A personagem central no novo romance, Ngunyane (nome que os portugueses transformaram em Gungunhana), foi um imperador de Gaza, no sul de Moçambique, que se rebelou contra a potência colonizadora e acabou derrotado por Mouzinho da Silveira, preso e desterrado para os Açores, onde morreu em 1906.

A glória e o mito de Ngunyane atravessaram os dois países, fomentados também por algumas inverdades e falsificações históricas, ao sabor dos interesses do momento. Em declarações ao quinzenário português Jornal de Letras, o escritor diz que Portugal sentiu necessidade de engrandecer o imperador, para tornar maior a sua vitória sobre o rebelde e que Moçambique o aproveitou para o panteão dos seus heróis nacionais e anticoloniais. “Ora, Ngunyane nunca pensou nesta nação chamada Moçambique”, conclui Mia Couto, dizendo que as versões “são construções de parte a parte”.

Falando esta semana, em Maputo, o autor disse à Lusa que os moçambicanos continuam “ainda prisioneiros de uma versão única do passado” e precisam de se libertar de uma narrativa solitária e de assumir que há outras” versões. “Hoje fala-se muito num discurso pluralista, em que os moçambicanos se aceitem diversos, mas não teremos um presente com essa diversidade se não soubermos que temos um passado com muitas versões e são todas válidas”, defendeu.

Natural da Beira, centro de Moçambique onde nasceu em 1955, Mia Couto é autor de uma vasta e premiada obra, iniciada em 1992 com “Terra Sonâmbula”, considerado um dos dez melhores livros de ficção africana, por um júri do Zimbabué. Em 2013, venceu o Prémio Camões e, em 2015, foi um dos dez finalistas do Man Booker International Prize.

“Mulheres de Cinza”, primeiro volume da trilogia “As areias do Imperador”, é editado pela Caminho, estando a saída dos dois próximos volumes prevista para 2016 e 2017.

A obra vai ser apresentada pelo escritor no domingo, no Fólio – Festival Internacional de Literatura de Óbidos, depois de uma aula de literatura africana, que Mia Couto vai dar em parceria com José Eduardo Agualusa, no Museu Municipal da vila. A apresentação em Lisboa realizar-se-á na terça-feira, 20 de outubro, a partir das 18:30, na Fnac Chiado.

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