O atual presidente da Câmara de Ceuta, Juan Jesus Vivas, chegou a criar, em 2010, uma fundação – a Fundação Ceuta Crisol [Cadinho] de Culturas 2015 – para coordenar um vasto programa de comemorações. No entanto, nas eleições de 2011 assistiu-se ao crescimento em importância de uma coligação formada por dois partidos de caráter regional, a União Democrática de Ceuta (UDCE) – liderada por Mohamed Ali – e o Partido Socialista do Povo de Ceuta. O PP, de Jesus Vivas, ganhou com maioria absoluta, mas a Coligação Caballas ganhou peso e já não o perdeu.
Foi a Caballas que tomou a posição mais dura quanto às comemorações. Em 2012 referiu-se à conquista como “uma matança” e alertou que celebrar “um feito bélico poderia ferir a suscetibilidade de uma parte muito considerável da população”.
“Encravada” em Marrocos, Ceuta é – juntamente com Melilla – um dos dois únicos territórios terrestres europeus em África. Tem uma população de cerca de 84 mil habitantes, onde um em cada três é muçulmano (37%, dados de 2012). É também um dos locais de Espanha onde mais cidadãos foram detidos por ligações ao terrorismo islâmico.
Em dezembro de 2014, a poucos meses das eleições locais de maio último, a Coligação Caballas propôs a extinção da Fundação Ceuta Cadinho de Culturas 2015 e no final desse mês o governo local acabou mesmo com ela. Dos programas preliminares constavam exposições, conferências, convénios entre Câmaras de Comércio, a realização de programas de televisão em canal nacional sobre o legado português em Ceuta, exposições da Armada Portuguesa e espanhola, entre outros eventos.
A imprensa local apelidou a decisão como “uma cobardia política” do presidente da Câmara. Juan Jesus Vivas diz que a opção política foi a de ajustar a celebração aos dias de austeridade. “Vivemos anos de ajuste orçamental muito forte e isso impediu que as celebrações tivessem um conteúdo de maior aparato. Combinamos que não ficaria no esquecimento, mas ao mesmo tempo quisemos ajustar-nos ao período de austeridade que Espanha e Portugal estão a viver”, disse à Lusa.
Vivas também recusa a ideia de que a população de Ceuta pense na conquista de 1415 como “uma matança”. “Isso não está muito presente na sociedade de Ceuta. Foram comentários que devemos considerar marginais. Ceuta hoje orgulha-se de ser uma sociedade multicultural, na qual impera o respeito pelo outro, independentemente da origem étnica, da religião ou da cultura”, salientou.
Numa entrevista na qual nunca referiu a palavra “conquista” de Ceuta, mas sim “efeméride” ou apenas “1415”, Juan Jesus Vivas reconhece que a organização optou por não focar o caráter bélico da operação militar do Rei D. João I de Portugal.
“Não nos podemos esquecer do que significou a efeméride de 1415, mas ninguém tentou celebrá-la como uma conquista ou uma batalha. Não nos focamos nesse ponto de vista bélico, mas sim num salto qualitativo importantíssimo na nossa história, porque significa a entrada na idade moderna”, sublinhou.
Vivas explicou que o “ayuntamiento” – “em vez de concentrar a celebração num só dia” – “preferiu realizá-la ao longo do tempo”. “Há vários anos que realizamos atividades docentes e culturais, que vêm dar valor, recordar e divulgar nas escolas o que Ceuta e 1415 significou para Portugal, para Espanha, para a Europa e para o Mundo”, concluiu.
E dá o exemplo do Infante D. Henrique para responder aos seus adversários políticos. “Estas coisas devem superar as questões de confronto partidário e ser olhadas com elevação, a pensar em grande. Aliás, é essa a herança de Henrique, o Navegador – uma pessoa lúcida que entendeu que deveria haver horizontes para a modernidade, para os descobrimentos e para o desenvolvimento”.
Conquista portuguesa representou a “entrada de Ceuta na era moderna”
Para o presidente da Câmara da cidade a conquista de Ceuta pelos portugueses “significou a entrada da nossa cidade na idade moderna, a incorporação no registo histórico de Ceuta dos valores do Renascimento, a abertura de horizontes e um legado português que continua presente no coração, na mente, na memória e no espírito da cidade e dos habitantes de Ceuta”.
Primeira praça portuguesa em África, Ceuta marcou o arranque – no reinado de D. João I – da Expansão ultramarina portuguesa. A cidade ostenta marcas da presença de Portugal um pouco por toda a sua mancha urbana, mas também nos seus símbolos: as quinas portuguesas com uma coroa por cima e a bandeira igual à de Lisboa, com triângulos retos brancos e pretos.
“Esse legado está na bandeira da cidade, no escudo da cidade, no pendão, na configuração urbana, em muitos dos nossos monumentos, especialmente no conjunto monumental mais importante de Ceuta: as muralhas reais [que datam da presença portuguesa]”, explicou o “alcalde”.
Por outro lado, duas das principais ruas de Ceuta chamam-se Calle Dom Joao I e outra Calle Camoes e num dos espaços públicos há uma estátua do Infante Dom Henrique, aqui mais conhecido por Henrique, o Navegador.
Porta de entrada de Portugal em África, Ceuta é vista hoje como uma porta de entrada de África na Europa. No ano passado entraram pela fronteira de Ceuta quase 1.800 pessoas, marroquinos, argelinos, sírios e da África subsaariana. Os números são escassos quando comparados às centenas de milhares que atualmente chegam à Grécia, à Sicília e mesmo à outra cidade-enclave espanhola, Melilla. No entanto, o presidente da Câmara de Ceuta reconhece que há “pressões migratórias” neste ponto, mas salienta a necessidade de respeitar os direitos humanos.
“Ceuta é uma das portas de entrada na Europa. Juntamente com Melilla são as duas únicas fronteiras terrestres da Europa em África e isso tem uma implicação relevante do ponto de vista da pressão das migrações. Em qualquer caso, entendemos em Ceuta que o assunto tem de ser alvo de um tratamento comum por parte da União Europeia, que parte da nossa consideração e defesa dos direitos humanos”, afirmou Juan Jesus Vivas.
“As pessoas migram porque querem melhorar as suas condições de vida, a sua esperança de vida, o seu nível de bem-estar. Há que apoiar esses países para que a riqueza se reparta melhor e o mundo seja mais justo”, disse o governante, contrapondo que também há que “perseguir as mafias que se dedicam a traficar o género humano”.
Apenas 60 portugueses a viver em Ceuta
Portugal tomou Ceuta com um contingente que alguns historiadores estimam em mais de 30 mil homens (a bordo de 270 navios) e, a 03 de setembro de 1415, deixou na cidade uma guarnição de 2.500 soldados, sob o comando de outra das figuras históricas ainda presentes nas ruas de Ceuta, Pedro de Meneses.
No entanto, 600 anos depois são apenas cerca de 60 os portugueses que vivem na cidade, trabalhando fundamentalmente nos setores dos serviços (hotelaria, comércio, bares) e também na construção, afirmou o Cônsul Honorário de Portugal na cidade, José Francisco Ríos Claro.