Apoiar ou não apoiar, eis a questão. As bases socialistas estão desorientadas sobre o que fazer, afinal, quanto à candidatura de Sampaio da Nóvoa à Presidência da República. O mote foi lançado nada mais nada menos do que pelo presidente do partido, Carlos César, que deixou antever que o PS pode nem apoiar nenhum candidato, se outros surgirem entretanto. Maria de Belém, ex-presidente do partido, já estará pronta a avançar. A confusão instalou-se no PS nos últimos dias e levou mesmo as bases do partido a pedir esclarecimentos à direção nacional: Nóvoa vai estar em Cascais para a semana e as secções socialistas daquele concelho querem saber como o devem tratar.

Há muito que o ex-reitor da Universidade de Lisboa anda na estrada e tem sido sempre recebido pelos líderes distritais do PS ou por presidentes de câmara igualmente socialistas. Primeiro, fez-se acompanhar por Pita Ameixa, deputado socialista eleito pelo círculo de Beja, quando foi petiscar à feira da Ovibeja. Depois, rumou ao norte do país para almoçar com o presidente da Câmara de Fafe, o socialista Raul da Cunha. No caminho encontrou-se com Domingos Bragança em Guimarães, tomou uma breve refeição com João Azevedo em Mangualde e reuniu-se com Gil Nadais em Águeda. Tudo presidentes de câmara socialistas. Quando chegou a Paredes de Coura aproveitou para almoçar com o também autarca socialista Vítor Pereira. Neste caminho para Belém ainda houve tempo para parar, por exemplo, em Águeda, Melgaço e Viana do Castelo, outros três quartéis-generais socialistas. Tudo somado, desde que se fez à estrada, o ex-reitor já andou por 13 terras socialistas, num total de 17 apeadeiros.

Ou seja, o aparelho tem andado ativamente a mexer-se pela candidatura do académico até que uma suposta indicação em sentido contrário começou a baralhar as estruturas do partido. O incómodo levou o coordenador de uma secção do concelho de Cascais a procurar esclarecimentos junto da direção nacional e a enviar depois um e-mail aos militantes para saberem o que fazer durante a visita do candidato presidencial na próxima semana: O PS continua sem candidato oficial, mas até lá a ordem é para as estruturas do partido continuarem a ver “com muita simpatia a candidatura do professor”.

No e-mail cujo título é “Definição de apoio do PS a candidaturas à Presidência da República nunca antes de outubro”, a que o Observador teve acesso, a ordem é clara e vem de cima:

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“Recebemos a informação institucional do PS de que tais noticias [sobre avanço de Maria de Belém] são infundadas e que o PS continua sem candidato oficial, o qual deverá ser definido no próximo mês de outubro. Até lá, as estruturas do PS continuam a ver com muita simpatia a candidatura do Prof. Sampaio da Nóvoa e seguindo com muita atenção as diversas atividades que a candidatura deste candidato promove no País”.

A confusão começou com a entrevista de Carlos César, presidente do partido, à Antena 1, onde admitia que o PS poderá não dar indicação de voto a nenhum dos candidatos porque o partido não vai querer meter-se “num processo fratricida” caso venham a surgir mais candidaturas dentro da área política do PS.

Estava lançado o mote para outros candidatos catapultarem para a esfera mediática. Foi o caso de Maria de Belém, que já andava a ser apontada como uma boa candidata entre a ala socialista que não se conforma com Nóvoa, e que ganhou mais força desde a declaração de César na quarta-feira. José Lello, deputado e dirigente socialista, por exemplo, aproveitou a deixa e disse esta sexta-feira ao jornal i que a ex-presidente do PS tem a “experiência e capacidade” necessária para o desempenho do cargo. O mesmo disse o deputado João Paulo Pedrosa, Nóvoa é “mau”, Belém é “excelente”.

“Qualquer candidato do PS que se ponha em bicos de pés perde”, diz Vítor Ramalho

Não é o que pensa outro socialista, Vítor Ramalho, soarista e apoiante de Nóvoa desde a primeira hora. Ao Observador, Vítor Ramalho só vê uma fórmula matemática possível para dar vitória a um candidato de esquerda nas presidenciais: alargar a base de apoio. Ou seja, apoiar um candidato que não desagrade ao resto da esquerda, do Livre ao Bloco de Esquerda e ao PCP (“à esquerda ainda nenhum partido criticou Nóvoa”). Esse candidato não pode, por isso, vir de dentro do PS e não tem outro rosto que não o de Sampaio da Nóvoa.

“Qualquer candidato, seja homem ou mulher, que se ponha em bicos de pés, perde para Sampaio da Nóvoa”, afirma, convicto de que o surgimento de outras candidaturas no âmbito do PS “só agravam a situação levando a uma divisão de votos que não serve ninguém”. E Ramalho lembra mesmo a última sondagem da Universidade Católica, que, apesar de pôr a maioria em empate com o PS – até ligeiramente à frente -, indica que mais de 60% dos inquiridos dá nota negativa ao desempenho do Governo. “É, por isso, fundamental que o candidato do PS seja capaz de chegar a estes mais de 60% da população, que são no fundo os apoiantes do somatório dos partidos à esquerda”, conclui, dizendo que o raciocínio é factual e “puramente matemático”.

Certo é que o PS não descola nas sondagens e isso está a assustar muitos socialistas, que têm noção de que uma parte do seu eleitorado não se revê num candidato como Sampaio da Nóvoa, independente, ex-reitor, sem currículo político. O Observador sabe que, por outro lado, também é certo que António Costa quer o partido centrado nas legislativas e que, sem um candidato indiscutivelmente vencedor como seria por ventura António Guterres, lhe é quase indiferente quem será o candidato do PS a Belém. E por isso tem empurrado Nóvoa com a barriga, arrastando o dossiê presidenciais para depois de outubro.

Até agora, portanto, só a candidatura cidadã do Livre/Tempo de Avançar é que apoia oficialmente Sampaio da Nóvoa, conforme decidiram os subscritores em referendo realizado no último fim de semana. Tirando isso, há outros nomes de peso por detrás da candidatura do ex-reitor: Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, os três ex-Presidentes da República.

De resto, no terreno para Belém está também outro ex-socialista, Henrique Neto, que avançou na qualidade de independente e não espera o apoio dos socialistas. Mas ainda a procissão vai no adro e, seja Maria de Belém, ou seja outro nome do centro-esquerda, entre os críticos socialistas da candidatura de Nóvoa ainda não se perdeu a esperança de que outros avancem para o lugar. Em todo o caso, Carlos César abriu uma nova porta e o PS pode mesmo estar a tirar o tapete a Sampaio da Nóvoa.