Depois de um ataque terrorista, o tema regressa sempre: serão precisas novas medidas legislativas de combate ao terrorismo? Desta vez, porém, a legislação em Portugal é muito recente: viu a luz há apenas seis meses – mais concretamente a 24 de junho. Igualmente seis meses depois o ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo.

E que novidades trouxe a nova lei que foi aprovada e negociada entre PSD, CDS e PS? Numa expressão: reforço de combate ao terrorismo. Que, em muitos pontos, mereceu os votos contra do PCP, Bloco de Esquerda (BE) e Os Verdes por discordância em relação às formulações jurídicas escolhidas – consideradas pelos deputados daqueles três partidos de esquerda como “vagos” ou “ambíguos”, logo representando um “perigo” para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Eis um dado interessante para acompanhar no futuro, caso seja empossado um governo PS com o apoio do PCP, BE e Os Verdes.

Como se explicam essas novidades? Agrupando-as em quatro grupos:

1. Novos ilícitos criminais:

  • Criminalização da apologia do terrorismo, nomeadamente através da Internet e das redes sociais: pena de prisão de 1 a 6 anos. O limite máximo da pena é superior à incitação simples em público devido ao alcance da Internet. O facto da Internet e das redes sociais serem a base do recrutamento do Estado Islâmico (EI) está na origem do reforço das penas para os crimes difundidos por via eletrónica. Penas de outros ilícitos criminais conheceram igualmente um agravamento quando praticadas por via de meios eletrónicos.
  • Criminalização de viagens para fora do território nacional de elementos que pretendam aderir a organizações terroristas internacionais: pena de prisão até 5 anos. Quem organizar ou tiver um papel na logística desse tipo de viagens é igualmente alvo de perseguição criminal: pena de prisão até 4 anos. As viagens aéreas para a Síria e para o Iraque, alvo de inúmeras reportagens na comunicação social nacional e internacional tendo por base novos recrutas, explicam este novo ilícito. O facto de muitos dos recrutas adquirirem treino e prática militar para regressarem de seguida à Europa está igualmente na origem desta censura penal.
  • Criminalização de atos terroristas que visem outro Estado que não a República Portuguesa ou uma organização internacional: pena de prisão de 8 a 15 anos operacionais e de 15 a 20 anos para os líderes. O legislador pretendeu mais uma vez censurar organizações terroristas internacionais que, como o EI, visam diferentes países ocidentais e até mesmo instituições, como, por exemplo, as Nações Unidas.

2. Reforço dos poderes dos serviços de informações: 

  • Acesso a metadados e registos de tráfego de comunicações. A lei permitiu a ser possibilidade do Sistema de Informações da República Portuguesa, que inclui o Serviço de Informações de Segurança (SIS) e o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), aceder a dados de telecomunicações. Contudo, o Tribunal Constitucional (TC) chumbou estas medidas em Agosto depois do Presidente Cavaco Silva ter solicitado a apreciação da sua constitucionalidadePortugal é dos poucos Estados-membros da União Europeia em que os serviços de informações não têm direito legal a ter acesso a essa informação. As memórias da ditadura do Estado Novo e a prioridade dada pelo regime democrático à proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos levam a uma grande restrição legal na ação dos serviços de informações. Por exemplo, a possibilidade de realização de escutas telefónicas continua igualmente vedada às secretas. Apenas os órgãos de investigação criminal, devidamente autorizados por um juiz de instrução criminal, podem utilizar o sistema de escutas que está instalado na sede da Polícia Judiciária.

O que são metadados e registos de tráfego?

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São dados em bruto referentes a outros dados. No contexto de metadados das operadoras telefónicas, os serviços de informações podem perceber a localização de dois indivíduos que tenham comunicado por telefone. Já os registos de tráfego permitem recolher a informação sobre os números de telefone contactados e durante quanto tempo durou cada uma das comunicações.

  • Acesso a dados bancários e fiscais. O SIS e o SIED passaram a ter acesso legal às contas bancárias e aos rendimentos e património declarado ao fisco de cidadãos que sejam declarados suspeitos de apoio a organizações terroristas ou de ações terroristas. O objetivo desta medida visa identificar canais de financiamento das organizações terroristas e até a instalação de bases de recuo em Portugal para acolher temporariamente eventuais terroristas em trânsito para os países onde pretendem atuar. Segundo fontes dos serviços de informações, estes sãos os perigos mais tangíveis em relação a Portugal – e não propriamente a realização de atentados em território nacional. A identificação e o combate ao branqueamento de capitais que está associado ao financiamento do terrorismo é igualmente um dos principais objetivos desta medida.

Quais as diferenças entre o SIS e o SIED?

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O SIS tem como objetivo combater as ameaças internas à segurança do Estado. Já o SIED concentra a sua ação em países estratégicos para Portugal de forma a monitorizar as ameaças externas

  • Comissão de fiscalização. A lei impõe também a criação de uma espécie de comissão integrada por juízes de direito que terá de autorizar previamente o acesso aos dados de telecomunicações, bancários e fiscais que os serviços de informações desejem em cada uma das operações. Com o chumbo do TC, a comissão ficou sem efeito. A preocupação do legislador visava obviamente a proteção dos direitos, liberdades e garantias, impedindo a devassa gratuita da vida privada dos cidadãos.

3. Reforço dos poderes de investigação criminal

  • Ações encobertas alargadas. A Polícia Judiciária, que tem a competência exclusiva da investigação criminal de suspeitas de terrorismo, passa a ter direito, com a devida autorização das autoridades judiciárias, a realizar ações encobertas em todos os inquéritos que visem ilícitos criminais que se relacionem direta ou indiretamente com suspeitas de atos terroristas. Por exemplo, um inquérito que vise a investigação de financiamento e branqueamento de capitais ligados a grupos terroristas poderá permitir a utilização de agentes infiltrados. Em termos de prevenção criminal, estas ações encobertas passaram a ser igualmente legais.

O que é uma ação encoberta?

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São ações praticadas por agentes que não estão identificados como polícias. No contexto de um grupo terrorista, trata-se um agente infiltrado que se alista com o objetivo de recolher informação e provas para uma eventual acusação das autoridades judiciárias.

4. Expulsões e concessão de nacionalidade. 

Foi flexibilizado o regime de entrada, permanência, saída e expulsão de cidadãos estrangeiros do território nacional, agilizando os mecanismos para o cancelamento de vistos, assim como a aplicação da pena acessória de expulsão do país. Em termos de concessão de nacionalidade, passou a ser necessário verificar se o cidadão interessado não constitui perigo ou ameaça para a segurança nacional. Neste ponto colocou-se também a hipótese de se retirar a cidadania a jhiadistas portugueses que tivessem aderido ao EI – como aconteceu noutros países europeus, como, por exemplo, a Holanda. Contudo, o governo de Passos Coelho rejeitou esta possibilidade. Outra hipótese analisada foi a retirada ou o confisco de passaportes a suspeitos de terrorismo para impedi-los de circularem no Espaço Schengen – e também aqui Portugal não seguiu outros países como, por exemplo, a Grã-Bretanha.

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O que falta fazer? Só o futuro o dirá. Sendo certo que o pensamento de um responsável dos serviços de informações transmitido ao Observador acaba estar sempre presente como solução final para o combate ao terrorismo: “Sem pôr as botas no terreno, a capacidade de atração do EI vai aumentado”. 

Traduzindo: só uma intervenção militar nos territórios ocupados pelo EI será realmente eficaz para combater esta organização terrorista. Uma discussão que regressou nos países ocidentais mais afetados pelas ações do EI.

Nota de correção: acrescentado o chumbo do Tribunal Constitucional sobre o acesso das secretas a informação bancária, fiscal e metadados relacionados com telecomunicações.