“[O PS] parecia quase um perú em vésperas de Natal“. “Convém saber quem é o pai da criança”. “O que eles [PCP e BE] estão a fazer é um grande frete à direita!”. “O Bloco de Esquerda devia ter alguma humildade”. “O que era mesmo bom era que o PS dissesse qualquer coisa de esquerda“. Quem disse isto? Passos? Portas? Não, os mesmos que agora estão a negociar um eventual Governo de esquerda. Agora que o entendimento entre o PS e a coligação Portugal à Frente parece complicado, e que um governo com apoio das bancadas parlamentares de esquerda pode estar em vias de ser viabilizado, vale a pena recordar alguns dos ataques entre PCP, BE e PS que mais marcaram a campanha eleitoral.
Fazendo comparação à “tristeza” da ave mais célebre da época natalícia, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, chegou a dizer que o PS “parecia quase um perú em vésperas de Natal”, dizendo que os socialistas não fizeram oposição à maioria de direita. Durante um comício em Santa Maria da Feira, o líder comunista sugeriu, ainda, que convinha “saber quem é o pai da criança”, fazendo referência à questão de quem foi que chamou a troika, que marcou o debate entre António Costa e Pedro Passos Coelho. E dos debates entre essas duas forças políticas, Jerónimo de Sousa retira uma conclusão: “Aquilo, espremidinho, espremidinho, conclui-se que as semelhanças eram mais que as divergências e diferenças“.
No debate entre Catarina Martins e António Costa, a porta-voz do Bloco de Esquerda comentou que, pondo a renegociação da dívida de lado, António Costa estaria à direita de Manuela Ferreira Leite. Por seu lado, Costa respondia que “o Bloco de Esquerda devia ter alguma humildade”, tendo em conta o que aconteceu com o Syriza na Grécia, e que “é irresponsável” assentar “um programa político na base de algo que não depende” do partido.
À altura, António Costa acusou o BE de “prometer tudo a todos, dos pensionistas às crianças no berçário”, considerando que todo o programa bloquista assentava na “reestruturação da dívida, dispensando os recursos necessário para financiar todo o programa”. E Catarina Martins reiterou que o PS queria manter a austeridade no país.
Durante a campanha eleitoral, o líder socialista, reagindo a alguns ataques por parte dos partidos mais à esquerda, pedia que estes concentrassem “a sua energia na direita”, enquanto a líder do Bloco argumentava que “o que era mesmo bom era que o PS dissesse qualquer coisa de esquerda”.
Mas Manuel Alegre, histórico socialista, foi mais longe que Costa nos ataques à esquerda. “Para alguns, o PS é o inimigo“. “O que eles [PCP e BE] estão a fazer é um grande frete à direita!”, e “dir-se-ia que preferem a direita no poder mesmo que isso implique mais sofrimento dos seus apoiantes“, foram dois dos ataques que proferiu num comício no Parque das Nações, na reta final da campanha.
E o PCP não ficou atrás nos ‘mimos’. Jerónimo de Sousa disse mesmo que PS, PSD e CDS são todos “farinha do mesmo saco“, depois de falar no chamado voto útil, com certa ironia: “em nome do mal menor se calhar era melhor considerar o voto no PS”. O líder comunista também chegou a acusar a coligação de direita e o PS de “uma grande operação para vender a ideia de que a única opção nestas eleições [era] escolher entre Passos e Costa”. E acrescentou: “Esta história já vimos há muitos anos, estão a rodar o mesmo filme“, fazendo uma comparação com a atitude de Durão Barroso e José Sócrates.
Nem sempre se percebeu que o entendimento seria possível. Falando sobre a situação portuguesa, e o programa socialista, Jerónimo de Sousa chegou a afirmar: “Este caminho para o desastre que foi construído pelo PS, PSD e CDS precisa de rutura e mudança e aquilo que o PS propõe não é uma rutura. É a continuidade”. Além de que, durante o frente-a-frente com Costa, o líder comunista afirmou que a CDU era “gato escaldado” com as promessas do Partido Socialista.
E nem só os líderes dos partidos de esquerda falaram. Do lado do PS, Carlos César, que foi presidente do governo regional dos Açores, apelou a que não se dispersassem os votos por partidos que apenas ajudariam a manter a direita no poder, dizendo: “A Catarina e o Jerónimo que nos perdoem, com certeza que são boas pessoas, o que interessa não é protestar, é governar. É vencer para mudar. Se não for o PS é a direita a governar. O voto no BE e no PCP é um voto emprestado à direita portuguesa”. Também o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, confrontou o PCP e o BE já no último dia de campanha eleitoral. Aos eleitores que pensavam votar no PCP colocou a questão: “Vocês acham que se vencerem as propostas do PCP de combate ao PS e de saída da moeda única, a vossa vida vai melhorar?”. E, dirigindo-se ao BE, disse: “As eleições não são concursos de beleza nem de simpatia”.