O chavão mais usado pelas mulheres grávidas (sobretudo quando têm muito apetite) é que têm de “comer por dois”. Pois bem, até podem comer por dois ou três, mas isso não deve implicar um desleixo na alimentação nem a rutura do stock de chocolates do supermercado mais perto de casa. A comida ingerida pelas mães não só afeta o bebé, como ajuda a moldar a sua alimentação futura e, consequentemente, o seu peso. Não é caso para as futuras mães encararem a gravidez como nove meses de privações, mas sim como nove meses de cuidados.

No início deste ano, o The New York Times publicou um estudo que acompanhou, ao longo de dez anos, 21.693 gravidezes e detetou 854 casos de diabetes gestacional. A causa? O consumo de batatas. Os investigadores associam o elevado índice glicémico das batatas, que aumenta rapidamente os níveis de glicose no sangue, ao aparecimento da doença, aconselhando as mulheres a trocarem-nas por outros vegetais.

Para esclarecer sobre o eventual perigo das batatas e de outros alimentos, recorremos à Dra. Isabel Lavinha, dietista na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa. E não vamos fazer suspense – até porque não é bom para as grávidas — , esclarecendo desde já: podem comer batatas à vontade, mas não à vontadinha. A dietista explica que, ao evitar as batatas, as mulheres teriam de evitar também o arroz ou o pão e que os alimentos devem ser consumidos com “conta, peso e medida”. Tudo vai depender do historial da grávida, se é diabética ou se tem peso a mais, por exemplo.

Afinal, o que é importante as grávidas comerem?

Em janeiro deste ano, a revista online Mother também dedicou um artigo à alimentação durante a gravidez, destacando o consumo de frutos secos por serem uma fonte de ómega 3, consumo esse que Isabel Lavinha encara como “uma moda”, visto que uma grávida com excesso de peso não deve comer frutos secos em demasia, mas sim um ou dois por dia, devido à gordura e ao açúcar que esses frutos contêm.

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Frutos secos sim, mas não mais do que um ou dois por dia caso haja excesso de peso. Foto: VisualHunt

Outro conselho da revista é a aposta nos alimentos ricos em ferro, como carnes magras e porco. E sim, a ingestão de ferro é necessária, mas também ela depende de vários fatores. Ao Observador, Isabel Lavinha diz que “todas as mulheres durante uma fase da gravidez – por volta da 18ª e da 20ª semana — devem ingerir mais ferro”, mas no caso de a mulher apresentar um quadro de anemia ferropénica, provocada por um défice de ferro, essa toma deverá ser iniciada antes. Além disso, a dietista salienta que é preciso ter em conta que vivemos num país multicultural em que há mulheres que não comem carne, assim como há cada vez mais mulheres vegetarianas ou vegan e, nestes casos, “é preciso estar muito mais atenta à vitamina B12”.

Mas os cuidados com a ingestão de ferro não se ficam por aqui: as mulheres grávidas têm de ter em conta a biodisponibilidade, ou seja, a capacidade de uma substância entrar na célula e realizar a sua função. Assim sendo, as gestantes “não podem juntar ferro com cálcio”, já que ambos vão disputar a absorção no organismo e o cálcio vai acabar por ganhar. É necessário saber quando tomar ferro para não acabar a perdê-lo e uma boa dica é consumi-lo juntamente com vitamina C, já que esta ajuda na absorção.

O ácido fólico presente em legumes ou no feijão também não pode ser esquecido, mas ao contrário do ferro pode ser consumido quando quiser. As fibras são outro nutriente a ter em conta, principalmente porque ajudam naquela que é uma das maiores queixas das grávidas: a obstipação. Esta acontece como consequência das alterações hormonais (progesterona e estrogénio), sendo que a principal função da progesterona é relaxar os músculos, quer sejam do estômago ou do intestino, e um intestino relaxado evita as contrações inesperadas, as quais não devem ocorrer nos primeiros trimestres da gravidez.

Outras apostas de uma alimentação saudável passam pelos iogurtes, já que os lactobacilos ajudam o intestino a funcionar, e pela ingestão de muita água. Neste ponto, Isabel Lavinha ressalva que o que faz bem é mesmo água e não outros líquidos — muitas mulheres bebem pouca ou nenhuma água e, no entanto, ingerem sumos às refeições ou chás açucarados e defendem a sua escolha alegando que “é chá”. De facto é chá, mas um chá cheio de açúcar.

Os alimentos que terão de esperar nove meses

Embora as restrições alimentares se destinem a mulheres diabéticas, hipertensas ou insuficientes renais, por exemplo, há que ter certos cuidados no que diz respeito à segurança alimentar durante a gravidez.

Nem todas as mulheres são imunes à toxoplasmose, uma doença infecciosa, congénita ou adquirida provocada por um parasita chamado Toxoplasma gondii que, não sendo uma infeção grave para a saúde dos adultos, pode ter consequências graves para o bebé, afetando o seu desenvolvimento ou provocando um aborto espontâneo. Por isso, há que ter cuidado com enchidos, carnes cruas ou mal passadas e frutas ou legumes crus.

As ostras e o sushi são perigosos porque não são cozinhados, correndo o risco de apanhar uma intoxicação alimentar por Salmonella – a não ser que opte por menus próprios para mamãs, como o do restaurante Suchic.

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O combinado incluído no Menu Mamã do Sushic. Foto: Jorge Simão

Mas não só de alimentos crus vivem as preocupações das grávidas. E aqui entra outra palavra a ter em atenção: a listéria, uma bactéria capaz de provocar doenças como a meningite e que pode estar em alguns tipos de queijos. Como se isto tudo não fosse suficiente, ainda há a brucelose — hoje em dia considerada uma doença rara –, uma infeção bacteriana que surge quando a mulher grávida entra em contacto com animais, carne animal ou leite animal que estejam contaminados com a bactéria. Novamente cuidado com os queijos e os fiambres.

A fast food também deve ser evitada porque além de não ser nutritiva, tem um excesso de gorduras hidrogenadas, muito processadas, aditivos e imenso sal.

A gravidez como reeducação da mulher

De volta ao estudo citado pelo The New York Times, ao longo da gravidez algumas mulheres sofrem de diabetes gestacional, fruto da alimentação que levam, do peso ou da vida sedentária que têm. No entanto, Isabel salienta que “durante uma PTGO (Prova de Tolerância à Glicose Oral), é apanhada a diabetes gestacional e, às vezes, não é nas pacientes que têm mais peso”. Ou seja, não é nas mulheres que tinham mais peso antes de engravidarem mas naquelas que o ganharam depois de engravidar.

Uma mulher deve ganhar cerca de 12/14 quilos durante a gravidez, mas tudo depende do índice de massa corporal pré-concecional. Uma mulher com um índice de massa corporal de 30, ou seja, que sofra de obesidade, não poderá ganhar tantos quilos.

Voltando à diabetes gestacional, Isabel Lavinha descansa as mulheres em relação a essa preocupação garantindo que “não significa que tenham diabetes no fim da gravidez. Cerca de seis a sete semanas depois a mulher repete a análise e a maioria não fica com a diabetes”. Contudo, as mulheres que a têm durante uma primeira gravidez têm maior probabilidade de voltar a tê-la numa segunda, bem como de virem a ser diabéticas anos mais tarde, daí a necessidade dessas mulheres fazerem um controlo glicémico de dois em dois anos.

A dietista da Maternidade Alfredo da Costa olha para os cuidados alimentares durante a gravidez como uma aprendizagem para a mãe:

“A gravidez é uma altura ótima para a mãe se reeducar, para que os seus maus hábitos não venham a prevalecer na criança. Se a mãe não come sopa, o filho não vai comer sopa. Se a mãe não come saladas nem legumes e encomenda pizzas, a criança vai habituar-se a isso.”

Num inquérito realizado entre dezembro de 2002 e Janeiro de 2003 por finalistas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa a 320 puérperas (mulheres no período pós-parto) concluiu-se que cerca de 70 por cento das inquiridas não se alimentou corretamente durante a gravidez e metade delas ultrapassou o limite máximo de peso recomendado.

O aumento de peso desmesurado pode ter tanto de desinformação como de cultural e é importante que as mulheres tenham noção de que o excesso de peso pode ter consequências durante o parto, como o recurso a cesariana ou a necessidade de indução do trabalho de parto, além de levar ao nascimento de bebés macrossómicos, ou seja, demasiado grandes. A ideia de que engordar é bom para o bebé está errada. Aliás, não é bom para ninguém: nem para o bebé, nem para a mãe.