O Ministério Público vai abrir um inquérito às declarações da bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, para apurar se existe morte assistida nos hospitais portugueses. O homicídio a pedido da vítima está previsto no Código Penal português e é punido com pena de prisão até três anos. A tentativa também é punível. O inquérito decorrerá paralelamente à investigação já anunciada pelo Ministério da Saúde.

Ana Rita Cavaco declarou, em entrevista à Rádio Renascença, já ter vivido “pessoalmente” situações em que “houve médicos que sugeriram, por exemplo, administrar insulina àqueles doentes para lhes provocar um coma insulínico”. Confrontada pela jornalista se havia casos de eutanásia nos hospitais portugueses, a bastonária afirmou que sim. Ana Rita Cavaco está entre as pessoas que já assinaram a petição Direito a Morrer com Dignidade, divulgada no início de fevereiro.

O Observador perguntou à Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, se o Ministério Público iria abrir um inquérito às declarações da bastonária. A resposta, via gabinete de comunicação, confirmou a abertura do inquérito:

“O Ministério Público, sempre que tem conhecimento de factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes, age em conformidade através da instauração do competente inquérito”.

Ministério da Saúde manda averiguar

O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes disse esta segunda-feira que pediu à Inspeção-Geral de Saúde para esclarecer as declarações da bastonária, avança a Lusa.

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“Solicitei Inspetora-geral das Atividades em Saúde que tomasse uma primeira iniciativa para esclarecer eventuais dúvidas que possam existir. Não acreditamos que os profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) não façam aquilo que a lei determina, que a sua consciência exige e que os princípios da ética e rigor profissional exigem, por isso vamos ter serenidade”, disse.

Adalberto Campos Fernandes referiu ainda que a Bastonária dos Enfermeiros é uma pessoa “muito inteligente” e que acredita que em breve “terá ocasião de explicar melhor as suas palavras”.

“Não tenho a certeza que as palavras da senhora Bastonária não tenham sido mal interpretadas e creio que ela terá oportunidade de explicitar o que queria dizer e eu não me quero antecipar a um juízo de intenção ou de valor sobre as declarações”, afirmou.

Adalberto Campos Fernandes referiu que a inspeção deverá agora chamar Ana Rita Cavaco. “A Inspeção poderá conversar com a bastonária e procurar saber o que ela viu, conhece ou tem conhecimento, é só isso. A única preocupação que tenho é garantir que os portugueses têm confiança no SNS, nos médicos e enfermeiros”, concluiu.

Ordem dos Médicos desconhece casos de eutanásia

A Ordem dos Médicos referiu que se “não se pronunciasse sobre estas declarações estaria a legitimá-las implicitamente”, acrescentando que “desconhece concretamente qualquer caso de “eutanásia” explícita ou encapotada nos Hospitais do SNS ou noutras instituições de Saúde”.

A Ordem dos Médicos está preocupada que as declarações de Ana Rita Cavaco possam “prejudicar gravemente a confiança dos doentes e dos seus familiares nos profissionais de saúde do SNS”.

“Estas declarações não podem passar em claro com a ligeireza com que foram proferidas, pois são difamatórias e atentam contra a dignidade de médicos e enfermeiros, pelo que devem ser provadas ou inequívoca e formalmente desmentidas”, escreve o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos em comunicado.

Para a Ordem dos Médicos estas declarações são graves, pois implicam “médicos e enfermeiros na alegada prática encapotada de crimes de homicídio em hospitais do SNS”. “Não denunciar um crime, se presenciado ou de conhecimento concreto, é cometer um crime”, afirma a Ordem dos Médicos, que “irá enviar as declarações da Senhora Bastonária da Ordem dos Enfermeiros para a IGAS, para o Ministério Público e para aos órgãos disciplinares competentes da Ordem dos Enfermeiros, para os procedimentos tidos por convenientes”.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, entretanto contactada pelo Observador, já veio esclarecer as suas declarações à Rádio Renascença:

“Eu nunca disse que se praticava eutanásia ou que tinha visto praticar. O que eu disse foi que este assunto está dentro dos corredores. Estava-me a referir à discussão que é feita no seio das equipas”, explicou a bastonária, que foi empossada no mês de janeiro.

(artigo atualizado depois de a bastonária ter prestado declarações ao Observador)