Foi Ricardo Salgado, como seu “conselheiro principal”, que disse a José Guilherme, o empresário da construção civil, para investir em Angola. De lá para cá, a relação entre empresário e banqueiro intensificou-se ao ponto de, no final de 2012, a dívida ao BES ser de 204 milhões de euros. Tudo porque o BES era “o principal” banco do empresário. Nas respostas que enviou à comissão de inquérito à gestão do BES e do GES, José Guilherme conta que muitas vezes pagou “comissões”, mas recusa responder sobre a alegada prenda que deu a Salgado no valor de 14 milhões de euros. No entanto, explica como é que lucrou 15 milhões de euros num negócio com uma empresa do grupo.

A relação entre José Guilherme e Ricardo Salgado era estreita. Num lapso de escrita, mas que pode ter significado, José Guilherme diz que “tinha relações com o BES que era o principal banqueiro”. Se o BES era o “principal” banco, o banqueiro era de certeza Salgado. Pelo menos, foi o ex-presidente do BES que, quando o empresário quis investir noutros mercados do setor imobiliário e da construção, em 2006, o aconselhou a seguir os caminhos de África e não do leste europeu:

“A conselho do Dr. Ricardo Salgado, que me chamou a atenção para as dificuldades que poderia enfrentar nesses mercados e me aconselhou a ponderar Angola, e também porque não sei falar outra língua que não seja o português, acabei por me decidir por Angola”, conta nas respostas que enviou aos deputados.

Mas a relação entre o empresário e o banco (e o Grupo Espírito Santo) não ficou por aqui. Salgado pediu, e o verbo é escolhido pelo próprio empresário, para que este fizesse negócios com outras empresas do BES e do GES. “Além da relação de banco/cliente estabeleci, muitas vezes a pedido do BES e do GES, relações de negócio com diversas entidades, algumas do próprio GES e com entidades terceiras”. Tudo porque, conclui, via “o BES e o GES como verdadeiros parceiros de negócios e sei que era assim que aquelas entidades também me viam.

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Um negócio de 15 milhões

A parceria de negócios ia além do coração do grupo BES. De acordo com as respostas enviadas à Comissão, José Guilherme confirma que fez parte do negócio das Torres Sky, em Luanda, sobre o qual pendia a suspeita de que tivesse daí retirado importantes mais-valias. Confirma-se. Só em compensações pela revogação do contrato de participação na empresa, recebeu mais de oito milhões de euros, além de reaver o investimento que lá tinha feito (6,6 milhões). Ou seja, recebeu por compensação mais do que investiu.

Por partes.

A dada altura (não é dito quando), José Guilherme entra com 6,6 milhões de euros na ESCOM Real Estate limited, que ia construir as Torres Sky. Fez este investimento “a pedido” do BES e do GES, como respondeu anteriormente, através de duas empresas que detinha, a Vergui e a Guimavi. As torres são construídas mas antes de serem vendidas a empresa revoga o contrato de aquisição da participação de José Guilherme. Ou seja, a ESCOM pediu para que o empresário saísse da sua estrutura acionista. Perante isto, José Guilherme pede para para lhe serem pagos dois valores:

1 – A devolução do valor que lá tinha investido de 6,640 milhões de euros (7, 2 milhões de dólares);

2 – Compensação pela revogação do contrato no valor de 5,34 milhões de euros à Vergui e 2,9 milhões de euros à Guimavi, perfazendo um total de 8,2 milhões de euros

Entre a entrada e saída do empresário da Escom não se sabe quanto tempo medeia. Apenas que saiu antes da empresa ser vendida. José Guilherme explica que lhe pediram para sair da Escom porque esta “iria ser vendida e não queriam que as sociedades participadas da mesma tivessem acionistas diferentes daqueles que eram os acionistas da própria Escom”. Foi depois a empresa do GES que adquiriu a Escom que pagou os 15,4 milhões de euros (devolução do investimento e compensação) a José Guilherme. Isto porque a Escom tinha dado uma garantia bancária e falhado o pagamento, tendo depois a nova proprietária assumido a dívida e liquidado esse montante ao empresário.

Uma versão diferente da dada pelo presidente da ESCOM, Helder Bataglia, na audição na comissão de inquérito. Nessa audição, o presidente da Escom disse que José Guilherme comprou um terço da participação na Escom, detentora das Torres Sky em Luanda e que foi Ricardo Salgado que lhe apresentou o empresário da Amadora. Helder Bataglia diz que a participação de José Guilherme foi recomprada três anos depois, quando o GES tentava vender a Escom à Sonangol, por 32 milhões de dólares (25 milhões das torres e sete do investimento). Mas José Guilherme diz que o que houve foi uma revogação da participação (não uma venda).

A ligação a Angola era assim o braço mais forte dos negócios entre o empresário e o BES/GES e que estáa ser investigado pela justiça. José Guilherme, que ainda hoje vive em Angola, diz que nunca pagou comissões naquele país, apenas “partilha lucros ou perdas”. Mas o mesmo não se aplica a Portugal. Na carta que enviou aos deputados diz que pagou “muitas vezes comissões de intermediação imobiliária quer como vendedor, quer como comprador”, sem no entanto especificar a quem.

O que também preferiu não especificar foi o alegado pagamento que terá feito a Ricardo Salgado no valor de 14 milhões de euros. No documento de oito páginas, José Guilherme recusa responder sobre a alegada prenda que terá dado a Ricardo Salgado. A todas as perguntas sobre o assunto, o empresário remete para o inquérito que está a decorrer no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e justifica: “Aquilo que posso afirmar pode ser interpretado no sentido de me ser imputada responsabilidade criminal”.

As respostas chegaram já fora de prazo (mas ainda a tempo da elaboração do relatório da comissão de inquérito que tem de estar finalizado a 29 de abril), e com dúvidas. José Guilherme, que pediu para ser dispensado da audição presencial da comissão de inquérito, respondeu aos deputados dizendo no entanto ter “dúvidas” sobre algumas das perguntas. Dúvidas que, diz, são a vários níveis. Desde a “legalidade” ao “interesse efetivo das questões colocadas para o objeto e poderes” da comissão de inquérito, uma vez que, diz, “respeitam exclusivamente a relações de natureza privada, pessoal e comercial”.