O juiz Carlos Alexandre disse à procuradora do Tribunal da Relação de Lisboa que pode estar a ser vítima de espionagem por parte de uma organização secreta. Em causa, está uma carta anónima que chegou à Procuradoria-Geral da República onde eram reveladas informações privilegiadas envolvendo, entre outras coisas, o círculo mais próximo do ‘superjuiz’.

Durante uma audição que demorou quatro horas e meia, o juiz terá sido desafiado pela procuradora que dirigia o inquérito a pronunciar-se sobre os presumíveis autores da carta anónima que desencadeou este processo. Nessa carta, dizia-se que Carlos Alexandre estaria a ser controlado por um jornalista da revista Sábado, depois de este ter desvendado factos comprometedores relacionados com os bens pessoais do juiz. De mãos e pés atados, o juiz teria passado informação confidencial sobre os processos judiciais em curso, como o dossier BES/GES e a Operação Marquês que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates.

Ora, de acordo com o jornal Público, Carlos Alexandre não se escusou a responder às perguntas da magistrada e revelou as suspeitas sobre a existência da tal organização secreta. Isto porque, terá dito o juiz, só uma organização dessa natureza e com esses meios conseguiria ter acesso ao número do processo atribuído pela justiça à primeira denúncia ou à identidade dos presentes nos jantares de confraternização em que costuma participar em Mação.

Esta é a segunda vez em poucos meses que Carlos Alexandre é chamado à Relação de Lisboa para responder a uma denúncia anónima por violação do segredo de justiça. Esta carta, assinada por altura do Natal passado, surge na sequência de uma primeira carta anónima enviada também para os mesmos serviços judiciais. Nela, era denunciado o hábito de Carlos Alexandre de almoçar com jornalistas para revelar informações sobre os processos sob segredo de justiça, lembra o mesmo jornal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Rendimentos de Carlos Alexandre vistos à lupa 

Confrontado com esta e a mais recente denúncia, o juiz fez questão de revelar à procurada Emília Martins todos os detalhes sobre as suas fontes de rendimento, os bens que tem em seu nome, quantos empréstimos contraiu e como os tem conseguido pagar, conta mais detalhadamente o jornal i.

Carlos Alexandre começou por explicar que, em tempos, teve rendimentos familiares mensais próximos dos 10 mil euros, mas que hoje estavam reduzidos a oito mil. São eles:

  • Quatro mil euros pelas funções que acumula enquanto juiz;
  • Dois mil euros do salário da mulher, funcionária das Finanças;
  • E dois mil euros provenientes de arrendamentos de imóveis e da reforma da sogra, que vive na casa do casal, numa vivenda em Linda-a-Velha, adquirida em 2006 através de um empréstimo contraído junto da Caixa-Geral de Depósitos (CGD);

O “superjuiz” falou ainda dos bens que tem em seu nome, desde logo, um BMW 320 que lhe custa quase 400 euros por mês em prestação. A paixão pelos automóveis foi, de resto, assumida por Carlos Alexandre, que revelou que troca de carro de cinco em cinco anos, sempre através de financiamento bancário – algo que fará “até que a persuasão da idade o iniba de semelhante luxo”, disse. Mas há mais:

  • Um apartamento na praia do Carvoeiro, que comprou depois de contrair um empréstimo bancário de 100 mil euros junto da CDG – todos os meses paga 600 euros;
  • Duas “pequenas casas em ruínas” no Alandroal, em Évora, e outras casas herdadas do sogro, estas últimas habitadas por oito inquilinos;
  • Uma moradia em Mação, herança dos pais. Está a reconstruí-la juntamente com a irmã;
  • Além disso, investiu numa moradia também em Mação, depois de contrair um empréstimo de 100 mil euros em agosto de 2014 junto da Caixa Crédito Agrícola de Mação.

De acordo com o mesmo jornal, que consultou os autos do processo no Tribunal da Relação, Carlos Alexandre explicou que tem conseguido pagar os empréstimos através da acumulação de várias funções. Em 2000, por exemplo, passou a auferir dois salários, depois de ter sido colocado como juiz de instrução da Polícia Judiciária Militar (PJM), acumulando com as funções que já exercia nas varas de Sintra.

Esta situação, revelou, prolongou-se até 2004. Depois desse período, passou a trabalhar TCIC, na secção criminal militar do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e no Tribunal de Turnos de Lisboa. Ou seja, continuou a acumular mais do que um salário normal da magistratura.

Para ajudar a pagar as contas, Carlos Alexandre assumiu, ainda, que recebia “algum dinheiro” disponibilizado pela sogra. A indemnização de 75 mil euros que a mulher do juiz recebeu depois de ter sido atropelada em 2002 também acabou por ajudar a pagar os empréstimos.

O “superjuiz” assumiu desde o início objetivo deste striptease fiscal: provar que nunca ficou refém de “qualquer congregação ou obediência” e que “não houve, nem há, qualquer compromisso da sua parte, não há qualquer captura, pois sempre decidiu livremente”.