram precisamente daqueles a quem compete fazer justiça e aplicar lei.
Quanto às “fugas” mais recentes ao segredo de justiça que continuam de forma sistemática, incluindo sobre o teor de escutas políticas que seria suposto estarem guardadas num cofre por serem irrelevantes para o processo (…) já que me perguntam por factos, deixo aqui alguns:
1º facto: este processo está à guarda do Procurador e do Juiz.
2º facto: todas as “fugas” ao segredo de justiça, como se vê, têm sido favoráveis à acusação.
3º facto: um director de jornal escreveu expressamente num editorial que os jornalistas obtêm informações deste processo junto dos próprios responsáveis pela investigação.
(…)
Perante estes factos, o que me espanta mais é o silêncio. Este silêncio é verdadeiramente impressionante. (…)
O seu advogado, João Araújo, tem a convicção de que o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre foram fontes de informação de órgãos de comunicação social. Tem a mesma opinião? Baseada em que factos?
A questão das violações sistemáticas do segredo de justiça não pode ser dissociada da questão das minhas intervenções públicas. Sou obrigado a defender-me na praça pública porque é também na praça pública que estou a ser acusado e julgado. (…)
E não é só a violação do segredo de justiça, são as mentiras: malas de dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num cofre que nunca foi meu; e agora um fundo que eu teria para “esconder” os imóveis que nunca tive. Tudo invenções e mentiras. (…)
Em declarações anteriores confirmou que “face a algumas dificuldades de liquidez que atravessei em certos momentos (…) recorri várias vezes a empréstimos que o meu amigo Carlos Santos Silva me concedeu para pagar despesas diversas”. A PGR disse, em comunicado, que o inquérito está a investigar “operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível”. Consegue justificar todos esses movimentos suspeitos? Tendo admitido dificuldades de liquidez, por que razão optou por um estilo de vida tão dispendioso?
Tínhamos de acabar aqui: no meu “estilo de vida”, que dizem “dispendioso”, na crítica de costumes e no julgamento moral que inspira desde o início toda a campanha do “Correio da Manhã” contra mim. Não admito, nem alimento, esses julgamentos. Nem sequer para comentar a mesquinhez dos que acham que é um “luxo” tirar um mestrado em Sciences Po ou ter filhos a estudar numa escola estrangeira.
Quanto aos movimentos financeiros alegadamente “suspeitos”, já expliquei o essencial que havia a explicar: o engº Carlos Santos Silva fez-me empréstimos que sempre tencionei e tenciono pagar. Essa é a verdade e não constitui crime, nem aqui nem em lado nenhum do Mundo. Por outro lado, ao contrário do que se pretendeu fazer crer, não há nenhuma contradição entre a existência desses empréstimos e o outro que também contraí, e entretanto paguei, junto da Caixa Geral de Depósitos.
Tal como o facto de ter tido dificuldades de liquidez num certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas. (…)
Por isso, pondo de lado as teorias, as presunções, a coscuvilhice e os julgamentos morais (…), há talvez uma pergunta a que a acusação deveria nesta altura responder: afinal, onde é que estão as famosas “provas” ou os “fortes indícios” dos crimes que me imputam? E, ao certo, de que crimes concretos é que estamos a falar? É essa a resposta que falta. E, enquanto faltar, nem esta prisão preventiva se justifica nem este processo pode ter futuro.
Esta é a versão resumida da entrevista, no registo preciso das perguntas feitas pelo jornalista Anselmo Crespo, da SIC. Se quiser ver a versão integral dessa entrevista, fica aqui o link.